Corte em verba do Casa Verde e Amarela vai congelar obras de 140 mil moradias
O corte de verbas promovido pelo governo Bolsonaro irá congelar as obras de 140 mil unidades de moradia popular
© Divulgação/Governo de Goiás
Economia Moradias
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O corte expressivo nas verbas do programa Casa Verde e Amarela em 2023 vai congelar as obras de 140 mil unidades de moradia popular num cenário em que o país ainda convive com elevado déficit habitacional.
O Brasil tem uma deficiência de 5,9 milhões de casas, segundo diagnóstico da Fundação João Pinheiro para o ano de 2019, o mais recente disponível. Nesse universo, há cerca de 1,5 milhão de domicílios precários, que incluem aqueles improvisados em barracas ou viadutos e os classificados como moradias rústicas (sem reboco ou de pau a pique).
O presidente Jair Bolsonaro (PL) enviou a proposta de Orçamento de 2023 com uma reserva de apenas R$ 34,2 milhões para o FAR (Fundo de Arrendamento Residencial), que banca a construção de novas casas subsidiadas pelo governo -modalidade voltada para famílias com renda de até R$ 2.400.
O valor é 95,3% menor do que o previsto inicialmente para este ano e representa o estrangulamento quase total de um programa que já vinha definhando com reduções sofridas ano a ano.
Embora se aplique apenas a 2023, a tesourada tem impacto imediato. Sem garantia de recursos para o ano que vem, o MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional) fica impedido de retomar 15 mil obras paradas e que estavam na programação da pasta para recomeçar até dezembro.
Os canteiros ativos podem continuar operando com a verba deste ano, mas, a partir de janeiro, 125 mil obras devem ser suspensas, caso a reserva de recursos não seja revista durante a votação do Orçamento.
Procurado, o MDR informou que os recursos necessários foram solicitados ao Ministério da Economia, a quem encaminhou os questionamentos sobre o valor final proposto. A Economia não se manifestou até a publicação deste texto.
O programa Casa Verde Amarela sucedeu o Minha Casa, Minha Vida, vitrine das gestões petistas. O governo Bolsonaro trocou o nome na tentativa de imprimir uma marca social nessa frente, mas teve dificuldades para impulsioná-la diante do aperto fiscal.
A política acabou avançando bem mais na área de moradias financiadas, com corte de juros e redistribuição dos subsídios para regiões mais carentes. Mas esse braço do programa contempla apenas parte das famílias, uma vez que nem todas têm condições de arcar com uma prestação de imóvel.
"O déficit no Brasil está concentrado nas faixas de menor renda. Quase 80% das famílias sem moradia ganham abaixo de dois salários mínimos [R$ 2.424] e dependem de moradia subsidiada. Elas não têm capacidade de tomar um financiamento", afirma Evaniza Rodrigues, militante da UNMP (União Nacional por Moradia Popular) e que tem se reunido com grupos à espera da conclusão das obras.
"É uma tragédia para o povo sem-teto. Isso significa que as famílias que não têm acesso a crédito, que não têm como suportar aluguel, vão viver com outra família ou nas ocupações e favelas, na precariedade", acrescenta.
O dado mais atual sobre o déficit habitacional é anterior à pandemia de Covid-19, que agravou a situação de muitas famílias devido à perda de emprego e renda. A empresa de investimentos e gestão TCP Partners divulgou no ano passado uma estimativa de que a crise sanitária pode ter impulsionado a falta de moradias para 6,1 milhões.
O setor da construção esperava uma verba de R$ 780 milhões para o programa no ano que vem, valor próximo ao reservado inicialmente para 2022. O tamanho do corte assustou as empresas e trouxe insegurança.
"Isso é uma loucura, porque [o governo] contrata e [a empresa] vai entregar lá na frente. E o pessoal que está construindo agora já sofreu com aumento de custos, estão tendo de absorver custo para cumprir o contrato", critica o presidente da Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), José Carlos Martins.
Segundo ele, a interrupção das obras tem potencial para ampliar os prejuízos das construtoras, pois elas compram materiais e insumos em grandes quantidades, muitas vezes em volume suficiente para toda a obra, para conseguir barganhar preços. A interrupção dos contratos pode gerar um desequilíbrio no fluxo de caixa desses empreendimentos.
"São obras que foram retomadas após um período de falta de pagamento. Essa insegurança é muito nefasta", afirma Martins.
O corte no programa Casa Verde e Amarela é consequência do menor espaço para despesas discricionárias na proposta de Orçamento para 2023. Esses gastos sustentam o funcionamento da máquina pública e bancam investimentos, como a construção de casas.
Na direção oposta, o governo carimbou R$ 19,4 bilhões para as emendas de relator, usadas como moeda de troca nas negociações com o Congresso Nacional e que costumam privilegiar aliados do Palácio do Planalto. Bolsonaro podia ter vetado o dispositivo da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) que obriga a constituir essa reserva, mas decidiu sancionar para evitar se indispor com políticos do centrão.
Técnicos da equipe econômica argumentam que deputados e senadores podem usar as emendas para desafogar áreas comprometidas pelos cortes. Mas a experiência dos últimos anos mostra que parlamentares agraciados com a verba costumam direcioná-la para ações em seus redutos eleitorais.
O setor da construção deve se mobilizar para tentar ampliar a verba do programa habitacional, por meio de emendas ou outro instrumento. "Não é possível que não tenham sensibilidade para recompor", afirma Martins.
Ainda que a investida seja bem-sucedida, o vaivém de recursos é prejudicial para o planejamento da política habitacional, diz Evaniza Rodrigues.
Longe dos grandes anúncios de contratação de novas unidades na era petista, a verba para a construção de casas vem minguando desde 2016.