Estádio do Flamengo desafia mobilidade do Rio de Janeiro, dizem urbanistas
O Flamengo deve confirmar a compra do terreno do Gasômetro, em São Cristóvão, por meio de leilão
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RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O projeto do Flamengo de construir um estádio no centro do Rio de Janeiro impõe desafios ao funcionamento da cidade e de toda a região metropolitana, especialmente na mobilidade, afirmam técnicos em urbanismo.
O Flamengo deve confirmar a compra do terreno do Gasômetro, em São Cristóvão, por meio de leilão. O clube planeja o início das obras no primeiro semestre de 2025.
O terreno, administrado pelo Fundo de Investimento Imobiliário da Caixa Econômica Federal, foi desapropriado pelo prefeito Eduardo Paes (PSD) em decreto publicado no Diário Oficial do município na segunda-feira (24).
A previsão do clube e da prefeitura é que o edital seja publicado até o fim de julho e que a compra seja confirmada até setembro.
O principal problema apontado é de tráfego. O terreno a ser adquirido pelo clube carioca fica ao lado da rodoviária do Rio de Janeiro e no encontro entre as principais vias do Rio: avenida Brasil, Linha Vermelha e ponte Rio-Niterói.
Essas vias conectam a capital aos municípios da Baixada Fluminense, a Niterói e a São Gonçalo. Fazem ainda ligação com outros estados. O fluxo diário de caminhões, carretas e ônibus é intenso.
O Flamengo deseja construir um estádio com capacidade para 80 mil pessoas.
"O estádio seria um polo gerador de tráfego. A implementação de um estádio ali impactaria o trânsito não só da cidade mas de toda a região metropolitana.
A infraestrutura que existe ali já não dá conta do fluxo de veículos que passam diariamente pela região", afirmou Filipe Ungaro Marino, professor-adjunto do departamento de arquitetura e urbanismo da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
Juciano Rodrigues, economista e pesquisador do Observatório das Metrópoles, apontou que o estádio pode impactar de forma desigual a população carioca.
"Essa é uma das decisões mais equivocadas em termos de planejamento urbano na história da cidade", afirmou.
"Metade dos ônibus intermunicipais que circula na região metropolitana faz a ligação do município do Rio com a Baixada por ali. Junto com esse impacto geográfico há um impacto social. Essa população que trabalha na área central ou trabalha no centro é uma população de baixa renda. A maioria é de moradores da Baixada, da zona norte suburbana, da zona oeste."
O terreno do Gasômetro fica em frente ao terminal intermodal Gentileza, inaugurado neste ano. O terminal conecta linhas de ônibus municipais, VLTs (Veículo Leve sobre Trilhos), transporte que circula apenas na região central, e o BRT, que leva passageiros das zonas norte e oeste para o centro da cidade.
A estação de trem urbano mais próxima do Gasômetro é a Praça da Bandeira, que fica a 2 km, uma caminhada de cerca de 26 minutos. A distância é a mesma para a estação de metrô Cidade Nova.
"O fluxo de um estádio necessita de transporte de massa. Ali tem o terminal Gentileza e a rodoviária, que recebem os ônibus. Ônibus são categorizados como transporte de pequena a média capacidade. Num equipamento como um estádio são no mínimo 40 mil pessoas chegando no mesmo horário, saindo no mesmo horário", afirmou Themis Aragão, professora de arquitetura e urbanismo do Ibmec.
A área onde o Flamengo pretende construir o novo estádio abrigou por quase cem anos a central de armazenamento de gás do Rio de Janeiro. O Gasômetro foi desativado em 2006, por causa da substituição do gás manufaturado pelo gás natural.
O local ficou famoso por um suposto plano de militares de explodi-lo e pôr a culpa em militantes da esquerda, durante o regime militar. O plano, denunciado pelo então capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, o Sérgio Macaco (1930-1994), ficou conhecido como caso Para-Sar.
Desde 2000, quando as atividades no Gasômetro começaram a diminuir, gestões municipais passaram a pensar em dar novo uso ao terreno. Um dos planos à época já era a construção de um equipamento esportivo.
O terreno esteve nos últimos anos sob a guarda da Caixa Econômica Federal, vinculado ao Fundo de Investimento Imobiliário do banco. A Caixa tinha a expectativa de negociar a área com o mercado imobiliário e não avançou nas tratativas com o Flamengo.
O prefeito Eduardo Paes (PSD) encabeçou o projeto a partir de fevereiro e, ao lado do deputado federal Pedro Paulo (PSD), favorito para a vaga de vice na chapa da situação nas eleições de outubro, solucionou o impasse com a desapropriação. Desde março Paes vinha afirmando que tomaria uma decisão unilateral caso a Caixa não flexibilizasse a negociação.
"O Flamengo esteve aberto para que a prefeitura pudesse estabelecer uma série de encargos, como projeto de melhoria viária e reformulação dos passeios públicos e do sistema de transporte", afirmou o deputado federal Pedro Paulo (PSD).
"Uma ideia bem recebida foi a história de ter ali um centro de convenções de médio porte. A cidade precisa. Isso é algo que tem sido discutido e tem avançado."
O Plano Diretor do Rio de Janeiro prevê regras para a construção. A primeira delas é o estudo de impacto de vizinhança, que ainda não foi realizado. Dirigentes do Flamengo afirmam que o clube já tem projetos de engenharia e mitigação de trânsito. Esses estudos, contudo, não foram divulgados.
Outro obstáculo é a descontaminação do terreno, onde funcionou uma empresa de armazenamento de gás. O Flamengo vai precisar de licenças ambientais do Inea (Instituto Estadual do Ambiente).
O plano é que a obra seja aprovada por meio do mecanismo chamado Transferência do Direito de Construir. O Flamengo cederia o potencial construtivo da sede da Gávea para reduzir o custo do terreno do Gasômetro. O clube carioca acredita que precise desembolsar cerca de R$ 150 milhões no leilão.