Queda antecipada dos juros começa a ganhar força no mercado
A percepção de que o governo compreendeu que é preciso criar as condições necessárias para que as taxas de juros caiam, tem contribuído para o alívio nos juros futuros
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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Nos últimos dias, a aposta dos agentes financeiros quanto a uma possível antecipação no início do corte de juros pelo BC (Banco Central) parece ter começado a ganhar força.
Uma expectativa positiva em relação ao novo arcabouço fiscal em gestação no Ministério da Fazenda e sinalizações de uma desaceleração da economia, na esteira de uma possível crise no mercado de crédito, são apontadas por especialistas entre as razões que podem ajudar a explicar a mudança na percepção dos investidores sobre a condução da política monetária.
No mercado de juros futuros, que embute as expectativas dos investidores sobre o patamar da Selic, atualmente em 13,75% ao ano, as taxas vêm em trajetória de queda desde o final de fevereiro.
O contrato de juro com vencimento em janeiro de 2024 era negociado nesta quarta-feira (8) a 13,12%, em comparação ao patamar de 13,37% no fechamento de fevereiro, enquanto o título para 2027 cedeu de 12,74% para 12,58% no mesmo intervalo.
A percepção de que o governo, na figura do ministro Fernando Haddad, compreendeu que é preciso criar as condições necessárias para que as taxas de juros caiam, seja a Selic, seja a curva de juros, tem contribuído para o alívio nos juros futuros, diz Silvio Campos Neto, economista-sênior da consultoria Tendências.
Ele lembra que a Fazenda antecipou para o mês de março o anúncio do novo arcabouço fiscal, respondendo aos anseios do mercado quanto a uma definição o quanto antes a respeito das novas regras fiscais do país.
"Ainda há uma grande incerteza em relação ao desenho da proposta, mas o mercado está dando o benefício da dúvida ao governo", afirma Campos Neto, acrescentando que percebe que tem crescido entre os agentes financeiros a expectativa quanto a apresentação de uma proposta que seja considerada crível, com algum tipo de trava para controlar os gastos.
Na segunda, Haddad afirmou que fechou com sua equipe a proposta para o conjunto de regras que substituirá o atual teto de gastos. Segundo ele, o formato será agora apresentado aos demais membros da área econômica do governo e ao presidente Lula.
Segundo o economista da Tendências, que não tem nenhum parentesco com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, o ambiente mais benigno dos últimos dias levou a consultoria a rever nesta semana de novembro para agosto a previsão para o início do corte de juros, com a Selic encerrando o ano em 12,5%, ante a estimativa anterior de 13%.
Economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale acrescenta que os sinais de uma desaceleração da economia, já notados pelos dados da Pnad Contínua referentes ao mercado de trabalho desde o final do ano passado, e reforçados pelo caso Americanas e pelo potencial impacto negativo para o mercado de crédito, também contribuem para uma queda dos juros projetados à frente.
"O cenário de desaceleração da atividade se consolidando, com sinais de que podemos ter um PIB mais fraco do que se imaginava, abre espaço para o mercado acreditar que podemos começar a ter uma queda de juros um pouco antes do que o previsto", afirma Vale.
Com a perspectiva de uma economia em desaceleração ganhando força no mercado, com consequentes reflexos para a pressão inflacionária, no boletim Focus, a projeção dos economistas consultados pelo BC para a inflação medida pelo IPCA ficou estável nesta semana, em 5,90%, depois de 11 altas consecutivas -em 9 de dezembro, antes do início das revisões para cima, a estimativa para a inflação deste ano estava em 5,08%.
Já a expectativa para a Selic, que estava em 11,25% no final de outubro, se manteve estável no patamar de 12,75% pela terceira semana consecutiva.
O economista-chefe da MB Associados também afirma que o trabalho do Ministério da Fazenda tem sido avaliado de maneira positiva pelo mercado. A reoneração dos combustíveis, afirma Vale, foi interpretada pelos agentes financeiros como uma vitória da equipe econômica.
A MB Associados trabalha com o início do corte da Selic no terceiro trimestre, com a taxa encerrando o ano a 12,25%. Vale afirma, contudo, que, a se confirmar a desaceleração da atividade, e a apresentação de um arcabouço fiscal de qualidade, é possível que o corte dos juros seja antecipado para meados do segundo trimestre.
Já para Luciano Rostagno, estrategista-chefe do Banco Mizuho para América Latina, declarações recentes do ministro da Fazenda de que estaria discutindo junto com Lula, e com Roberto Campos Neto, os novos nomes para ocupar as vagas em aberto na diretoria da autarquia, também podem ter contribuído para acalmar os ânimos do mercado.
"O mercado pode estar enxergando nessa participação do Campos Neto na seleção dos candidatos uma redução no risco de uma escolha de diretores com perfil heterodoxo, já que está tendo uma pressão política grande para o BC cortar os juros", afirma o especialista.
Ao longo das últimas semanas, críticas reiteradas do presidente Lula a Campos Neto e ao patamar dos juros praticados no país acenderam um alerta sobre eventuais tentativas de interferência do governo na autonomia do BC, lembra o estrategista.
Rostagno acrescenta que a própria trégua aparente do mandatário petista, que reduziu o tom das críticas à autoridade monetária mais recentemente, também pode ter ajudado a acalmar os mercados.
De toda forma, apesar da descompressão recente nos juros, Rostagno diz que o cenário-base com o qual trabalha se mantém inalterado por enquanto. Ele prevê que o BC deve dar início a um processo de corte na taxa de juros apenas no quarto trimestre, com a Selic encerrando o ano em 12,75%. "Continuamos vendo um cenário desafiador para a inflação, com os núcleos e a inflação de serviços ainda resilientes."
Campos Neto, da Tendências, também diz que, apesar da aparente melhora no humor dos mercados, ainda há uma série de incertezas no horizonte que necessita ser acompanhado de perto. "O quadro inflacionário não está totalmente equacionado e o mercado vai ficar atento em relação à possibilidade de o governo retomar a política de crédito subsidiado. Ainda é um ambiente um tanto quanto complexo", diz o economista.