Assassinato de cantor pelo Talibã revive proibição da música no Afeganistão
O afegão Fawad Andarabi, músico conhecido no Vale do Andarabi, localizado na região montanhosa do Panjshir, foi arrastado para fora de sua casa pelos combatentes e morto a tiros
© Reprodução / YouTube
Mundo Afeganistão
GUARULHOS, SP (FOLHAPRESS) - O assassinato de um cantor folclórico afegão por combatentes do Talibã na última sexta-feira (27) aumentou os temores de que o grupo fundamentalista replique no país as mesmas práticas que implementou à força quando esteve no poder pela primeira vez, de 1996 a 2001–entre elas, a proibição das músicas tradicionais.
O afegão Fawad Andarabi, músico conhecido no Vale do Andarabi, localizado na região montanhosa do Panjshir, onde reside um núcleo de resistência contra os talibãs, foi arrastado para fora de sua casa pelos combatentes e morto a tiros. A informação foi confirmada inicialmente pela Associated Press.
A família do músico disse que o grupo atirou em Fawad poucos dias após terem revistado sua casa e bebido chá com ele. "Ele era inocente, um cantor que só estava entretendo as pessoas", disse seu filho, Jawad, à AP. "Eles atiraram na cabeça dele."
O ex-ministro afegão do Interior Masud Andarabi, que é da mesma região que o músico, também confirmou o caso em uma rede social. "A brutalidade do Talibã continua em Andarabi. Eles mataram brutalmente o cantor folclórico Fawad Andarabi, que simplesmente estava trazendo alegria para este vale e para seu povo", escreveu. "Como ele cantava, 'nosso belo vale, a terra dos nossos antepassados' não se submeterá à brutalidade talibã."
Em um vídeo, é possível ver Fawad tocando e cantando rodeado por outras pessoas na região cercada por montanhas. O afegão tocava ghichak, um tipo de alaúde, e cantava canções tradicionais sobre seu local e seu povo. O folclore é um dos principais tipos de música regional no Afeganistão.
O porta-voz do Talibã, Zabihullah Mujahid, disse que o grupo investigaria o assassinato, mas não deu mais detalhes. O episódio violento, porém, ampliou os indícios do tipo de imposição que o grupo fundamentalista pode fazer e a descrença nas tentativas de imprimir uma suposta moderação.
Na última semana, em entrevista ao jornal americano New York Times, Mujahid negou que o grupo esteja perseguindo opositores, mulheres e afegãos que colaboraram com as tropas americanas ao longo das duas décadas em que elas permaneceram no país. Mas cravou um objetivo: a música não será permitida em público.
"A música é proibida no islã", disse. "Mas esperamos que possamos persuadir as pessoas a não fazer essas coisas, em vez de pressioná-las."
Na década de 1990, o Talibã permitiu o canto religioso, mas baniu outros tipos de música porque eram vistos como distrações aos estudos islâmicos e podiam encorajar comportamentos impuros. Oficiais talibãs chegaram a destruir instrumentos e quebrar fitas.
A relatora especial das Nações Unidas para direitos culturais, Karima Bennoune, disse ter grande preocupação com o assassinato de Fawad. Antes mesmo do episódio, ela já vinha alertando para o que chama de um possível "desastre cultural" no Afeganistão após a tomada do poder pelo Talibã no último dia 15.
"É deplorável que o mundo tenha abandonado o Afeganistão com um grupo fundamentalista como o Talibã, cujo históprico catastrófico de direitos humaos, incluindo a prática do apartheid de gênero, o uso de punições cruéis e a destruição sistemática do patrimônio cultural, está bem documentado", disse em comunicado recente.
A época em que o grupo esteve no poder, há mais de 20 anos, é lembrada, entre outras coisas, pela destruição do patrimônio cultural afegão, algo que se teme repetir agora. Perseguidos, muitos artesãos se refugiaram em países como o Paquistão e o Irã.
Como parte de uma tentativa pouco creditada de demonstrar tolerância, o Talibã também anunciou no domingo (29) que autorizará a presença de mulheres nas universidades –desde que separadas dos homens. A mudança de atitude é vista com ceticismo e contrariada por relatos de estudantes afegãs.
O grupo fundamentalista retomou o poder há pouco mais de duas semanas, após ter início a retirada das tropas americanas do país, processo que foi concluído nesta segunda (30). Além do temor da violência do Talibã, afegãos também temem possíveis ataques do Estado Islâmico, que têm um ramo afegão, o EI-K. O grupo terrorista, opositor dos talibãs, realizou um ataque que deixou cerca de 200 mortos na última semana.