Renata Sorrah fala sobre Dulce de 'Segundo Sol': 'Todos temos loucura'
A atriz entra na reta final de 'Segundo Sol', história das nove da Globo, como Dulce, mãe de Laureta (Adriana Esteves)
© Reprodução / TV Globo
Fama Especial
Há quase meio século, em 1970, a atriz Renata Sorrah, hoje com 71 anos, fazia sua estreia TV Globo como Nívea, uma jovem da zona sul carioca que acabava assassinada, em "Assim na Terra Como no Céu", trama de Dias Gomes (1922-1999) de que a artista se recorda com carinho.
De lá para cá, Renata fez diversos outros trabalhos de destaque, sobretudo com personagens um tanto quanto fora do prumo -tanto mental quanto socialmente. Foi assim com a alcoólatra Heleninha Roitman, de "Vale Tudo" (1988), e com a tresloucada vilã Nazaré Tedesco, de "Senhora do Destino" (2004). Nessa última trama, Renata roubava a filha de Maria do Carmo (Susana Vieira) e lançava tiradas hilárias: até hoje é venerada pelos noveleiros de plantão.
Agora, Renata entra na reta final de "Segundo Sol", história das nove da Globo, como Dulce, a mãe de Laureta (Adriana Esteves): esquizofrênica saída de uma clínica psiquiátrica. Em bate-papo, a atriz fala dessa fase, da parceria com o autor João Emanuel Carneiro, de sua trajetória e do carinho que recebe diariamente:
NUANCES DA PERSONAGEM
A cabeça de Dulce parou na década de 1970, quando foi abandonada pelo marido e, depois, internada em um sanatório. Esse abandono e o fato de ter uma filha como Laureta a marcaram para sempre. Vejo Dulce como mais uma vítima de Laureta, que deixa a mãe morando sozinha na casa afastada onde viviam antes de tudo acontecer. Ela quase não a visita, e, quando aparece, só a trata com palavras grosseiras, não tem carinho, cuidado. Acredito que Dulce seja uma mulher desconexa para se defender: não quer enxergar quem é a filha. De vez em quando, ela tem flashes de realidade e diz coisas incríveis.
MELANCOLIA
A vida da Dulce é triste, ela simplesmente vive e tenta que a filha fique por perto. O sonho dela é que Laureta vá morar de novo naquela casa. Ao mesmo tempo, Dulce é engraçada, leve, vive cuidando de suas galinhas, que trata como filhas. É um personagem muito interessante.
DOENÇA
Não sei se podemos chamar de esquizofrenia o que ela tem. A personagem não tem o raciocínio claro, mas, em alguns momentos, apresenta até muita lucidez. Dulce sofre nas mãos de Laureta e percebe a filha que tem, mas a ama. Apesar de tudo, ela vive a loucura de uma vida sozinha, abandonada pela filha.
RETORNO ÀS NOVELAS
Fiquei muito feliz com o convite de João Emanuel, de Dennis Carvalho e de Maria de Médicis. Quando fiz "A Regra do Jogo" [2015], já era fã absoluta de João. Participar dos últimos capítulos de "Segundo Sol" me traz muita alegria e, ao mesmo tempo, é difícil entrar no final de uma novela potente como essa, com ótimos atores e direção [o último capítulo vai ao ar no dia 9]. Aceitei o desafio e estou fazendo, muito feliz.
TRAJETÓRIA DE SUCESSO
Tenho ótimas lembranças desde o começo da minha carreira. Comecei a fazer teatro com o grupo Tuca [Teatro Universitário Carioca], dirigido pelo Amir Haddad, foi um começo de seriedade, criatividade. Carrego isso até hoje e tenho orgulho de todas as minhas escolhas em TV e teatro. Tenho o maior prazer em ser atriz, guardo memórias incríveis. Gosto de relembrar de cada um de meus trabalhos, meus colegas de cena, diretores, como fui coerente esses anos todos.
TEATRO
Nos últimos sete anos, trabalho com a Companhia Brasileira de Teatro, dirigida por Marcio Abreu. A última peça que fiz e continuo fazendo se chama "Preto". Viajamos o Brasil todo em festivais e fomos a eventos internacionais. É uma peça que continuamos apresentando, pois é muito atual. Fala sobre se colocar no lugar do outro. Dos melhores trabalhos que fiz nos palcos, escolho dois textos de Tchekhov [dramaturgo russo, 1860-1904]: "A Gaivota", dirigido por Jorge Lavelli e "As Três Irmãs", por Bia Lessa. Há ainda "As Lágrimas Amargas", de Petra Von Kant, sob direção de Celso Nunes, com Fernanda Montenegro.
CINEMA
Fiz pouco. Recebi muitos convites, mas sempre estava envolvida com televisão ou com teatro. Um filme que destaco na minha carreira é "Matou a Família e Foi ao Cinema" [1989], de Júlio Bressane, um marco do Cinema Novo. Também me marcou "Avaeté - Semente da Vingança" [1985], do Zelito Viana, uma história tão importante sobre o massacre dos indígenas. E, depois, "Madame Satã" [2002], do Karim Ainouz: fiz duas cenas com o Lázaro Ramos, mas foi incrível, filme lindo.
CARINHO DO PÚBLICO
Tenho uma resposta do público que é sensacional, carinhosa. Recebo tantos parabéns... Eles dizem "obrigada", "gosto tanto de você", fico surpresa. Pelo trabalho em teatro e na TV, que é mais visto, só recebo elogios. Gosto muito dessa troca, é uma resposta ao meu trabalho e recebo esse aplauso. É muito bom.
'DOIDINHOS'
Acho esses os personagens mais interessantes. Esse desequilíbrio é interessante, principalmente quando mistura com o humor. As personagens que fiz são bem diferentes, a Heleninha Roitman era doente, frágil, apaixonada, completamente diferente de Nazaré [em 2004]. Em comum, está o fato de serem personagens mais humanas, que têm erros, falhas, alegrias, explosões. Não sei exatamente como me inspiro. São tantas coisas que inspiram um ator para fazer um personagem. Acredito que seja preciso estar generoso, aberto para a vida e para o outro. Acho que todos nós temos uma loucura dentro da gente. Adoro fazer esse tipo de personagem, pois eles são muito ricos.
PLANOS PARA O FUTURO
Quero continuar trabalhando com a Companhia Brasileira de Teatro. Como comecei no grupo Tuca, a vida inteira sempre quis ter um grupo de teatro. É tão bom trabalhar em equipe. Não sei o que gostaria para o futuro, as coisas vão surgindo, tem sempre Shakespeare [1564-1616], Tchekhov ou algum autor nacional que me entusiasmam. O texto de 'Preto' foi escrito durante um processo de ensaios e foi incrível, nunca tinha participado de algo assim. Foi muito interessante. Meu sonho é continuar na Companhia Brasileira e seguir trabalhando sempre. Continuar na TV, fazer uma boa novela e gostaria de fazer séries também. Fazemos séries excelentes. Gostaria de nunca perder minha paixão pela profissão. Tudo muito bom! Com informações da Folhapress.