Rebaixamento do Brasil é responsabilidade coletiva, diz economista
Uma eventual piora da Bolsa ou do dólar, diz Mario Mesquita, poderia ajudar a convencer parlamentares a aprovar a reforma da Previdência
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Economia Entrevista
O rebaixamento da nota de crédito do Brasil pela agência S&P na semana passada ocorreu por dificuldades no avanço do ajuste fiscal, e a responsabilidade por isso é coletiva, afirma o economista-chefe do Itaú Unibanco e ex-diretor do Banco Central, Mario Mesquita.
Uma eventual piora da Bolsa ou do dólar, diz, poderia ajudar a convencer parlamentares a aprovar a reforma da Previdência. O mais provável, porém, é que ela fique mesmo para depois das eleições.
O que muda com o rebaixamento do Brasil?
Poderia haver uma piora importante dos preços de ativos, queda da Bolsa e alta do dólar. Mas o cenário global benigno tem mitigado reações mais fortes dos ativos ao noticiário local.
A medida surpreendeu?
Dada a dificuldade em aprovar a reforma da Previdência, era esperada, ainda que com um timing incerto. É possível que a agência tenha preferido agir agora, visando não ter exposição excessiva durante o período eleitoral.
Pode influenciar a votação da reforma da Previdência?
Uma piora importante dos preços de ativos poderia, de certa forma, ajudar o governo no seu esforço de convencimento dos parlamentares.
Houve complacência do mercado com o governo?
Não vejo assim. É importante lembrar que o governo foi capaz de aprovar reformas estruturais importantes, como a trabalhista e a nova TLP [juro de empréstimos do BNDES].
Onde o governo Temer errou?
O rebaixamento é resultado da dificuldade no avanço do ajuste fiscal, que não se viabiliza sem a Previdência. O governo foi prejudicado pela falta de apoio no Congresso para a aprovação da reforma. O rebaixamento é resultado de responsabilidade coletiva.
A Previdência sai neste ano?
Não. As chances são menores do que 50%.
A aprovação pós-eleições não teria mais legitimidade?
Se fosse preciso ter chancela eleitoral, não deveríamos ter passado nenhuma reforma. A legitimidade está no Congresso, que foi eleito.
O teto de gasto será cumprido?
Temos três regras fiscais: o primário [resultado das contas excluídos os juros], a regra de ouro [impede a União de captar recursos em volume superior a investimentos] e o teto da dívida. Há dúvida sobre o cumprimento de todas, o que ressalta a severidade da crise fiscal. O governo vai precisar economizar R$ 30 bilhões para cumprir o teto em 2019.
A reforma da Previdência ajudaria?
Do jeito que ela está desenhada hoje, geraria economia de R$ 15 bilhões já a partir de 2019 se fosse aprovada neste ano. O governo teria que buscar outros R$ 15 bilhões em medidas como a reoneração da folha de salários ou mudanças no abono salarial.
Ou seja, sem reforma neste ano, não seria possível cumprir o teto?
Só a reforma não resolve e sem ela fica muito mais difícil.
A regra de ouro será revista?
Criar uma espécie de waiver [renúncia] da regra com contrapartidas talvez seja inevitável. O meu temor é que as contrapartidas sejam diluídas. Com a devolução dos recursos do BNDES ao Tesouro, não deve haver problemas com a regra em 2018, mas 2019 pode ser mais complicado.
A inflação se mantém baixa?
Um pouco abaixo de 4% neste ano. Mais adiante, só com consolidação fiscal. Sem isso, a dívida pública segue trajetória insustentável e, em algum momento, investidores tendem a ir para outros ativos, como imóveis e dólar. Uma fuga para o dólar, como em 2002, pressionaria a inflação.
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E o juro?
Há espaço para mais dois cortes na taxa Selic, chegando a 6,25%.
Quando o juro volta a subir?
A partir do segundo trimestre de 2019, para perto de 8%. Seria a consolidação do novo ambiente: terminar o próximo ciclo de alta de juro abaixo de 10%. A reforma da Previdência em 2019 viabiliza essa trajetória. Sem ela, no mais tardar, no primeiro semestre de 2019, haverá combinação mais adversa de inflação e juro.
E o endividamento público?
Neste e no próximo ano, com crescimento econômico, queda de juros e pagamento do BNDES para o Tesouro, o ritmo de expansão da dívida pública vai desacelerar. A gente pode ter uma calmaria enganosa em 2018.
O BNDES vai deixar de ser indutor da economia?
O BNDES é uma fonte, não precisa ser a única. Uma transição para uma economia em que o Estado tem um papel de menor protagonismo e o setor privado é mais efetivo na liderança seria benéfica.
Mesmo sendo um país tão desigual?
O Estado emprestar recursos por meio de instituições financeiras para algumas das famílias mais ricas do país não pode ser considerado política redistributiva. Não defendo o Estado mínimo. Mas teve ano em que governo gastou mais subsidiando consumo de energia à classe média do que com o Bolsa Família. Faz sentido social? Não parece fazer.
Qual a projeção para o PIB?
Slta de 3% neste ano e de 3,7% no ano que vem. Mas há incerteza sobre a continuidade da política econômica.
E o eleitor nesse ambiente?
A sensação de bem-estar econômico, sozinha, não define o cenário eleitoral. Favorece um voto de continuidade, mas a economia não será tão decisiva quanto foi em 2010, com crescimento de 7,5%.
O eleitor vai votar com os anos de 'boom' na cabeça?
Pode ser que pinte um saudosismo. Há quem fale que tem um candidato que suscita saudosismo de 10 anos atrás, e outro, de 40 anos atrás. Acho que a tendência da memória não é tão longínqua. Em outros países, como os EUA, o período de seis meses antes das eleições é mais relevante.
O que não deve faltar nas propostas dos candidatos?
Compromisso com o ajuste e a Previdência. Como é um tema visto como antipático pela população, não me surpreenderia se os candidatos fizessem um acordo tácito de não ficar falando sobre ela. Mas as equipes precisam ter compromisso com isso.
O mercado reedita a aversão a Lula de 2002, mas ele é um político pragmático, não?
O mercado é pragmático. Vai olhar não só a personalidade do candidato mas também o entorno dele e a capacidade de articular com o Congresso. A melhor ideia do mundo com o apoio de dez deputados não funciona. Grande apoio com falta de clareza sobre o ajuste também não.A margem para erro e experimentação foi totalmente consumida no governo anterior. Saindo de uma dívida pública de 75% do PIB, se o novo governo entrar errando, a chance de piorar de forma mais aguda será grande. Com informações da Folhapress.