Justiça determina que presídio feminino tenha aulas à noite
A decisão do TJ se insere em um contexto de judicialização de políticas públicas
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Justiça SP
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou, na última segunda-feira (7), que o governo do Estado ofereça ensino no período noturno às mais de 2.100 mulheres presas na Penitenciária Feminina de Santana, na zona norte da capital paulista.
A decisão do TJ-SP prevê multa diária de R$ 500, até o limite de R$ 500 mil, em caso de descumprimento a partir de 2 de janeiro de 2018, quando devem ter início as aulas à noite.
O governo estadual afirmou que ainda não foi intimado da decisão. A Procuradoria Geral paulista declarou que "analisará os autos do processo judicial" e que "se for o caso, interporá os devidos recursos".
A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo disse à reportagem que a estimativa é que não haja custo adicional significativo na abertura de turma à noite.A Penitenciária de Santana tem ensino pela manhã e à tarde, mas as aulas noturnas são demanda antiga das presas, que alegam conflito entre os horários de estudo e de trabalho.
Em pesquisa feita com autorização judicial pelas entidades autoras do processo, em 2014, apenas 12% das presas de Santana estudavam, apesar de 87% delas afirmarem ter interesse em frequentar aulas.
Mais de 82% das mulheres trabalhavam, quase todas (94%) em período integral."A maior parte das presas são provedoras de suas famílias. Fora da prisão elas têm filhos e mães doentes. Se tiverem de escolher entre um ou outro, necessariamente será trabalhar", diz Raquel Lima, advogada e coordenadora do ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania).
Assim como o trabalho, o estudo é uma das hipóteses de remição (perdão) de dias da pena. A cada 12 horas de frequência escolar –o equivalente a três dias letivos–, é abatido um dia do total da sentença.
"É fundamental para a reintegração social, reduz a reincidência e previne a criminalidade dentro e fora das cadeias", afirma Vivian Calderoni, advogada da Conectas Direitos Humanos.
JUDICIALIZAÇÃO
A ação foi proposta em 2012 pela Defensoria Pública do Estado de SP e pelas organizações Ação Educativa, ITTC, Conectas, Pastoral Carcerária e Instituto Práxis.
Prevista na Lei de Execução Penal e em resolução do Conselho Nacional de Educação, a oferta de ensino a detentos é obrigação das Secretarias de Educação, no caso de prisões estaduais, e do Ministério da Educação, nas federais.
A decisão do TJ se insere em um contexto de judicialização de políticas públicas, como a oferta de medicamentos de alto custo pelo SUS, em discussão no Supremo Tribunal Federal.
O grupo fez reuniões com a Secretaria de Educação e tentou audiências de conciliação. A resposta, porém, foi que a proposta era inviável devido à "escassez de funcionários" durante o período noturno, o que acarretaria em risco de fugas."Toda estratégia de defesa de direitos é complexa, envolve requisições frente aos três poderes; uma via única não resolve", diz Ester Rizzi, advogada da Ação Educativa, parte do Grupo pela Educação nas Prisões.
O Estado venceu na primeira instância, mas as partes recorreram. O Ministério Público deu parecer favorável ao recurso.
No julgamento, os três membros da 10ª Câmara de Direito Público acolheram os argumentos do voto do relator, Paulo Galizia, para quem "a omissão [do Estado] é evidente" e "é clara a violação ao direito das apenadas".
Para Galizia, o pedido "não se mostra irrazoável, uma vez que a instituição já conta com instalações", e a obrigação é "política pública que se vincula a normas constitucionais e legais, cabendo ao administrador cumpri-las."
"A pena tem um objetivo de punir, prevenir e reeducar. E a responsabilidade pela omissão [do Estado] é um tema que reputo em construção no nosso país. Então essa decisão é um avanço", afirma a procuradora Deborah Pierri.
"Óbvio que acreditamos no regime republicano, mas é preciso compreender que não dá pra passar uma vida dizendo que não é possível cumprir a lei", ela acrescenta, citando o exemplo das creches: "Daqui a pouco essas crianças farão 18 anos".
As entidades também celebram um primeiro passo. "Estamos falando de 100 vagas a mais. É uma vitória simbólica, dá visibilidade, mas o direito à educação vai continuar sendo violado", afirma Rizzi.
São Paulo responde por 35% do total de pessoas presas no Brasil. Apenas 11% dos presos brasileiros estão inseridos em atividades educacionais formais, segundo o Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) 2014, do Ministério da Justiça. Em São Paulo, são 7%. Com informações da Folhapress.