Agentes são investigados por prender idoso com transtorno mental
Homem de 64 anos passou 12 horas em uma galeria com detentos no Presídio Central de Porto Alegre, considerado uma das piores prisões do Brasil pela ONU
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Justiça Rio Grande do Sul
A Corregedoria da Polícia Civil do Rio Grande do Sul investiga dois delegados após a prisão de um idoso com transtorno psiquiátrico na cidade de Gravataí, na região metropolitana da capital gaúcha.
O homem de 64 anos passou 12 horas em uma galeria com detentos no Presídio Central de Porto Alegre, considerado uma das piores prisões do Brasil pela ONU (Organização das Nações Unidas). A família diz que o idoso tem histórico médico de epilepsia e crises de agitação psicomotora e que avisou sobre o distúrbio mental no momento da prisão, sem conseguir evitá-la.
Ele foi preso em flagrante, no dia 23 de junho, enquanto aguardava sua filha prestar um depoimento sobre tentativa de abuso sexual da neta dele de 11 anos, que teria ocorrido com dois desconhecidos na escola da criança.
Segundo a família, ao tentar ir ao banheiro, o homem se confundiu e entrou na sala da titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), Marina Dillenburg.
A delegada pediu para o idoso sair e foi xingada. Ela deu voz de prisão por desacato e resistência. Procurada pela reportagem, a delegada não quis dar sua versão dos fatos.
A filha de 34 anos prestava depoimento no momento e conta que a neta testemunhou a cena. A garota, segundo a mãe, diz ter visto a delegada empurrar o avô. O homem teria segurado as mãos da delegada e em seguida foi contido por cinco policiais.
"Sei que ele xingou, ele chama de 'sujeira'. É assim que ele briga com a gente quando tentamos dar banho nele. Mas ele não fala palavrão", relatou a filha à reportagem.
O idoso foi levado à Polícia de Pronto Atendimento (DPPA), onde ficou detido por um dia antes de ser encaminhado ao Presídio Central, de onde saiu em 26 de junho.
'A DELEGADA FOI A VÍTIMA'
O delegado plantonista Paulo Kanarek lavrou o flagrante e encaminhou o pedido de prisão por desacato e resistência qualificada à Justiça.
"Ele ofendeu verbalmente a delegada. Ele respondeu pra ela 'tu não manda aqui'. Isso é desacato, minha filha. Quando é dado voz de prisão tu tem que obedecer", disse Kanarek à reportagem.
Segundo Kanarek, "a delegada foi a vítima". "O certo é ela processar os familiares para não falarem bobagem [à imprensa]."
A filha alega que tentou explicar aos delegados que o pai é interditado judicialmente por distúrbios psiquiátricos e que apresentou imediatamente os atestados médicos, que foram anexados à ocorrência. "Ele estava me acompanhando porque não posso deixar ele sozinho em casa."
Os dois delegados são alvo de um inquérito da Corregedoria que investiga se houve abuso de autoridade e lesão corporal. O laudo do IML (Instituto Médico Legal) aponta machucados nos pulsos e nos braços do idoso.
"É um fato que aconteceu, não podemos duvidar dos fatos, temos que dar credibilidade para a pessoa, até por conta da credibilidade da polícia que está em jogo também. A partir disso, apuramos se o procedimento foi adequado ou se houve excesso", afirma o corregedor Andrei Vivan, da Polícia Civil.
O prazo normal da investigação é de 30 dias, podendo ser prorrogado. Após a conclusão, Kanarek e Marina podem ser indiciados criminalmente ou serem penalizados administrativamente.
EPILEPSIA E PARANOIA
Segundo o laudo médico apresentado pelo advogado da família, Rodrigo Cabral, o idoso sofre de epilepsia e crises de agitação psicomotora. Ele chega a ter cinco ou seis convulsões por dia.
O laudo de sua perícia psiquiátrica afirma que ele é "gravemente limitado em sua capacidade de entender ou de agir de acordo com pedidos ou instruções" e que "possui quase nenhuma capacidade de cuidar de suas necessidades básicas".
No laudo, relatos da família indicam que o homem tinha surtos de agressividade verbal e teve infância difícil, com abandono dos pais. Ele estudou até a quarta série e começou a beber aos 11 anos.
A juíza Maria da Graça Fernandes Fraga, da comarca da Gravataí, homologou a prisão em flagrante e concedeu a liberdade provisória a partir dos atestados médicos anexados na ocorrência. O processo está no Juizado Especial Criminal e corre em segredo de Justiça por se tratar de um idoso, de acordo com o Tribunal de Justiça.
A promotora Ana Carolina de Quadros Azambuja, do MP de Gravataí, afirmou por meio de sua assessoria que "estranhou" a polícia ter pedido a prisão, já que era um delito de menor potencial, e que bastaria a assinatura de um termo circunstanciado, especialmente considerando a idade e a saúde mental do homem. A Promotora acompanha o caso.
O diretor da Delegacia Regional Metropolitana, delegado Marco Antônio Duarte de Souza, defende a delegada Marina e diz que a situação poderia ter sido pior. "Se ela não tivesse pedido socorro [dos cinco policiais], ele poderia ter pego a arma dela e estaríamos chorando a morte de uma menina que recém integrou o serviço público", disse o delegado. Com informações da Folhapress.