Alemanha vai comprar mais caças para enfrentar ameaça da Rússia
O renovado militarismo alemão é um dos efeitos do ataque de Vladimir Putin à Ucrânia, iniciado em 24 de fevereiro
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Mundo Guerra
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Alemanha anunciou nesta segunda (14) que deverá comprar 35 caças de última geração americanos F-35, no primeiro passo do rearmamento da maior economia europeia devido à invasão russa da Ucrânia.
Segundo o Ministério da Defesa alemão, em comunicado ao Parlamento, a aquisição visa substituir a frota de caças-bombardeiros Tornado, os únicos aviões do país capazes de transportar bombas nucleares americanas. Os F-35 são certificados para isso.
Membro da Otan (aliança militar ocidental), Berlim tem 68 Tornado, caça fabricado de 1979 a 1998, para ataque e mais 20, equipados para guerra eletrônica. Além disso, opera 140 caças avançados Eurofighter Typhoon. Ambas as aeronaves são de consórcios europeus com participação alemã.
O F-35 Lightning 2 é um avião da chamada quinta geração, com capacidades de ser furtivo ao radar e sustentar voo supersônico por longo tempo, entre outras características. Como ele só há o americano F-22 Raptor, o russo Sukhoi Su-35 e o Chengdu J-20 chinês. Além dessa compra, especula-se na imprensa alemã que o país vai também adquirir ao menos mais 15 Eurofighter.
O renovado militarismo alemão é um dos efeitos do ataque de Vladimir Putin à Ucrânia, iniciado em 24 de fevereiro. Três dias depois, o chanceler (primeiro-ministro na designação alemã e austríaca) Olaf Scholz anunciou que iria gastar EUR 100 bilhões (R$ 554 bilhões hoje) com defesa neste 2022.
O crédito extraordinário, por meio de um fundo específico, fará triplicar o gasto militar alemão, em comparação com o que foi despendido em 2021. O país saltará de uma despesa constante na casa dos 1,5% do Produto Interno Bruto para 2,8%, acima dos 2% estabelecidos como referência pela Otan.
Berlim sempre foi reticente em relação ao gasto militar. Primeiro, pelo seu passado. O militarismo prussiano, referência ao reino mais importante na formação do Estado alemão em 1871, foi temido como Putin é hoje. O papel central na Primeira Guerra Mundial (1914-18) e, principalmente, como pátria da monstruosidade nazista na Segunda Guerra (1939-45), geraram um trauma.
Em academias militares alemãs, táticas inovadoras da era nazista não são estudadas, por exemplo, e o princípio da objeção moral a participar de uma ação é válido nas suas Forças Armadas.
Durante os 16 anos de governo de Angela Merkel, a antecessora de Scholz até dezembro passado, Berlim buscou um equilíbrio na relação coma Rússia, em especial devido à sua dependência do gás natural de Putin. O símbolo maior disso, o gasoduto Nord Stream 2, se encontra congelado agora.
Além disso, há a questão do balanço de poder continental. A União Europeia é um projeto que, na origem, visava evitar que franceses e alemães entrassem em guerra. No seu desenho, Paris mantinha uma força militar mais desenvolvida, enquanto Berlim seria o coração econômica da Europa.
O desarranjo da guerra de Putin poderá ter efeitos de longo prazo nesse acerto, ainda insondáveis. Uma coisa ele conseguiu: mais animosidade por parte da França em relação ao país mais poderoso da Otan, os Estados Unidos. Isso porque a compra dos F-35 deverá enterrar o programa conjunto do caça de quinta geração franco-alemão que se arrasta há anos.
Será o segundo golpe tomado por Paris de Washington. No ano passado, ao costurar um pacto militar com a Austrália e o Reino Unido sem avisar ninguém, o governo de Joe Biden fez Camberra cancelar uma compra bilionária de submarinos franceses -em favor de receber modelos de propulsão nuclear de desenho americano e britânico.
Depois da Segunda Guerra Mundial, a atuação militar alemã sempre se deu dentro da doutrina da Otan, como ponta de lança que era num eventual conflito com as forças comunistas do Pacto de Varsóvia. Até hoje, a maior base americana na Europa fica lá, em Ramstein.
Mas suas tropas só viram ação em 1999, apoiando a intervenção da Otan na então Iugoslávia, que gerou o Kosovo independente, e depois na missão da aliança em apoio à guerra dos EUA no Afeganistão (2001-2021).