Incêndio atinge 'navio amaldiçoado' da Marinha russa
O porta-aviões Almirante Kuznetsov tem fama de amaldiçoada entre marinheiros russos
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Mundo Assustador
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um incêndio atingiu nesta quinta (12) a nau-capitânia da Marinha russa, o porta-aviões Almirante Kuznetsov, que passa por reparos em uma doca perto de Murmansk, no Ártico.
Segundo a agência Tass, pelo menos oito pessoas foram hospitalizadas após um defeito durante a soldagem de peças ter espalhado fogo por 120 metros quadrados do barco. Entre uma e três pessoas estão desaparecidas, segundo relatos.
O acidente é o mais recente em uma longa lista na embarcação, que tem fama de amaldiçoada entre marinheiros russos.
O Kuznetsov é o único porta-aviões da Rússia. Foi construído nos estertores da União Soviética por um estaleiro na Ucrânia. Foi lançado ao mar em 1985 e comissionado para serviço no começo de 1991, ano em que o império comunista se dissolveu.
O barco só foi declarado operacional quatro anos depois, com limitada capacidade. Em 1993, passou a receber aviões de caça navalizados Su-33, mas começou a enfrentar diversos problemas, raramente saindo de seu porto na Frota Setentrional russa.
Em 2009, um incêndio causado por um curto-circuito enquanto o navio estava ancorado perto da Turquia matou um marinheiro. Um mês depois, reabastecendo na costa da Irlanda, houve um grande derramamento de óleo.
Os problemas levaram o navio às docas de reparo para sua primeira grande reforma em 2015. Em 2016, com a intervenção russa na guerra civil da Síria a pleno vapor, o Kuznetsov foi enviado para sua primeira missão de combate.
Novamente, problemas. Dois caças, um MiG-29K e um Su-33, foram perdidos em acidentes na hora de pousar no convés do navio –que tem a particularidade de acabar em forma de rampa, para facilitar a decolagem dos aviões.
Ainda assim, jatos conseguiram fazer as primeiras missões do navio, que teve de ser acompanhado por um rebocador oceânico por precaução, em caso de falha nas suas turbinas.
Após o relativo fiasco, ou sucesso a depender do ângulo, da missão na Síria, o navio voltou para Murmansk para mais um período de reformas amplas em julho do ano passado.
No começo delas, for avariado pela queda de um gigantesco guindaste, e agora sofreu o incêndio. Não se sabe ainda se a previsão de volta ao mar em 2022 será cumprida.
O Kuznetsov foi o primeiro de dois porta-aviões desenhados pelos soviéticos. O segundo ficou incompleto na Ucrânia, após o desmantelamento do país, e acabou vendido para a China, que o completou e o transformou no primeiro modelo do gênero do país asiático em 2012.
Suas dificuldades refletem questões que afligem a Marinha russa há anos. Enquanto o país segue sendo uma das duas únicas superpotências nucleares com os EUA, a modernização acelerada promovida por Vladimir Putin após 2009 nas Forças Armadas chegou mais devagar ao setor naval.
Ali, cruzadores movidos a energia nuclear com mísseis balísticos e submarinos estratégicos e táticos convivem com navios como o Kuznetsov, uma fonte de dissabores.
Ainda assim, é preciso relativizar a missão do Kuznetsov. Enquanto os 11 grupos de porta-aviões operados pelos americanos visam projetar o poder do país mundo afora, levando a guerra onde ela for necessária, o navio russo foi feito para operar em apoio a missões de cruzadores e submarinos.
Na Síria, seus aviões foram usados para ataques em terra, mas foi mais uma demonstração publicitária do que outra coisa. Segundo relatos disponíveis, apenas 8 dos 24 caças que pode operar foram levados -e dois, perdidos.
O navio ainda carrega seis helicópteros, além da tripulação de 1.690 pessoas e um estoque de mísseis. Com propulsão convencional, o enorme navio de 305 metros de comprimento tem autonomia de até 45 dias no mar, deslocando no máximo 58,6 mil toneladas.
Já os EUA operam dez navios de propulsão nuclear da classe Nimitz, que deslocam até 104 mil toneladas e carregam quase cem aeronaves. O mais novo da turma, da classe Gerald R. Ford, é ainda mais moderno, mas também tem enfrentado problemas e questionamentos sobre seu custo operacional.
Durante o período de modernização da virada dos anos 2010, bancado pela alta do preço do petróleo que abunda na Rússia, foram planejados novos porta-aviões para substituir o atual, que tem vida útil prevista até 2030.
Mas a discussão mudou, adequando-se às pretensões russas e o fato de que o país pode assegurar seus interesses primários com suas armas nucleares e com sofisticados sistemas antiaéreos.
Novos cruzadores e uma gama poderosa de mísseis navais alteraram a percepção sobre a necessidade de dispendiosos porta-aviões.
Já os chineses, que têm na disputa pelas águas do mar do Sul da China e no Pacífico ocidental sua prioridade estratégica, foram na mão contrária: estão tornando operacional seu segundo modelo, feito em casa a partir do projeto soviético, e estão construindo outros dois, mais modernos.