Trump vai a tribunal para se entregar à Justiça e se tornar 1º ex-presidente dos EUA réu
Trump é alvo no caso que envolve a compra do silêncio da atriz pornô Stormy Daniels durante a eleição de 2016
© Getty Images
Mundo Justiça
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Donald Trump adiciona mais um aspecto de ineditismo à sua carreira política nesta terça-feira (4), quando se torna o primeiro ex-presidente dos Estados Unidos réu por uma acusação criminal, feito que soma à lista de ter sido a primeira pessoa eleita à cadeira máxima do país sem experiência anterior em cargo público e o primeiro a sofrer impeachment na Câmara duas vezes.
No mais recente ato de sua pré-campanha para a Casa Branca no ano que vem, o republicano deixou a Trump Tower e foi por volta das 13h no horário local à corte no sul da ilha de Manhattan abarrotada por jornalistas e apoiadores. No jargão americano, para ser detido após "se entregar" à Justiça, o que significa que será fichado pela polícia e ouvirá as acusações de que é alvo no caso que envolve a compra do silêncio da atriz pornô Stormy Daniels durante a eleição de 2016. Ela recebeu US$ 130 mil (R$ 659 mil) de advogados do então candidato para não revelar um suposto affair com ele, e os gastos foram lançados como "despesas jurídicas", no que seria uma maquiagem de gastos de campanha, segundo investigações.
Ainda não se sabe exatamente quais são as acusações. Elas devem vir a público por volta das 15h (no horário de Brasília), quando o próprio ex-presidente vai ouvi-las na corte e deve se declarar inocente. Reportagem do Yahoo na noite de terça afirmou com base em fontes no tribunal que Trump será alvo de 34 acusações criminais envolvendo falsificação de registros comerciais. Como não envolve um caso com violência, Trump não ficará preso e deve ser liberado antes das 16h, quando voltará para a Flórida. Ele planeja discursar a sua base de apoiadores por volta das 21h em Mar-a-Lago.
Os trâmites no tribunal não serão transmitidos ao vivo, mas o juiz Juan Merchan permitiu que fotógrafos façam algumas imagens do processo. Uma outra imagem deve entrar para a história, se for de fato feita: sua foto de frente e de perfil como suspeito. Nova York não divulga mais essas "mugshots" desde 2019, mas a equipe de Trump deve ter acesso às imagens para usar como melhor entender na campanha presidencial.
Trump já arrecadou US$ 8 milhões (R$ 40,6 milhões) em doações de apoiadores desde que o indiciamento veio a público na última semana, diz sua equipe. Trump passou parte da segunda-feira compartilhando em sua rede social, a Truth, pesquisar que o apontavam como favorito à indicação republicana, com mais de 20 pontos à frente do governador da Flórida, Ron DeSantis.
A dúvida é se a acusação a um ano e meio da próxima eleição vai se fato ajudar Trump na campanha, como o republicano quer. Pesquisa da CNN americana divulgada na segunda (4) apontou que 60% dos americanos aprovam o indiciamento. Apesar disso, 76% afirmam que a decisão da Justiça teve algum componente político –sendo que, para 52%, a política ocupou um espaço central.
Para Thomas Whalen, professor da Universidade de Boston, o processo legal impulsiona Trump dentro do Partido Republicano no curto prazo e pode levá-lo mais facilmanete à indicação da legenda para a Presidência.
"Mas será bom o suficiente para fazê-lo ganhar a eleição geral? Provavelmente não. Não acredito que eleitores independentes vão ter um olhar gentil a esses processos que lançam dúvidas sobre Trump, e eleitores democratas obviamente também não. Então os processos podem ajudá-lo a receber a indicação do partido, mas não vejo como o ajudariam no caminho para a Presidência", diz.
Do lado de fora do tribunal, trumpistas conhecidos foram prestar apoio ao ex-presidente, como a deputada da ultradireita Marjorie Taylor-Greene e George Santos, filho de brasileiros investigado após mentir sobre diferentes aspectos de sua vida e sua carreira durante a campanha.
Escândalos sexuais não são novidade na política americana, muito menos no Salão Oval. O democrata Bill Clinton chegou a mentir sob juramento ao negar ter tido relações sexuais com uma estagiária da Casa Branca e, embora tenha sofrido um impeachment na Câmara (barrado no Senado), deixou o mandato com 66% de aprovação, quase o dobro dos 34% de Trump ao fim de seu governo.
O ex-senador John Edwards, vice de John Kerry nas eleições que os democratas perderam para George W. Bush em 2004, foi alvo de um processo similar ao de Trump, quando foi acusado em 2012 de desviar US$ 725 mil de sua campanha ao esconder pagamentos para encobrir um caso extraconjugal, com detalhes que iam da existência de uma "sex tape" a uma filha fora do casamento. Na época, ele afirmou que era "um pecador, não um criminoso", e foi absolvido das acusações.
Tudo isso faz com que o escândalo sexual não seja o caso que mais preocupa a equipe de Trump, como evidenciado pelo ex-procurador-geral Bill Barr em entrevista à Fox News.
Depois de classificar o processo atual como perseguição política, ele afirmou que acredita que "o caso dos documentos seja o mais sério", referindo-se à investigação sobre os documentos secretos que ele manteve de maneira irregular em sua casa na Flórida após deixar a Presidência.
Eu não acho que eles estavam atrás daqueles documentos para pegar Trump. Acho que eles queriam na verdade os documentos de volta", afirmou. O processo tem avançado e o Departamento de Justiça e o FBI reuniram evidências de que Trump praticou obstrução da Justiça. Trump se irritou com as declarações de Barr e na manhã desta terça chamou Barr de "um completo covarde".
Trump também batalha contra o andamento de outro processo, na Geórgia, que pode levá-lo ao banco dos réus, por tentativa de interferência na eleição que perdeu para Biden no estado em 2020.
O que pode causar mais dor de cabeça e ser usado para tirá-lo da corrida presidencial, porém, seria a investigação sobre sua participação no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. A 14ª Emenda da Constituição americana proíbe que ocupem cargos públicos pessoas que participaram de insurreições ou rebeliões.
O Comitê da Câmara recomendou que o Departamento de Justiça indicie Trump por insurreição, o que pode proibi-lo de disputar eleições, mas ainda não está claro que isso deve acontecer, disse à Folha de S.Paulo na última semana o professor de direito constitucional Josh Blackman. Mesmo membros da milícia de ultradireita Proud Boys não foram acusados de insurreição, mas de conspiração sediciosa, um grau abaixo.
Para o ex-procurador Barr, condená-lo pelo 6 de janeiro "é um caso difícil de provar", disse argumentando que envolve a liberdade de expressão garantida pela Primeira Emenda da Constituição. "Onde você vai traçar a linha entre atividades legítimas da Primeira Emenda, protestar contra uma eleição e realmente conspirar para desfazer uma eleição?"
Há receio de protestos nesta terça, convocados por Trump e apoiadores em rede social, mas autoridades não preveem grandes manifestações em massa em Nova York ou Washington. Na segunda, o prefeito de Nova York, o democrata Eric Adams, desencorajou manifestantes e afirmou que quem cometer atos de violência "será preso e responsabilizado, não importa quem seja". A Casa Branca tem evitado se manifestar, mas John Kirby, do Conselho de Segurança Nacional, afirmou que o governo estará "preparado se houver necessidade". Biden falou rapidamente a jornalistas nesta segunda que confia na polícia de Nova York e no sistema Judiciário americano.