Mantega renuncia à equipe de transição de Lula e acusa adversários de causarem tumulto
Na carta de renúncia enviada ao vice-presidente eleito, o ex-ministro classifica a decisão do TCU que o afastou da vida pública como injusta.
© Ueslei Marcelino/Reuters
Economia GUIDO-MANTEGA
MÔNICA BERGAMO (FOLHAPRESS) - O ex-ministro Guido Mantega comunicou nesta quinta-feira (17) sua renúncia à equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em carta endereçada ao vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB), que comanda os trabalhos, o ex-titular da Fazenda apontou a intenção de adversários em "tumultuar" e "criar dificuldades para o novo governo" como uma das razões para o seu afastamento.
Mantega foi anunciado na semana passada como integrante do grupo técnico responsável pelo planejamento, orçamento e gestão na equipe de transição.
Por estar inabilitado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) a exercer cargo em comissão ou função de confiança na administração pública federal por punição envolvendo o caso das pedaladas fiscais, no entanto, sua participação se daria de forma voluntária.
Mesmo assim, a polêmica foi instalada. O Partido Novo anunciou que iria à Justiça contra a participação, e integrantes do TCU, especialmente os ligados a Jair Bolsonaro, fizeram pressão contra a indicação.
A condenação no Tribunal de Contas da União não era o único ruído: Guido foi o ministro da Fazenda mais longevo da história, assumindo a pasta em março de 2006, no governo Lula, e nela permanecendo até 2014, no governo Dilma Rousseff (PT).
Sua presença na equipe de transição simbolizava o período em que ditou as normas e adotou uma política desenvolvimentista que teve como resultado taxas altas de crescimento econômico e queda acentuada no desemprego.
A imagem, contudo, desgastou-se pelo forte declínio posterior na economia. E hoje Guido sofre forte resistência de setores do mercado financeiro.
Na transição, o ex-ministro fez gestões e chegou a procurar o Banco Interamericano de Desenvolvimento para tentar barrar (em vão) a indicação do economista e ex-presidente do Banco Central Ilan Goldfajn para a instituição. Ele foi indicado por Bolsonaro.
Na carta de renúncia enviada ao vice-presidente eleito, o ex-ministro classifica a decisão do TCU que o afastou da vida pública como injusta.
"Em face de um procedimento administrativo do TCU, que me responsabilizou indevidamente, enquanto ministro da Fazenda, por praticar a suposta postergação de despesas no ano de 2014, as chamadas pedaladas fiscais, aceitei trabalhar na equipe como colaborador não remunerado, sem cargo público, para não contrariar a decisão que me impedia de exercer funções públicas por oito anos", diz ele.
"Mesmo assim essa minha condição estava sendo explorada pelos adversários, interessados em tumultuar a transição e criar dificuldades para o novo governo", segue.
Mantega finaliza o documento afirmando que aguarda a suspensão dos atos praticados pelo TCU por meio de decisão judicial. "Estou confiante de que a Justiça vai reparar esse equívoco, que manchou minha reputação", afirma o ex-ministro.
Em setembro de 2016, Mantega foi detido temporariamente pela Operação Lava Jato sob acusação de solicitar ao empresário Eike Batista o repasse de R$ 5 milhões ao PT para pagar dívidas de campanha.
Ele se apresentou à Polícia Federal na porta do hospital onde acompanhava a cirurgia da mulher, que fazia tratamento contra um câncer. No mesmo dia, o então juiz Sergio Moro, hoje ex-ministro da Justiça e senador eleito pelo União Brasil, revogou a prisão por considerar que o ex-ministro não oferecia risco à investigação da Lava Jato. Na época, petistas chamaram a operação de desumana.
No ano passado, a Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) confirmou a decisão de 2019 do ministro Gilmar Mendes que retirou da Lava Jato de Curitiba uma ação penal contra Guida Mantega.
Também foi mantido o ponto da decisão que derrubou a imposição do uso de tornozeleira eletrônica por ele. Os ministros Kassio Nunes Marques e Ricardo Lewandowski acompanharam Gilmar, enquanto Edson Fachin e Cármen Lúcia divergiram.
Em 2016, Mantega perdeu o direito de assumir função pública por cinco anos. Ele também foi multado em R$ 54.820,84. Um acórdão de 2018 ampliou a sanção para oito anos, prazo que começou a contar a partir de 25 de fevereiro de 2022, quando o processo transitou em julgado.
Com isso, o ex-ministro estaria inabilitado para exercer cargo em comissão ou função de confiança na administração pública até 25 de fevereiro de 2030.
Leia, abaixo, a íntegra de carta enviada por Mantega a Alckmin:
*
São Paulo, 17 de novembro de 2022.
Prezado Vice-presidente
Geraldo Alckmin
Coordenador Geral da Equipe de Transição
Aceitei com alegria o convite para participar do Grupo de Transição, na certeza de poder dar uma contribuição para a implantação do governo democrático do presidente Lula.
Entretanto, em face de um procedimento administrativo do TCU, que me responsabilizou indevidamente, enquanto ministro da Fazenda, por praticar a suposta postergação de despesas no ano de 2014, as chamadas pedaladas fiscais, aceitei trabalhar na Equipe como colaborador não remunerado, sem cargo público, para não contrariar a decisão que me impedia de exercer funções públicas por 8 anos.
Mesmo assim essa minha condição estava sendo explorada pelos adversários, interessados em tumultuar a transição e criar dificuldades para o novo governo.
Diante disso, resolvi solicitar meu afastamento da Equipe de Transição, no aguardo de decisão judicial que irá suspender os atos do TCU que me afastaram da vida pública. Estou confiante de que a justiça vai reparar esse equívoco, que manchou minha reputação.
Agradecendo a confiança,
Atenciosamente,
Guido Mantega