Saiba como a quarentena pode mudar percepção da passagem do tempo
Se, por um lado, os dias se alongam para algumas pessoas sem novidades importantes, a falta de eventos também é responsável por uma segunda mudança.
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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Sem o deslocamento para o trabalho, o momento de buscar os filhos na escola ou expectativa de um evento no final de semana, os dias de quarentena são mais similares entre si do que o cotidiano antes da pandemia.
Essa nova rotina repetitiva pode alterar a nossa percepção da passagem do tempo e fazer com que os dias pareçam cada vez mais longos.
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"Quando não há eventos acontecendo, sua atenção vai para o passar do tempo e sua sensação dele vai se arrastando. Exemplos clássicos são fila de banco e salas de espera. São situações em que toda sua atenção está voltada para a passagem do tempo", explica André Cravo, professor de neurociência da Universidade Federal do ABC e coordenador do Laboratório de Cognição e Percepção do Tempo da instituição.
Se, por um lado, os dias se alongam para algumas pessoas sem novidades importantes, a falta de eventos também é responsável por uma segunda mudança.
Cravo explica que um dos fenômenos que interferem na nossa sensação da passagem do tempo são quantas ocasiões marcantes e diferentes entre si aconteceram em um determinado intervalo.Os dias repetidos somados, portanto, podem parecer que passaram rapidamente quando olhados em retrospecto. A sensação que o período de isolamento pode causar é como se tivéssemos saltado do carnaval direto para o segundo semestre de 2020.
André é um dos pesquisadores do grupo de pesquisa da universidade que, junto com o Instituto do Cérebro do Albert Einstein, já reuniu mais de 4.000 relatos sobre a percepção da passagem do tempo durante a pandemia desde o dia 6 de maio.O projeto surgiu a partir de contato com depoimentos de pessoas afirmando que estavam sentindo o tempo de forma diferente no isolamento.C
om uma base fixa de 700 pessoas que enviam relatos semanais, o grupo vai poder avaliar as flutuações de humor e de rotina e o impacto de ambos no tema de pesquisa.Eles ainda não têm resultados, mas Cravo explica que já dá para identificar uma grande diferença em como as pessoas têm vivido a quarentena.
"Temos visto relatos de quase tudo: semanas que passam voando, outras que se arrastam. Mas, de maneira anedótica, todo mundo concorda que o tempo está diferente", afirma.Raymundo Neto, doutor em medicina e assistente de pesquisa do Instituto do Cérebro do Einstein, explica que o grupo busca avaliar, a partir da rotina, como as emoções afetam o tempo.
"Nesta crise atual do coronavírus, o que venho observando e o que tenho ouvido de amigos e colegas é um aumento da amplitude das oscilações de humor, como alternâncias, às vezes bruscas, entre alegrias e tristezas, relato que leio como sinais de desajustes temporais em curso", afirma Luiz Silveira Menna Barreto, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador de cronobiologia e ritmos biológicos.
Sobre essa percepção do tempo, ele gosta de buscar apoio em uma citação bem-humorada de Albert Einstein: "Cinco minutos com seu bem-amado não são os mesmos cinco minutos na fila de um banco".
Mestre em psicologia experimental pela USP e professora da The School of Life, Desirée Cassado afirma que não conseguir diferenciar bem os dias e senti-los mais alongados pode gerar reações como tédio e falta de contração.Com os rituais que marcavam as diferentes tarefas do dia, como arrumar a mesa do trabalho e entrar na academia, reduzidos ao mínimo, as pessoas perdem estímulos motivacionais, segundo a psicóloga.
"Se você não tiver criatividade para inventar rituais de passagem do dia formal de trabalho para o final de semana, é capaz que você emende trabalho com final de semana e tudo vire uma coisa só. A gente não consegue mais dizer se esse é o momento de descansar, tudo fica muito misturado", afirma Cassado.*QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS MARCADORES DA PASSAGEM DE TEMPO
AtençãoSe você está entediado, o tempo parece passar mais devagar porque se presta mais atenção na passagem do que na tarefa em si. Já nos momentos em que se realiza muitas tarefas, ele parece passar rapidamente
MemóriasQuando olhamos para o passado, usamos as informações dos eventos para estimar a passagem de tempo. A duração percebida tem a ver com quantos detalhes você reteve desses episódios: de quanto mais detalhes se lembrar, mais tempo parece que o evento durou. Isso quer dizer que um evento que durou muito tempo, mas que deixou poucas marcas na memória, pode parecer muito curto
EmoçõesFunciona de forma parecida ao da memória de determinada ocasião: quando o evento lembrado deixou uma marca de emoções fortes, ele será lembrado como se durasse bastante tempo. Não importa se a emoção foi positiva ou negativa: ambas fariam o evento parecer de longa duração
RotinaA realização de tarefas repetitivas exige menos atenção do que um cotidiano com novidades. O resultado é que temos mais tempo para pensar na passagem do tempo e guardamos menos detalhes do que está acontecendo. Por isso, estes períodos parecem para nós, em retrospectiva, que passaram muito rápido
Fontes: Laboratório de Cognição e Percepção do Tempo da instituição da Universidade Federal do ABC e Instituto do Cérebro do Einstein Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein