Língua presa: detecção evita desmame precoce e favorece a fala
É extremamente importante a detecção em bebês, ainda na maternidade
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A amamentação é essencial para a vida e, como demonstram diversos estudos e recomenda exaustivamente a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Ministério da Saúde (Brasil) e outras entidades internacionais, pelo menos até os primeiros 6 meses de vida. Mas para que isso ocorra de forma completa e saudável, é preciso avaliar o recém-nascido também no que diz respeito ao frênulo da língua e sua posição correta.
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A anquiloglossia (do grego - "língua presa") é a condição em que o frênulo lingual, a faixa de tecido que une a língua ao assoalho da boca, restringe o movimento da língua. Este tecido é uma membrana fibrosa, produzido nos estágios iniciais do desenvolvimento da cavidade oral.
Por muito tempo, esta alteração foi diagnosticada e tratada no momento do nascimento. Mas nas décadas de 1940 e 1950 houve uma diminuição do aleitamento materno e o tratamento do frênulo caiu em desuso. Após este período, o aumento da descoberta de casos de anquiloglossia tem sido atribuído às iniciativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da UNICEF ao apoio à amamentação.
Na amamentação, a língua tem o papel fundamental, pois ajuda a manter o peito na boca em posição adequada, criando um canal, como sulcos, ao longo do seu comprimento, mantendo o peito no lugar e segura o leite na parte de trás da língua, preparando-o para ser engolido. De forma eficiente, permite uma boa coordenação da sucção, da deglutição e da respiração.
A limitação da mobilidade lingual em recém-nascidos pode causar alterações como amamentação dolorosa, mamilos rachados ou mastite da mãe, baixo ganho de peso do recém-nascido, período de tempo excessivamente longo em cada amamentação e, pior ainda, a cessação da amamentação prematura.
Devido à necessidade de disseminar informação correta, a ABRAMO, Associação Brasileira de Motricidade Orofacial faz um alerta sobre a alteração do frênulo e, especialmente, na detecção imediata em recém-nascidos. A anquiloglossia afeta cerca de 2 a 5% dos bebês e, naqueles que têm dificuldade de amamentar, atinge até 12,8%.
“Precisamos primeiro esclarecer que o frênulo alterado nem sempre é curto, como muitas vezes é caracterizado”, explica Irene Marchesan, vice-presidente da ABRAMO e primeira fonoaudióloga especialista em Motricidade Orofacial do Brasil. “Ele pode ser curto, longo, aderente, anteriorizado, entre outros”, completa.
A fonoaudióloga Adriana Tessitore, presidente da ABRAMO, reforça que essa alteração prejudica ainda outras funções além da amamentação, como a mastigação, a deglutição, o sono e a fala. “Porém, observamos que a amamentação e a fala são normalmente as que mais ficam prejudicadas e terá reflexos ao longo do desenvolvimento da criança, estendendo-se na adolescência e na fase adulta também”.
Entre as ações de conscientização, a ABRAMO destaca a importância do teste da linguinha, que em 2014 se tornou Lei Federal, sendo obrigatório a realização do protocolo em todas as maternidades. “Da mesma forma que o teste do pezinho, do coraçãozinho e da orelhinha são imprescindíveis, conseguimos apresentar estudos que mostraram a importância e a eficácia do teste da linguinha. Tanto é que hoje o protocolo que desenvolvemos no Brasil vem sendo adotado em diversos países”, explica Irene Marchesan.
A partir do desenvolvimento infantil, a aquisição da fala passa a ser um novo desafio. A alteração do frênulo pode impactar de forma negativa para a criança.
Na fala, as alterações mais frequentes são nos fonemas “R”, “L”, “T”, “D” e “S”. Segundo Marchesan, a partir de estudos nacionais e internacionais, e da sua prática clínica, a alteração no frênulo da língua compromete da mesma forma a pronúncia destas consoantes, em diferentes populações e idiomas.
Para ilustrar o impacto social, a fonoaudióloga Irene Marchesan conta um dos relatos que mais a marcou em sua vida clínica: “Eu estava fazendo uma reavaliação de um garoto de 12 anos quando a mãe, no momento da reavaliação, estava pressionando o menino para que ele falasse mais, porque estava bastante quieto nos últimos tempos, se recusando até a ir à festas e reuniões com os colegas. Após um certo tempo de indecisão, o garoto desabafou: “Eu falo, mas meus amigos não me entendem. Na escola, eu chamo a professora, mas às vezes ela também não me entende. Então, se eu estiver no meio da turma eu não consigo colocar a minha opinião, e é por isso que eu me fecho no meu mundo”.
Para a especialista, a alteração do frênulo da língua começa no berço, passa pela infância, chega na fase da adolescência, persiste dentro e fora da escola, exclui o indivíduo, afastando-o do convívio social e mesmo de suas atividades profissionais na fase adulta.
Tratamento:
O tratamento do frênulo alterado consiste em uma simples cirurgia. São dois tipos de procedimentos: frenotomia, quando é dado um corte/pique no frênulo (realizado em recém-nascidos), e frenectomia, quando retira o frênulo, podendo haver necessidade de ponto cirúrgico (mais comum em crianças maiores, adolescentes e em adultos). A cirurgia deve ser realizada por um odontólogo ou médico.
Embora a cirurgia ajude a corrigir as disfunções, mesmo que posteriormente tenha o auxílio de uma terapia com fonoaudiólogo, em adultos as dificuldades na produção dos sons da fala ainda permanecerão. “Há uma melhora significativa dos movimentos da língua após a cirurgia, mas a fala do paciente adulto não melhora por si só, porque ele criou um padrão motor cerebral difícil de ser modificado, e que persistirá, ainda que em um grau muito menor”, explica Irene.
Por isso, é importante a detecção em bebês, ainda na maternidade. Se necessária, a cirurgia é simples, com o famoso “pique” na língua. Quando a alteração do frênulo é corrigida, a amamentação flui naturalmente, sem que ocorram interferências na saúde e no desenvolvimento do bebê.