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Governo Lula recorre a manobras para ampliar gastos na reta final de 2024

O Executivo defende a legalidade das medidas, mas técnicos do próprio governo, ouvidos sob condição de anonimato, avaliam que, no conjunto, as iniciativas podem gerar ruído adicional no momento em que a credibilidade da política fiscal já está em xeque.

Governo Lula recorre a manobras para ampliar gastos na reta final de 2024
Notícias ao Minuto Brasil

07:59 - 04/01/25 por Folhapress

Economia GOVERNO-GASTOS

IDIANA TOMAZELLI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recorreu a manobras para ampliar gastos na reta final de 2024, com liberação de recursos fora das regras fiscais, adiamento de repasses e transferências de recursos fora do Orçamento para financiar políticas públicas.

 

O Executivo defende a legalidade das medidas, mas técnicos do próprio governo, ouvidos sob condição de anonimato, avaliam que, no conjunto, as iniciativas podem gerar ruído adicional no momento em que a credibilidade da política fiscal já está em xeque.

O mais recente dos expedientes permitiu à União injetar R$ 6,5 bilhões em um fundo privado para bancar novas ações de reconstrução no Rio Grande do Sul, atingido por enchentes severas.

As obras serão executadas nos próximos anos, mas o governo editou, em 11 e 23 de dezembro, duas MPs (medidas provisórias) para liberar os recursos de forma imediata. O objetivo era garantir o repasse ainda sob a vigência do estado de calamidade pública, que autoriza a exclusão desses gastos das regras fiscais.

Sem a manobra, as despesas precisariam disputar espaço com outras políticas dentro dos limites do arcabouço fiscal de 2025 em diante. Elas também pesariam sobre o resultado primário (diferença entre receitas e despesas, excluído o serviço da dívida pública) que conta para a meta fiscal.

Segundo um técnico da área econômica, o Ministério da Fazenda demonstrou pouca resistência à MP, apesar de alertas internos. Mesmo fora das regras, o gasto extra contribui para elevar a dívida pública, cuja trajetória ascendente é motivo de preocupação entre agentes econômicos.

Técnicos que se colocaram contra a MP temem que a medida reforce a percepção de que o governo tem "espírito gastador", apesar das promessas de ajuste nas contas feitas sob verniz fiscalista.

Procurados, os ministérios da Fazenda e do Planejamento não se manifestaram.

A Casa Civil disse que o instrumento "confere previsibilidade e segurança jurídica para a realização dos investimentos já definidos, de natureza plurianual, para enfrentar a calamidade pública no estado do Rio Grande do Sul".
Segundo o órgão, os recursos serão aplicados em obras aprovadas pelo comitê gestor do fundo, formado por Casa Civil, Fazenda e Ministério das Cidades.

A pasta disse ainda que "fundos privados são utilizados há mais de 20 anos como instrumento para execução de políticas públicas em diversas áreas".

O governo também adotou outras manobras para ampliar despesas ou evitar a necessidade de conter gastos na reta final do ano.

Em uma delas, o Executivo adiou repasses de incentivo à cultura previstos na Lei Aldir Blanc. A decisão evitou um bloqueio maior no Orçamento de 2024 para compensar o crescimento de despesas obrigatórias, como benefícios previdenciários.

A cronologia dos ajustes chamou a atenção de técnicos da área econômica. Parte do repasse original de R$ 3 bilhões foi subtraído das estimativas oficiais de gastos já em 20 de setembro, no relatório de avaliação do Orçamento relativo ao quarto bimestre, sob o argumento de que havia "restrições impostas pela legislação eleitoral". Na ocasião, a decisão ajudou a abrir caminho à liberação de R$ 1,7 bilhão que estava bloqueado.

O relatório, porém, deve refletir a projeção da despesa em todo o exercício, e a Lei Aldir Blanc vigente à época ainda determinava a execução integral dos R$ 3 bilhões. Ou seja, eles precisariam ser empenhados (primeira fase do gasto, quando é feita a reserva de recursos para futuro pagamento), mesmo que depois da eleição. Apenas em 22 de novembro, dois meses depois, o presidente Lula editou uma MP para livrar o governo dessa obrigação.

A confusão foi tamanha que o relatório de novembro apontava um aumento nos gastos com a Aldir Blanc para efeitos do limite de gastos -era a devolução de parte do valor que já havia sido cortado antes, sem alarde e sem mudança legal. Uma semana depois, o governo ainda decidiu publicar um relatório surpresa para cortar de vez aquilo que havia acabado de devolver.

Técnicos experientes relatam, nos bastidores, dúvidas sobre a regularidade da operação no relatório de setembro, sem o respaldo da MP. A ala defensora da medida, por sua vez, argumenta que, além das restrições eleitorais, o documento refletia uma projeção de despesas do governo.

Fazenda e Planejamento não prestaram os esclarecimentos solicitados pela reportagem. O Ministério da Cultura disse que a legislação eleitoral "reduziu a capacidade de execução financeira" de estados e municípios, que ficaram com valores represados. Por isso, o governo federal optou por diluir os novos repasses.

Em outro caso, a equipe econômica recorreu a recursos parados em fundos públicos para abastecer o programa Pé-de-Meia, que paga bolsas para permanência dos alunos no ensino médio. A operação, feita fora do Orçamento, está na mira do TCU (Tribunal de Contas da União).

O governo transferiu R$ 6 bilhões do Fgeduc (Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo), e uma lei sancionada no fim de dezembro autoriza a realocação de outros R$ 4 bilhões do FGO (Fundo de Garantia de Operações), usado como fiador de empresas e famílias na tomada de empréstimos. Em vez de retornarem ao caixa do Tesouro Nacional, os recursos serão agora usados para ampliar despesas.

Fazenda e Planejamento também não se manifestaram sobre o tema. O MEC (Ministério da Educação) disse que "todos os aportes feitos para o programa Pé-de-Meia foram aprovados pelo Congresso Nacional e cumpriram as normas orçamentárias vigentes".

A AudTCU (Associação de Auditoria de Controle Externo do TCU) também fez alerta recente de que a proliferação de ICTs (Instituição de Ciência, Tecnologia e Inovação) pode promover um "estrago fiscal" ao abrir brechas para gastos fora das regras. Sob esse selo, órgãos podem fazer parcerias com outras instituições, públicas ou privadas, e buscar financiamento para projetos específicos sem esbarrar nas amarras do Orçamento.

A AGU (Advocacia-Geral da União) anunciou sua habilitação como ICT no mês de dezembro, mas outros órgãos também já obtiveram reconhecimento semelhante -são cerca de 200, segundo a própria AGU.

O órgão disse à reportagem que a medida é estratégica e "não há qualquer burla ao ajuste fiscal", pois os recursos financeiros envolvidos, públicos ou privados, deverão ser destinados especificamente ao projeto de pesquisa e "costumam ser irrisórios frente ao orçamento público da instituição".

O economista-chefe da ARX, Gabriel Leal de Barros, afirmou que a sequência de manobras no apagar das luzes de 2024 acaba minando os esforços da equipe econômica de tentar dar credibilidade ao ajuste –por exemplo, por meio do pacote de contenção de gastos.

Em sua visão, o período atual se assemelha à origem da chamada nova matriz econômica, política de expansão fiscal implementada durante o governo Dilma Rousseff (PT) para impulsionar o crescimento.

"Começou assim, com pequenas brechas que à primeira vista não pareciam graves, mas foram várias, e o governo, quando viu conveniência e oportunidade, usou. Agora, vemos o governo buscando alternativas para poder acionar se e quando a economia desacelerar", afirmou Barros.

Segundo ele, a consequência na época foi o aumento da incerteza e da percepção de risco, sintomas que já começam a surgir agora. "O governo está trabalhando arduamente para alimentar essa desconfiança, em vez de entregar algo concreto", criticou.

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