Brasil se decepciona com valor oferecido pelos EUA para Fundo Amazônia
Dada toda a ênfase na importância da questão ambiental e o anúncio de que os EUA passarão a fazer parte do Fundo Amazônia, o governo brasileiro achou que os americanos ofereceriam um montante mais significativo.
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Mundo BRASIL-EUA
PATRÍCIA CAMPOS MELLO E THIAGO AMÂNCIO
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - O governo dos EUA acenou com cerca de US$ 50 milhões (R$ 260 milhões) para cooperação ambiental com o Brasil, cifra que os negociadores brasileiros definiram como decepcionante. Por isso, o valor não foi citado no comunicado conjunto da visita de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Casa Branca, nesta sexta (10).
Dada toda a ênfase na importância da questão ambiental e o anúncio de que os EUA passarão a fazer parte do Fundo Amazônia, o governo brasileiro achou que os americanos ofereceriam um montante mais significativo. O valor não seria apenas para a iniciativa, mas também para outros tipos de parceria.
Espera-se que o governo americano demonstre maior ambição durante a visita ao Brasil de John Kerry, enviado especial para o clima, que deve ir ao país no fim de fevereiro. A cifra cogitada por Washington é inferior ao oferecido pela Alemanha do premiê Olaf Scholz, de € 200 milhões (R$ 1,1 bilhão), para ações ambientais no geral e bem abaixo dos R$ 3 bilhões prometidos pela Noruega ao governo Lula.
De 2008 a 2018, o país investiu R$ 3,1 bilhões, até o fundo ser congelado durante o governo Bolsonaro.
O governo brasileiro ficou bem mais animado com a sinalização de investidores privados, como Bezos Earth Fund, do bilionário Jeff Bezos, Rainforest Trust, Andes Amazon Fund/Wyss Foundation e International Conservation Fund of Canada, com quem autoridades do país se reuniram em Washington.
Por meio de sua assessoria, o Itamaraty, porém, considerou a oferta "muito positiva" e destacou que se tratou de um gesto unilateral dos americanos. "Gestos são importantes na diplomacia, e esse foi um gesto de reconhecimento pelo esforço do governo na área ambiental nesses pouco mais de 30 dias de gestão."
Criado em 2008, o fundo atua com pagamentos baseados em resultados de conservação da floresta amazônica. As doações acontecem quando há queda nas taxas de desmatamento, com base nos dados do Inpe. Os pagamentos são voluntários e podem ser feitos por outros governos e também por empresas.
A gestão do fundo é feita pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) junto a dois comitês: um técnico, que certifica dados e cálculos de emissões, e outro orientador, com membros da sociedade civil, que define critérios para aplicação de recursos.
Em comunicado conjunto divulgado após o encontro, a participação americana foi amenizada. "Como parte desses esforços [de combate à crise do clima], os EUA anunciaram a intenção de trabalhar com o Congresso para fornecer recursos para programas de proteção e conservação da Amazônia brasileira, incluindo apoio inicial ao Fundo Amazônia, e alavancar investimentos nessa região muito importante."
Biden não tem mais maioria no Congresso americano desde janeiro, quando o Partido Republicano assumiu o controle da Câmara. Uma das principais bandeiras dos deputados republicanos é justamente o corte de gastos do governo, que pressionam até pela redução da ajuda enviada à Ucrânia ora invadida.
A jornalistas após a reunião com Biden Lula, de início, comentou de forma evasiva a participação dos EUA na iniciativa -"Acho que vão-, mas depois confirmou a entrada americana no programa. Nos dois casos, não falou em valores. Disse ainda ser necessário que o país contribua para o fundo e defendeu "a necessidade de os países ricos assumirem a responsabilidade de financiar os países que têm florestas".
Biden e Lula também concordaram na reunião em aumentar as reuniões do Grupo de Trabalho de Alto Nível Brasil-EUA sobre Mudança do Clima, órgão com representantes dos dois países criado em 2015 para discutir a pauta ambiental, segundo comunicado dos governos.
A primeira conversa entre os dois presidentes, a sós, durou cerca de 50 minutos -muito acima dos 15 minutos previstos inicialmente. Depois, houve uma reunião de uma hora ampliada com os gabinetes ministeriais dos dois lados -prevista para levar 45 minutos-, onde foi feita a proposta dos R$ 50 milhões.
Outro ponto em que o Brasil não conseguiu fazer prevalecer sua vontade diante dos americanos foi na maneira de tratar a Guerra da Ucrânia no comunicado final. Versão preliminar do texto não condenava diretamente a Rússia pelo conflito, em razão da objeção dos negociadores brasileiros a uma linguagem mais específica sobre a agressão de Moscou. Antes, a declaração falava apenas sobre a cooperação entre Brasil e EUA em questões regionais e globais, como o conflito no Leste Europeu.
O governo brasileiro, porém, cedeu à pressão e aceitou uma declaração que condena nominalmente a Rússia pela violação territorial na Ucrânia, pelo desrespeito ao direito internacional, pelas mortes e pelos ataques à infraestrutura essencial do país e cita os efeitos do conflito sobre a economia mundial.
"Ambos os presidentes lamentaram a violação da integridade territorial da Ucrânia pela Rússia e a anexação de partes de seu território como violações flagrantes do direito internacional e conclamaram uma paz justa e duradoura", afirma a redação final do texto final divulgado.
Com posições divergentes em relação à guerra, os dois países discutiram os efeitos do conflito na segurança energética e alimentar. Também houve dicussão sobre parcerias público-privadas em relação à cadeia global de suprimentos, fortemente impactada pela pandemia da Covid-19 e pela Guerra da Ucrânia.
Lula também disse ter conversado com Biden sobre a necessidade de criar um clube de países não envolvidos na guerra para buscar a paz. "Senti da parte do Biden a mesma preocupação, porque ninguém quer que essa guerra continue, e é preciso ter parceiros capazes de construir um grupo de negociadores que os dois lados acreditem e que os dois lados possam compreender e terminar essa guerra."
Biden também teria expressado apoio na reforma do Conselho de Segurança da ONU para expandir o número de países com assento permanente -e poder de veto- para países da América Latina e da África, pleito antigo do governo Lula.
De acordo com os governos de ambos os países, o petista também convidou o democrata para visitar o Brasil, e o presidente americano aceitou, sem data confirmada.