Angola teme que Crivella transforme embaixada na África em posto da Universal
A igreja comandada pelo bispo Edir Macedo passou a cobrar de Jair Bolsonaro um maior envolvimento do Itamaraty na defesa dos interesses da instituição no país africano
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Mundo MARCELO-CRIVELLA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A indicação de Marcelo Crivella (Republicanos) para ser embaixador do Brasil na África do Sul gerou queixas de autoridades do governo de Angola, que temem que o ex-prefeito do Rio transforme a missão diplomática num posto avançado da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) no continente africano.
A Universal atravessa uma crise em Angola, com a rebelião de religiosos locais e o envolvimento de lideranças brasileiras da instituição em acusações de crimes financeiros. Assim, o racha da IURD converteu-se num ponto de tensão entre os governos de Brasil e Angola. Um dos capítulos mais tensos dessa crise ocorreu em meados de maio, quando 34 brasileiros ligados ao trabalho missionário receberam a notificação de autoridades em Luanda de que seriam deportados.
A igreja comandada pelo bispo Edir Macedo passou a cobrar de Jair Bolsonaro um maior envolvimento do Itamaraty na defesa dos interesses da instituição no país africano. Num aceno à bancada evangélica, o presidente então decidiu nomear Crivella –bispo licenciado na IURD– como embaixador em Pretória.
O Ministério das Relações Exteriores já enviou a consulta oficial sobre a designação, chamada agrément, um procedimento anterior ao encaminhamento do indicado para análise do Senado Federal.
O agrément é uma comunicação sigilosa em que um país solicita a anuência do outro para o envio de um novo embaixador. A praxe é que a consulta só seja devolvida caso a resposta seja positiva. Se o país a receber o nome selecionado tiver alguma objeção, o pedido é ignorado, em sinal de recusa.
As críticas sobre a indicação de Crivella foram apresentadas, em conversas reservadas, por membros do governo de Angola a interlocutores no Itamaraty e a autoridades sul-africanas. Procurados, tanto o ministério brasileiro quanto a embaixada de Angola em Brasília não responderam.
O incômodo também foi manifestado por representantes do governo de Moçambique, de acordo com relatos feitos à reportagem, já que a IURD também está presente em território moçambicano.
O medo desses países é que Crivella use a estrutura da missão brasileira para defender os interesses da Universal em toda a região. Além da oposição dos dois países, a escolha causou constrangimento no Itamaraty e criou uma saia justa para o governo sul-africano liderado por Cyril Ramaphosa.
Por um lado, a África do Sul não quer criar rusgas com duas nações africanas com as quais mantêm fortes laços econômicos e políticos. Mas tampouco gostaria de se indispor com o governo Bolsonaro, um dos parceiros no Brics, bloco também formado por Rússia, Índia e China.
Uma pessoa que acompanha o tema disse, em condição de anonimato, que a África do Sul tende a tolerar Crivella para evitar um choque direto com o presidente brasileiro, uma vez que, na praxe diplomática, a rejeição a um indicado a embaixador é considerada um sinal de forte descontentamento.
Na África do Sul, a Universal também atravessa uma crise, com situações semelhantes às registradas em Angola. Mas o cisma sul-africano tem proporções menores, disse à reportagem um interlocutor. No Itamaraty, a designação de Crivella causa desconforto em razão do atual chefe da missão brasileira em Pretória, o embaixador Sérgio Danese. Diplomata de carreira, ele está há menos de um ano no posto.
Danese é um dos diplomatas da ativa mais graduados no Itamaraty. Na década de 1990, ocupou cargos de destaque nos ministérios da Fazenda e do Meio Ambiente e foi chefe das embaixadas do Brasil em Argel e em Buenos Aires. Entre 2015 e 2016, Danese também foi secretário-geral do Itamaraty, o segundo cargo mais importante na hierarquia do Ministério de Relações Exteriores.
Mesmo que o governo da África do Sul dê luz verde para Crivella, a ida do político para o posto ainda depende do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes. Em fevereiro, o magistrado revogou a prisão que havia sido decretada ao ex-prefeito do Rio, mas estabeleceu medidas cautelares, como a proibição de sair do país e o recolhimento de passaporte.
Em maio, a defesa do político pediu ao ministro a reconsideração da decisão e a liberação para sair do Brasil. Gilmar pode analisar a solicitação sozinho ou remeter o tema à Segunda Turma da corte.
Crivella foi preso em dezembro por ordem da desembargadora Rosa Macedo Guita, do Tribunal de Justiça do Rio. Ele foi detido em operação da Polícia Civil e do Ministério Público que denunciou o político e outras 25 pessoas por organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção passiva e ativa.