Analistas recomendam cautela antes de investidor partir em busca de pechinchas nas criptomoedas
A forte queda nos preços das stablecoins, puxada pela derrocada dos projetos da TerraUSD e da luna, teve um peso importante para o ajuste sofrido pelo universo cripto de forma mais ampla.
© Marco Bello/Reuters
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LUCAS BOMBANA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Embora o mercado de criptomoedas já tenha experimentado uma forte correção de preços durante as últimas semanas, especialistas avaliam ainda ser necessária alguma dose de cautela antes de o investidor partir em busca de eventuais oportunidades na bacia das almas.
A forte queda nos preços das stablecoins, puxada pela derrocada dos projetos da TerraUSD e da luna, teve um peso importante para o ajuste sofrido pelo universo cripto de forma mais ampla.
Analistas e gestores dedicados ao tema assinalam, contudo, que, ainda que o evento relacionado às stablecoins possa ter se tratado de um caso mais pontual, fatores que já vinham pressionando tanto o mercado de criptomoedas quanto as ações seguem presentes no cenário.
O aumento da taxa de juros pelo Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos), e o enxugamento da liquidez abundante que impulsionou os mercados desde meados de 2020, é um processo que ainda está apenas no início.
E, com uma inflação pressionada em escala global, acentuada pelas novas restrições de mobilidade na China e pela Guerra da Ucrânia, não apenas o BC norte-americano deve prosseguir com a escalada de aumento de juros como autoridades monetárias de outros mercados desenvolvidos, como Europa e Japão, também devem seguir pelo mesmo caminho.
Em meio à pressão vinda de uma série de frentes, no acumulado do ano, o bitcoin acumula desvalorização de cerca de 38%, enquanto a capitalização do mercado de criptomoedas saiu de um pico acima de US$ 2,5 trilhões, em meados de novembro do ano passado, para negociar atualmente ao redor de US$ 1,25 trilhão.
Nesse cenário, por mais que continuem enxergando um alto potencial de crescimento para a tecnologia das criptomoedas e da rede blockchain a médio e longo prazo, profissionais de investimento têm optado por uma postura de maior cautela.
LIMITE DE ALOCAÇÃO
"Ainda que o evento da luna possa ser um fato isolado, para o leigo e mesmo para a grande massa de pessoas físicas que compõem o ecossistema das criptomoedas, acendeu um sinal de alerta", diz Bruno Hora, cofundador do escritório de assessores de investimento InvestSmart.
Ele reconhece que eventos como esse mais afastam do que aproximam novos investidores para o segmento.
"Pessoas que estavam começando a entender melhor esse mercado, quando veem o que aconteceu nas últimas semanas, acabam criando uma resistência", diz. Da mesma forma, em momentos de forte alta, o interesse e a procura por produtos relacionados tendem a crescer, acrescenta.
Antes de iniciar qualquer tipo de investimento em criptomoedas, diz Hora, é preciso que o investidor esteja ciente da volatilidade que elas trazem para dentro da carteira, respeitando o seu perfil de risco para não se arrepender pouco tempo depois.
"Talvez o único almoço grátis que exista para o investidor é a oportunidade de diversificar bem os investimentos e não ficar excessivamente exposto a um só ativo", diz o cofundador da InvestSmart.
Para aqueles investidores que, cientes dos riscos, mantêm o interesse em fazer alguma alocação de capital, Luiz Pedro Andrade, analista da Nord Research, recomenda que sejam feitos aportes periódicos e em volumes que não comprometam o orçamento. "Não é o momento de fazer grandes aportes e nem de vender nada."
Além disso, dada a volatilidade intrínseca ao negócio, o analista diz que o ideal é que a exposição às critpomoedas seja limitada a um espaço não maior do que 5%, dentro de um portfólio bem diversificado com outras classes de ativos, como ações e renda fixa, seja no Brasil, seja em investimentos no exterior.
"Apesar de esperar por mais quedas das criptomoedas com a alta dos juros pelo Fed, sob uma perspectiva de longo prazo, os preços parecem atraentes", afirma Andrade.
Diretor do Mercado Bitcoin, Fabrício Tota diz que, em termos relativos, a negociação de luna foi uma das que mais cresceu dentro da plataforma nas últimas semanas, até pelo aumento do interesse pelo tema, que traz à reboque uma leva de novos interessados.
"Só tem gente vendendo porque, do outro lado, tem alguém disposto a comprar, a depender do preço", diz Tota, acrescentando que não ficou nem um pouco surpreso com a recente derrocada da luna.
"A indústria de criptomoedas ainda está em construção, vão surgir projetos que vão dar certo e outros que não vão prosperar", comenta o diretor do Mercado Bitcoin, que afirma não ter perdido "um minuto do sono" ante a forte queda dos últimos dias.
FOCO EM BITCOIN E ETHEREUM
Segundo Axel Blikstad, gestor dos fundos de criptomoedas da BLP Crypto, com o aumento recente da volatilidade, a opção adotada foi aumentar a concentração da carteira nas cripto mais consolidadas, em especial no bitcoin e na ethereum.
"É um ano difícil não somente para as criptomoedas, mas para o mercado como um todo. Estamos passando por uma mudança bastante grande, saindo de um cenário de juros extremamente baixos", diz o sócio da BLP, gestora com cerca de R$ 230 milhões em fundos de criptomoedas.
Diretor de investimentos da gestora de cripto QR Asset, Alexandre Ludolf diz também ter optado por uma abordagem mais conservadora nas estratégias dos fundos, ao menos até que seja possível ter uma clareza maior sobre as perspectivas para os mercados nos próximos meses.
"O ponto mais importante para a correção de preços das criptomoedas é a potencial redução de disponibilidade de capital", afirma o diretor da QR Asset, com cerca de R$ 470 milhões em estratégias indexadas e de gestão ativa em criptomoedas.
Ludolf diz que tem reservado um espaço maior dos portfólios para ficar em caixa, como títulos públicos de curta duração, de modo a reduzir a volatilidade da carteira. E também com um enfoque maior para as criptomoedas já mais bem estabelecidas bitcoin e ethereum.
Para ele, um avanço regulatório sobre o mercado cripto, e das stablecoins em especial, é um passo importante para aumentar a segurança e impulsionar uma nova onda de otimismo no setor.
"A regulação do mercado cripto é necessária para que a evolução do ecossistema continue", defende.
Ele diz que o padrão de captação "mudou para pior" na gestora com o aumento da volatilidade nas últimas semanas, mas que o maior conhecimento dos investidores de forma geral a respeito das criptomoedas impediu um movimento de resgates massivo.
"Ficamos positivamente surpresos com a postura firme dos investidores locais, que entenderam que vender em momentos de maior aversão costuma ser uma estratégia ruim."
Aumento das correlações Blikstad, da BLP, acrescenta que, com o aumento da adoção das criptomoedas por grandes empresas e investidores globais, a correlação entre os ativos digitais e os ativos mais tradicionais de mercado, como as ações, também acabou aumentando.
É por essa razão, afirma, que o movimento das criptomoedas tem acompanhado cada vez mais de perto o das grandes Bolsas internacionais, com a venda dos ativos de maior risco de maneira indiscriminada e a consequente pressão baixista para negócios de tecnologia, sejam ações negociadas na Nasdaq -o índice de tecnologia recua cerca de 27% no ano-, sejam os criptoativos.
"A tendência é que, com o passar do tempo, a correlação aumente ainda mais", diz o gestor da BLP.
Blikstad afirma que chegou a estudar a respeito da stablecoin TerraUSD atrelada à luna logo após seu lançamento, mas que não investiu no projeto.
"Nossa avaliação foi que se tratava de um negócio que não ia parar de pé", diz o gestor, que reconhece que os prejuízos gerados aos investidores com o derretimento das stablecoins aumenta o temor sobre o mercado cripto de forma generalizada.
E evidencia ainda mais, de acordo com ele, a importância da gestão ativa no universo das criptomoedas, de modo a evitar projetos em estágio inicial que ainda precisam se provar.