Quarentena chega ao fim em Wuhan, mas normalidade está longe de voltar
Nesta terça (6), pela primeira vez a China não anunciou nenhuma morte por Covid-19 no país.
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Mundo CHINA-CORONAVÍRUS
VIÇOSA, MG (FOLHAPRESS) - Quando o governo chinês aliviou parte das restrições dos dois meses de quarentena em Wuhan, no final de março, a primeira coisa que Hector Infante fez foi sair para comprar chocolate e correr em volta do quarteirão. Agora que a cidade onde começou a pandemia de coronavírus no mundo foi reaberta, nesta quarta-feira (7, quinta, 8, pelo horário local), ele já sabe o que vai fazer: ir a um lago em um bairro distante, para ver, enfim, outro cenário que não sua própria quadra.
"Eu mereço esticar as pernas, tomar ar, ver outro panorama. Foi uma espera muito impaciente. É meio desesperador ficar em casa sem saber o que vai acontecer, quando vai acabar."
Professor de inglês em uma escola, o cubano Hector, 28, mudou-se para a China há cinco meses. Mais de dois deles passou dentro de casa, sem sair nem para fazer compras: voluntários de cada prédio se encarregavam de fazer isso pelos outros moradores, e só itens básicos entravam na lista.
A partir do dia 28 de março, o metrô voltou a funcionar, alguns serviços de trem foram reativados e permitiu-se o deslocamento dos cidadãos dentro de suas comunidades, que são áreas residenciais na cidade de 11 milhões habitantes. A de Hector, por exemplo, tem 14 edifícios com 32 andares cada um.
Nesta quarta (8), após um duro isolamento que surpreendeu o mundo quando foi anunciado, mas se provou eficiente para a redução do contágio, a província de Hubei, onde fica Wuhan, foi reconectada ao restante do mundo. Os voos e trens foram reativados, o transporte público voltou a funcionar - apenas algumas linhas de ônibus estavam ativas até então - e os taxistas e motoristas de aplicativo também puderam retomar o trabalho.
Centenas de pessoas chegaram já de madrugada à estação de trem da cidade, segundo a AFP. Muitas ficaram presas em Wuhan no dia 23 de janeiro, quando as autoridades anunciaram subitamente que ninguém poderia deixar a região até nova ordem. A companhia ferroviária estatal chinesa estima que 55 mil pessoas deixem a cidade ainda nesta quarta, segundo uma TV local.
Muita gente também ficou do outro lado, incluindo estudantes e outros moradores que estavam viajando no feriado do ano novo chinês e que agora poderão voltar.
Nesta terça (6), pela primeira vez a China não anunciou nenhuma morte por Covid-19 no país.
Mas algumas restrições persistem. Escolas, por exemplo, não reabriram. Continua sendo obrigatório o uso de um aplicativo de celular no qual o governo controla o histórico de saúde, o endereço de residência e o deslocamento em tempo real de cada cidadão. Para viajar ou entrar em um supermercado, por exemplo, é preciso estar em dia com esse app.
Na segunda-feira, Wuhan - que até agora concentrou dois terços dos mais de 80 mil casos registrados em território chinês - teve apenas 34 novos infectados.
Mas ainda há o risco de contaminação por pessoas que vêm de fora e por pacientes assintomáticos dentro da própria província. Autoridades citadas por um jornal local afirmam que a vigilância continuará após o fim do "lockdown".
Nesta terça, a prefeitura retirou de 70 comunidades residenciais a classificação "sem epidemia" (que permite aos habitantes sair de suas casas). A justificativa é que foram descobertas pessoas infectadas assintomáticas em alguns prédios desses locais.
Durante o período de isolamento, Hector, que mora sozinho, teve dificuldade de manter uma rotina. Mudou o horário de sono várias vezes, chegando a dormir o dia todo e a ficar acordado de madrugada. Para espantar o tédio, viu "todas as séries e filmes que me indicaram: as novas, as velhas, os clássicos".
Quando ficou sem máscaras, pediu ajuda a seu consulado e recebeu em casa um pacote enviado pelo governo da província.
Os moradores de Wuhan continuam usando máscaras ao sair de casa. Ainda sob o trauma coletivo da perda de amigos, conhecidos e parentes para a Covid-19, a população não tem ido às ruas em grande quantidade, segundo relato do New York Times.
"A recuperação da vida social e a normalização da rotina vão ser um processo bastante lento", diz Hector. "Temos que levar a situação com calma, até para não recairmos numa nova onda da epidemia."
Ele acredita, porém, que a abertura desta quarta-feira tenha um efeito simbólico fundamental para quem vive em Wuhan. "Vai trazer mais vida à cidade. E, principalmente, a sensação de ver luz no fim do túnel."