Ditadura divulga suposta confissão de blogueiro na Belarus; pai vê coação
Nesta terça, o pai do blogueiro, Dmitri Protassevich, disse que seu filho foi forçado a gravar a declaração: "Não são suas palavras, não é sua entonação de fala. Ele está agindo de forma muito reservada e você pode ver que está nervoso"
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Mundo BELARUS-GOVERNO
BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) - A ditadura da Belarus divulgou na noite desta segunda (24) uma suposta confissão do blogueiro Roman Protassevich, 26, preso no domingo (23) após o avião da Ryanair em que ele viajava ter sido desviado para o aeroporto de Minsk, pouco antes de chegar à Lituânia, onde ele mora.
O vídeo foi publicado pelo regime para desmentir um rumor crescente em redes sociais de que Protassevich estava hospitalizado, com problemas graves no coração.
A suspeita repercutiu rapidamente porque, na semana passada, um ataque cardíaco foi a causa atribuída à morte do prisioneiro político Vitold Ashurk, em uma colônia penal da ditadura.
Uma das últimas postagens de Protassevich antes de ser preso havia sido justamente para instar belarussos que moram no exterior a protestarem, para sensibilizar a opinião pública internacional. "Posso declarar que não tenho problemas de saúde, nem no coração nem em quaisquer outros órgãos", afirma o blogueiro no vídeo divulgado.
Em um tom acelerado e tenso e torcendo as mãos, ele prossegue: "A atitude dos funcionários do Ministério da Administração Interna em relação a mim tem sido a mais correta possível e de acordo com a lei. Continuo cooperando com a investigação e confessei ter organizado protestos ilegais em massa na cidade de Minsk".
Nesta terça, o pai do blogueiro, Dmitri Protassevich, disse que seu filho foi forçado a gravar a declaração: "Não são suas palavras, não é sua entonação de fala. Ele está agindo de forma muito reservada e você pode ver que está nervoso".
Falando à mídia europeia da Polônia, onde vive, Dmitri afirmou também que Roman parece ter tido o nariz quebrado: "Sua forma mudou, e há muito pó sobre seu rosto.
Todo o lado esquerdo do rosto está coberto de pó". Ele considera impossível que o filho pudesse confessar a promoção de desordens em massa, "porque simplesmente não fez nada parecido".
A líder da oposição Svetlana Tikhanovskaia, que se exilou na Lituânia após ter sido ameaçada pela ditadura, também afirmou em entrevista que o blogueiro pode ter sido torturado, pois parece ferido e deprimido no vídeo.
Segundo ela, tanto Protassevich quando sua namorada, a jornalista russa Sofia Sapega, 23, são reféns de Lukachenko. "Não apenas os cidadãos da Belarus estão em perigo, mas o mundo inteiro", declarou.
Para capturar Protassevich, o regime do ditador Aleksandr Lukachenko mencionou uma falsa ameaça de bomba, mostram diálogos entre os controladores de voo e os pilotos, divulgados nesta segunda (25). Também enviou um caça MIG 29 e um helicóptero militar para "escoltarem" o voo até a capital belarussa.
O blogueiro atraiu a atenção da ditadura desde que o Nexta –que ele ajudou a fundar e editou–, tornou-se um dos principais canais de informação na cobertura dos enormes protestos contra Lukachenko, após as eleições presidenciais de agosto de 2020, consideradas fraudadas.
Com a internet bloqueada pela ditadura, o canal em aplicativo foi ferramenta indispensável para manifestantes que pediam a renúncia do ditador e eleições livres e justas.
A Belarus considera ilegais todas as reuniões públicas não autorizadas previamente e acusou o blogueiro de três crimes: "cometer ações deliberadas destinadas a incitar a inimizade social com base na afiliação profissional" (pena de até 12 anos), "organizar distúrbios de massa" (15 anos) e "organizar ações que violam gravemente a ordem pública" (3 anos).
Como outros jornalistas, ele foi ainda incluído pela KGB na lista de terroristas –uma condenação por terrorismo poderia, teoricamente, levar à pena de morte. Por isso, ao descobrir no domingo que seu voo estava sendo desviado para Minsk, Protassevich um apelo à tripulação: "Não façam isso. Eles vão me matar. Sou refugiado". A Belarus é o único país pós-soviético e europeu a manter essa punição e executou dois prisioneiros em 2019, segundo a Anistia Internacional.
Tikhanovskaia afirmou ainda que a suspensão de voos –anunciada ontem pelo Reino Unido e pela União Europeia– não é uma solução. "O problema está no regime terrorista, que viola a Constituição, as leis internacionais e falsifica eleições. Sanções massivas contra o regime e apoio da sociedade civil, bem como um diálogo sobre novas eleições: é disso que precisamos", disse.
O desvio do vôo da Ryanair encerrou uma semana de várias ações repressivas contra indivíduos e empresas que Lukachenko considera seus opositores. Doze estudantes e um professor de quatro diferentes universidades começaram a ser julgados em processo criminal, acusados de manifestação ilegal, e o site jornalístico Tut.by, o mais importante da Belarus, foi bloqueado.
Nesta terça, outros sete ativistas foram condenados a até sete anos de cadeia em julgamento a portas fechadas. O copresidente do partido Democracia Cristã, Pavel Sieviariniets, foi condenado por "agitação de massa", embora estivesse preso desde junho, antes das grandes marchas. Nas redes sociais viralizou um vídeo em que, após receber a sentença, ele grita "a Belarus será livre" e puxa o coro "Acreditamos, podemos, iremos vencer".
Lukachenko baixou também uma nova legislação de mídia que torna obrigatória a aprovação, pelo governo, de transmissões ao vivo e proíbe que jornalistas cubram atos "ilegais". A nova regra também permite ao regime bloquear qualquer veículo que considere "ameaçador para valores nacionais" e proíbe qualquer atuação estrangeira em divulgação de informações.