Epidemia global de HPV já infectou dez milhões de brasileiros
Na maioria dos casos, o organismo consegue se livrar do vírus naturalmente
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Um micro-organismo dezenas de milhares de vezes menor do que um grão de areia está no cerne de um dos grandes desafios da saúde no Brasil.
As infecções pelo HPV (sigla em inglês para papilomavírus humano) são as mais comuns das doenças sexualmente transmissíveis. Oito em cada dez mulheres e homens já entraram ou entrarão em contato com o vírus. São 10 milhões de infectados no país, 600 milhões no mundo.
Na maioria dos casos, o organismo consegue se livrar do vírus naturalmente. Quando ele persiste, no entanto, torna-se um perigo. A consequência mais nefastas da contaminação pelo HPV é o câncer de colo de útero, a terceira neoplasia mais frequente e a quarta causa de morte por câncer entre as brasileiras. Ao longo de 2016, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), 16.340 mulheres devem receber o diagnóstico da doença e 5.430, morrer por causa dela no país.
Essa, no entanto, está longe de ser a única ameaça do HPV. Ao lado do cigarro, o microorganismo é o principal fator de risco para tumores malignos em geral. O HPV está associado também ao câncer de ânus, orofaringe, vagina, vulva e pênis.
Há pelo menos 150 tipos de HPV. Quarenta deles estão concentrados na região genital. Altamente contagioso, o vírus se dissemina pelo contato com uma lesão (a menor que seja, imperceptível até) na pele ou mucosa. A infecção pode, portanto, acontecer pelo toque genital-genital, oral-genital e até manual-genital -ou seja, sem a ocorrência de penetração. Para se ter uma ideia, metade das mulheres é infectada antes mesmo da primeira relação sexual.
Se o sistema imunológico não debelar o vírus por conta própria, a contaminação pelo HPV apresenta basicamente três manifestações. A forma clínica é caracterizada pelo aparecimento do condiloma acuminado (do latim "condyloma", tumor duro, e "acuminare", tornar pontiagudo). Facilmente identificada, a verruga genital é a ocorrência mais típica do HPV, conhecida também como crista de galo, figueira ou cavalo de crista. Seu risco de transmissão gira em torno de 65%.
A manifestação subclínica é marcada pela ocorrência das chamadas verrugas planas, lesões não visíveis a olho nu e encontradas apenas sob as lentes de um colposcópio, aparelho capaz de aumentar em até 40 vezes o poder de visão do médico. A probabilidade de transmissão é de 25%. Há ainda a forma latente, na qual, o vírus fica "adormecido", sem causar danos. Nesse caso, a infecção não é transmissível e só pode ser detectada mediante a análise da presença de DNA viral.
De todas as versões do HPV, duas (6 e 11) estão associadas a 90% dos casos de verrugas genitais. Outras duas (16 e 18) respondem por 70% das ocorrências de câncer de colo de útero (ou cervical). Essas duas últimas estão também presentes nos tumores malignos de ânus, vagina, vulva, orofaringe e pênis.
PREVENÇÃO
O Brasil já dispõe uma vacina contra esses quatro subtipos de HPV. Como a maioria das contaminações ocorre nos primeiros anos da vida sexual, o Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde, preconiza a vacinação de meninas de 9 a 14 anos. "Se conseguirmos atingir a meta de cobertura de 80%, daqui a dez anos teremos uma geração livre do HPV", diz a epidemiologista Carla Domingues, coordenadora do PNI.
A vacinação contra o vírus está disponível no Sistema Único de Saúde desde 2014. Até agora 48% do público-alvo está imunizado contra o HPV. Ou seja, pouco menos da metade das garotas brasileiras de 9 a 14 receberam as duas doses da vacina -a segunda, seis meses depois da primeira. Todos os anos, 530 mil mulheres recebem o diagnóstico da doença e 265 mil morrem em decorrência dela no mundo.
A prevenção à doença, no entanto, não se faz apenas com a imunização contra o HPV. O uso do preservativo pode ajudar, mas o papanicolau é imprescindível, alerta o ginecologista Sergio Podgaec, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Baseado na coleta e análise das células do colo de útero, esse exame é a principal arma na detecção precoce de lesões precursoras de câncer, como as causadas pelos HPV-16 e HPV-18.
As diretrizes de ginecologia indicam o exame para mulheres de 25 a 64 anos, no seguinte esquema: uma análise por ano, durante dois anos. Se ambas derem negativo para câncer cervical, a periodicidade passa a ser a cada três anos. Entre todas as neoplasias, os tumores malignos de colo de útero estão entre as mais lentas. Levam em torno de 15 anos para chegar ao estágio avançado. Ou seja, fazendo o papanicolau de três em três anos, a paciente tem cinco chances, no mínimo, para flagrar a doença. O câncer de colo de útero é raro até os 30 anos: o pico de incidência se dá entre 45 e 50 anos.
SEXO ORAL
No Brasil, as diferenças entre regiões em relação à prevenção da doença são gritantes. O Nordeste, por exemplo, registra pouco mais do dobro de casos da doença que o Sudeste. Isso decorre da desigualdade na realização do exame preventivo. Há quem faça demais e quem faça de menos. Nos rincões do país, sobretudo no Norte, há localidades em que as mulheres nunca se submeteram a um papanicolau. Em outras, elas fazem os exames todos os anos, antes dos 25 anos. Isso sem contar as falhas na coleta e na análise do material encaminhado para avaliação.
Especialistas estimam que, de cada 10 resultados negativos, 6 estejam errados. É um perigo. Nada menos do que 60% das mulheres que fazem o exame acreditam não estar doentes, quando estão. Assim, "uma doença banal, que pode ser evitada com vacina e exame preventivo" continua a matar as brasileiras, especialmente as mais pobres, diz o ginecologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Jesus Paula Carvalho, chefe do serviço de ginecologia oncológica do Instituto do Câncer de São Paulo Octavio Frias de Oliveira (Icesp).
Nos países nórdicos, bem estruturados do ponto de vista socioeconômico, com sistemas de saúde organizados e populações pequenas e bem informadas, a estimativa é de que a combinação de vacina e papanicolau reduza a mortalidade por câncer cervical em até 80%. Os prestigiosos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, estimam que, em 2020, os casos de câncer de orofaringe devem superar em 35% os de colo de útero.
Esse aumento está relacionado à prática de sexo oral. Estudos americanos indicam que o número de jovens adeptos da prática quintuplicou desde as décadas de 1940 e 1950. Artigo publicado na revista científica British Medical Journal, mostra que quem já tinha feito sexo oral com quatro ou mais pessoas tinha um risco três vezes maior de ter câncer na orofaringe. No mesmo artigo, o médico cita um levantamento sueco segundo o qual, em 1970, o HPV estava presente em 23% dos casos de câncer de orofaringe. Em 2006 e 2007, esse índice chegava a 93%. Com informações da Folhapress.