Oposição acusa presidente de Senegal de tentar dar um golpe
O presidente do país, Macky Sall, propôs no sábado (3) o adiamento das eleições gerais que aconteceriam no próximo dia 25 para agosto
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Mundo Senegal
IGSÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Até aqui uma ilha de relativa estabilidade na conturbada região da África Ocidental, o Senegal entrou em uma grave crise política que ameaça colocar em rota de colisão novamente a França, ex-potência colonial, e a Rússia de Vladimir Putin.
O presidente do país, Macky Sall, propôs no sábado (3) o adiamento das eleições gerais que aconteceriam no próximo dia 25 para agosto. Após muita discussão e protestos reprimidos pela polícia, o Congresso aprovou na segunda (5) a nova data do pleito para ainda depois no calendário: 15 de dezembro.
Sall, o primeiro senegalês nascido no país a ser presidente após a independência da França em 1960, chegou ao poder em 2012 e foi reeleito sete anos depois. Em julho passado, após a prisão de seu principal rival, Ousame Sonko, ele buscou esvaziar boatos de golpe dizendo que não iria buscar mudar a lei para poder concorrer uma terceira vez.
O líder acusa o órgão que elaborou a lista com 20 presidenciáveis de corrupção. Alguns candidatos, mesmo de oposição, foram barrados. Isso levou o oposicionista Partido Democrático Senegalês a se unir ao governo e passar o adiamento, com o apoio de 105 dos 165 deputados.
Outros rivais de Sall o acusaram de querer dar um golpe de Estado dentro do escopo das regras vigentes. "É um golpe institucional", afirmou o candidato Khalifa Sall, da coalizão F24. Cinco postulantes prometeram recursos à Corte Constitucional para derrubar o adiamento, e o bloco político-econômico da África Ocidental, o Ecowas, pediu a volta do calendário regular.
O desfecho da crise ainda é insondável, mas ela leva mais um país da região para o rumo da instabilidade política. Desde 2020, foram oito golpes de Estado no centro-sul do continente, concentrados na faixa que divide o deserto do Saara do resto da África.
Só em 2023, foram dois, no Níger e no Gabão. Cada caso, claro, tem suas particularidades, mas há um substrato comum de esgotamento no relacionamento dos países com sua antiga colonizadora, a França.
Ele se sustentou ao longo das décadas pós-independências, mas insurreições jihadistas, guerras civis, desigualdade e miséria, tudo isso dentro do contexto da crise climática que tem afetado duramente a região, acabaram alimentando o discurso político de revolta contra os franceses.
Paris investiu pesado, ao longo dos anos, na presença militar ativa para tentar coibir o terrorismo islâmico no Sahel, de olho em evitar que ele transbordasse para a Europa junto com os fluxo migratório ilegal.
O caso senegalês é simbólico. "O país tradicionalmente foi estável, e teve um papel importante no desenvolvimento da África Ocidental graças a seus portos e ao comércio de energia coma Europa. Suas Forças Armadas sempre ajudaram as missões europeias contra o terror", escreveu o analista Ronan Wordsworth, da consultoria americana Geopolitical Futures.
A França mantém 1 de suas 5 bases na região justamente no Senegal, onde 400 soldados estão estacionados desde 2011. Mas a nova realidade já se impõe: a junta militar que governa o Níger ordenou a saída dos 1.500 militares franceses que ocupavam três instalações usadas para combater grupos extremistas.
De olho nesse vácuo está a Rússia, que vem lentamente buscando ocupar espaços deixados por Paris. O arcabouço do projeto africano de Putin havia sido estabelecido pelo grupo mercenário Wagner, que atuou em pelo menos sete países da região.
Com a queda em desgraça da entidade após a tentativa de golpe contra a cúpula militar russa em 2023 e o assassinato de seu fundador dois meses depois, nomes ligados às Forças Armadas assumiram o controle das forças e negócios do Wagner no continente -há 2.000 homens no Mali, por exemplo, pagos pela junta militar que assumiu em 2020.
Putin criou uma cúpula com países africanos que, em 2019, se mostrou promissora. A sua segunda edição, no ano passado, acabou esvaziada pela Guerra da Ucrânia, mas nem tanto: o presidente Sall, por exemplo, esteve entre os convidados mais cortejados.
Politicamente, o pé na África é uma forma de amplificar o discurso do Kremlin de que o isolamento proposto pelo Ocidente é inócuo, embora economicamente ainda falte muito. Segundo dados do Congresso americano, o comércio bilateral de Moscou com nações africanas foi de US$ 18 bilhões em 2023, ante US$ 64 bilhões dos EUA e astronômicos US$ 254 bilhões com a China.
Moscou apoiou o que chamou de autodeterminação dos povos ao analisar os golpes recentes. No Níger, manifestantes gritavam "vida longa a Putin" em manifestações pró-golpe, segundo registro de mídias sociais repetido por redes ocidentais.
No caso senegalês, analistas russos afirmam que o país seria um parceiro ideal para o estabelecimento de uma base naval do Kremlin no Atlântico, algo que outros aliados até aqui na região não têm como oferecer.
Por ora, a situação é fluida. "Muito agora depende do que a Corte Constitucional do Senegal fará quando analisar os recursos dos candidatos de oposição questionando a decisão de Sall. Se ela considerar legal, podemos esperar um período de protestos nas ruas e mais gestos de abertura para a Rússia", diz Wordsworth.