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Série da Netflix sobre Madoff investe na história errada

O que faz a série documental da Netflix sobre sua história é, no mínimo, um investimento ruim.

Série da Netflix sobre Madoff investe na história errada
Notícias ao Minuto Brasil

19:40 - 17/02/23 por Folhapress

Cultura SÉRIE-CRÍTICA

FERNANDA PERRIN (FOLHAPRESS) - O que Bernie Madoff fez com suas vítimas foi um golpe. O que faz a série documental da Netflix sobre sua história é, no mínimo, um investimento ruim.

O maior esquema de pirâmide que se tem registro na história, operado por uma das figuras mais respeitadas de Wall Street, é, realmente, impressionante -tão impressionante que já foi contado diversas vezes ("O Mago das Mentiras", "Madoff" e "Chasing Madoff", para citar apenas os primeiros resultados de pesquisa do IMDb).

Para tentar se destacar na multidão, a aposta do diretor Joe Berlinger, que tem no currículo obras sobre assassinos, é retratar Madoff como uma espécie de serial killer financeiro, "o monstro de Wall Street", como titulou sua obra originalmente.

Assim, no primeiro episódio, somos apresentados à história de origem desse vilão, não muito mais complexa do que as contadas pela Marvel: um menino ambicioso e inteligente nascido em uma família de vida financeira instável, chefiada por um pai fracassado.

Munido dessa profunda leitura psicológica, Berlinger conduz os três capítulos seguintes da história. São incontáveis as vezes em que algum dos entrevistados caracteriza Madoff como um sociopata ou alguma variação disso.

Mas caso você, espectador, ainda assim não tenha conseguido entender a tese, encenações em câmera lenta de um Madoff fumando charutos (um retrato inédito de um figurão de Wall Street) ou encarando a câmera com um sorriso maroto são repetidas, de novo e de novo.

É um artifício que talvez funcione bem em dramatizações de assassinato, mas não tanto para falsificação de extratos de investimentos bancários em impressoras matriciais dos anos 1980.

Mesmo alguns dos acertos do documentário acabam sendo erros. As fontes ouvidas, como Diana B. Henriques, autora do livro "O Mago das Mentiras", e Harry Markopolos, que tentou denunciar Madoff por anos, são excelentes. Tão boas que já inspiraram um filme da HBO e um documentário próprio, respectivamente.

Os trechos do depoimentos de Madoff após ser preso também são um ponto positivo da série, mas são tão pouco utilizados (em comparação aos do ator de peruca fumando charuto) que parece um desperdício de material.

Para quem não conhece a história de Madoff e nunca teve contato com nada produzido sobre ela, parte desses problemas até viram um trunfo: a série é realmente didática -apesar de um esquema de pirâmide não ter um funcionamento tão complicado assim– e consegue não ser enfadonha ao explicar os meandros do mercado financeiro.

A falha realmente imperdoável do documentário é perceber que ele errou a história a ser contada. Superada toda a psicologia barata, Berlinger chega ao ponto quando trata da responsabilidade das agências reguladoras, das demais instituições financeiras e da própria dinâmica de Wall Street para que Madoff conseguisse chegar onde chegou.

Quando a série finalmente começa a abordar esse sistema, deixando um pouco de lado o vilão cartunesco, você percebe a oportunidade perdida por Berlinger. Ele investiu na narrativa errada.

Como Madoff conseguiu operar por tantos anos? Como a SEC (a Comissão de Valores Mobiliários americana) chegou tão perto de pegá-lo, mais de uma vez, e ainda assim deixou-o escapar? Como uma conta bancária que sustentou uma pirâmide de mais de US$ 60 bilhões não chamou a atenção do JPMorgan? Por que a legislação permite que parte das vítimas da fraude sejam, elas próprias, as responsáveis por restituir a outra parte?

São perguntas difíceis que o documentário faz, mas responde mal. Fosse esse o enfoque desde o início, o resultado poderia ser diferente. E relevante.

Por mais que a história de Madoff em si impressione, ela não é única. Desde sua derrocada, em 2008, pego pela crise financeira mundial, os escândalos envolvendo fraudes bilionárias se avolumam.

No Brasil, por exemplo, os R$ 20 bilhões em "inconsistências contábeis" da Americanas são o tema da vez. As respostas para entender como foi possível que uma das maiores varejistas do país, supostamente fiscalizada por todos os "guardiões do mercado", chegasse a esse ponto, não devem estar tão longe das mesmas que explicam Madoff.

Pelo menos os perdedores sabemos que elas têm em comum: o pequeno investidor.

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