Manobra no arcabouço vai facilitar gasto extra também em 2025
Hoje, o artigo 14 diz que, se a arrecadação efetivamente observada no exercício de 2024 for menor do que o estimado na avaliação do segundo bimestre, a diferença correspondente no valor do crédito deverá ser subtraída da base de cálculo do limite de 2025
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Economia ARCABOUÇO-FISCAL
(FOLHAPRESS) - A manobra no arcabouço fiscal para liberar R$ 15,7 bilhões de forma imediata para o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2024 vai facilitar a abertura de um espaço extra no Orçamento também em 2025.
A redação do projeto permite ao presidente derrubar um obstáculo que poderia impedir a inclusão do crédito adicional na base de cálculo do limite de despesas do próximo ano
Na prática, a mudança dá ao governo plenas condições de garantir, desde já, que todo esse espaço não só continuará disponível em 2025, mas também será corrigido pelo mecanismo da regra fiscal (reposição da inflação mais alta real de até 2,5%).
O ajuste na redação do texto legal parece um mero detalhe técnico, mas é de suma importância para o Executivo –inclusive para bancar as reestruturações em negociação com servidores. Por isso, foi intencionalmente incluído nas articulações com a Câmara dos Deputados.
O texto atual da Lei Complementar 200, que criou o arcabouço fiscal, prevê em seu artigo 14 a possibilidade de abrir o crédito suplementar em 2024 caso a avaliação das receitas seja favorável no relatório do Orçamento do segundo bimestre, a ser divulgado no dia 22 de maio.
Como revelou a Folha de S.Paulo, o gatilho foi antecipado para o relatório do primeiro bimestre, anunciado em 22 de março, uma forma de liberar logo o crédito exigindo requisitos sabidamente já atendidos. Mas essa não foi a única mudança.
Hoje, o artigo 14 diz que, se a arrecadação efetivamente observada no exercício de 2024 for menor do que o estimado na avaliação do segundo bimestre, a diferença correspondente no valor do crédito deverá ser subtraída da base de cálculo do limite de 2025.
Em outras palavras, se ficar comprovado que o governo foi otimista demais na projeção de arrecadação para poder gastar mais, ele não poderá carregar todo esse ganho para o ano que vem –uma espécie de penalidade.
Há um outro detalhe importante: essa previsão foi incluída no corpo do mesmo artigo que prevê o crédito suplementar, deixando o dispositivo com um total de 163 palavras. Trata-se de uma estratégia para impedir o veto presidencial, já que derrubar o trecho significaria perder também a folga no Orçamento.
O projeto aprovado pela Câmara faz uma mudança sutil, mas com impactos significativos. Em vez de manter a penalidade no corpo do artigo 14, a proposta desmembrou o dispositivo em um "parágrafo único".
Agora sim, o desconto na base de cálculo de 2025 poderá ser vetado por Lula sem qualquer risco de prejuízo à intenção de gastar mais.
Segundo técnicos do governo ouvidos pela reportagem, o veto já está no radar do governo, caso o projeto seja validado também pelo Senado.
A derrubada da penalidade é crucial inclusive para garantir espaço no Orçamento de 2025 para acomodar as reestruturações de carreiras que estão sendo negociadas pela ministra Esther Dweck (Gestão e Inovação) em meio a greves e paralisações.
O governo acenou com o aumento de benefícios em um primeiro momento, mas há propostas de reajustes entrando em vigor no ano que vem. Sem essa folga, as negociações ficarão comprometidas.
Uma primeira versão do relatório do deputado Rubens Pereira Junior (PT-MA), que é vice-líder do governo na Câmara, já excluía de vez o trecho que impõe a penalidade sobre as despesas em caso de excesso de otimismo na projeção da arrecadação.
Técnicos afirmam que o governo defendia essa versão e ficou contrariado com a reinclusão do dispositivo no parecer. Diante dos sinais de desaceleração das receitas em 2024, há o risco real de que essa punição seja aplicada, tirando espaço fiscal de Lula no próximo ano.
O trecho foi retomado após a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), vice-líder da minoria na Câmara, reclamar da mudança. O relator e o PT concordaram em resgatá-lo, mas sob a forma do parágrafo único –que facilita o veto.
O veto à penalidade já está em discussão dentro do Executivo. O argumento dos técnicos é que parte do crédito adicional deste ano ajudará a bancar despesas obrigatórias, que continuarão existindo em 2025.
Outra opção seria derrubar o parágrafo durante a votação no Senado. No entanto, pesa contra essa via o fato de que o projeto teria de passar por nova apreciação no plenário da Câmara, adiando a liberação da verba.
A antecipação do crédito vai ajudar a resolver o impasse em torno dos R$ 5,6 bilhões em emendas parlamentares que foram vetadas por Lula. O Congresso cobra a liberação, e o governo sabe que não deve conseguir votos suficientes para barrar a derrubada do veto.
A mudança também ajuda o Executivo a reverter o bloqueio de R$ 2,9 bilhões sobre despesas de custeio e investimentos anunciado em março, além de acomodar pressões adicionais pela recomposição de recursos em políticas como Auxílio Gás e bancar as reestruturações.
O governo já vinha dando sinais de que conta com a manutenção integral do espaço extra nos próximos anos, sem qualquer desconto ou penalidade.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, em meio ao debate sobre a distribuição de dividendos da Petrobras, a expectativa de ingresso desses recursos no caixa da União ajudaria a garantir um espaço fiscal adicional de cerca de R$ 50 bilhões até o final do governo.
A cifra considera a manutenção do crédito de R$ 15,7 bilhões nos três anos: 2024, 2025 e 2026. Há ainda um adicional explicado pelo efeito da correção do limite de despesas.
Por outro lado, o desejo de garantir esse espaço dificulta ainda mais o cenário para a meta fiscal. Com mais despesas sem cobertura pelo lado da arrecadação, a equação acaba reforçando a tendência de déficit zero como alvo também no ano que vem.
Trata-se de uma piora em relação ao superávit de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) sinalizado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) na criação do arcabouço.
A preocupação do governo em assegurar a folga extra para o futuro expõe ainda a pressão fiscal enfrentada pelo Executivo diante do crescimento das despesas obrigatórias e das resistências da ala política em avançar na agenda de revisão de gastos.
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