Otan desiste de 'seguro anti-Trump' na ajuda militar à Ucrânia
A aliança militar ocidental irá anunciar uma ajuda de €40 bilhões (R$ 241 bilhões) em 2025 para Kiev combater a invasão russa
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Mundo Guerra
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Ucrânia vai receber uma boa e uma má notícia da cúpula anual da Otan, que ocorre na semana que vem em Washington embebida pela grave crise política com a Rússia.
A aliança militar ocidental irá anunciar uma ajuda de €40 bilhões (R$ 241 bilhões) em 2025 para Kiev combater a invasão russa, mas, ao contrário do esperado, o valor não será renovado automaticamente enquanto a guerra iniciada por Vladimir Putin durar.
O formato do apoio foi fechado nesta quarta (3), segundo diplomatas do clube liderado pelos Estados Unidos disseram à agência Reuters.
O secretário-geral da entidade, o norueguês Jens Stoltenberg, havia pedido para os 32 países-membros da Otan que se comprometessem a manter a ajuda anual de €40 bilhões de forma indefinida, até a solução do conflito.
A motivação de Stoltenberg, que deixa o cargo em outubro para o holandês Mark Rutte após dez anos à frente da Otan, era criar um "seguro anti-Trump" no formato de apoio aos ucranianos.
Ele e outros líderes do grupo temem que, se o republicano Donald Trump bater o democrata Joe Biden na eleição de novembro, todo o arcabouço montado para ajudar Kiev possa desmoronar. O ex-presidente já disse que quer "acabar com a guerra em um dia", sugerindo o fim do apoio militar aos ucranianos e negociações imediatas.
Os EUA são, disparados, os principais aliados da Ucrânia. Segundo o Instituto para Economia Mundial de Kiel (Alemanha), do início da guerra até 30 de abril deste ano os americanos deram € 50 bilhões (R$ 301 bilhões) em ajuda militar, cinco vezes mais que os segundo colocados, os alemães.
Segundo o relato da Reuters, o anúncio do dinheiro para 2025 virá com a previsão de uma revisão no ano que vem do valor a ser enviado, mas só. O previsível veto da Hungria, simpática a Putin, foi contornado com um acordo no qual Budapeste não será obrigada a dar dinheiro a Kiev.
Além do fator Trump, Stoltenberg visava reduzir a pressão pelo fato de que a Otan não irá iniciar o processo de adesão da Ucrânia à entidade, algo prometido desde 2008 e que está na raiz da invasão de Putin.
Na visão do Kremlin, é inaceitável o mais importante território ex-soviético, que separa as forças russas das do Ocidente e historicamente o caminho mais óbvio de invasões, caia na esfera ocidental. O problema estratégico para Putin é que sua guerra acabou dobrando as fronteiras da Rússia com a Otan quando a Finlândia aderiu à aliança.
A cúpula da Otan irá celebrar os 75 anos do grupo, criado pelos EUA e seus aliados ocidentais para conter o avanço da antiga União Soviética na Europa. Com o fim do colosso comunista e seu sistema de satélites no leste do continente, ela passou a expandir-se, gerando alarme em Moscou.
O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, insiste em aderir à Otan imediatamente. O problema disso é simples: isso obrigaria, pelo tratado fundador da aliança, que todos os membros entrassem em guerra em sua defesa contra a Rússia. O que, por motivos de temor do apocalipse nuclear, não irá acontecer.
Assim, é previsível, além da ajuda financeira, anúncios pomposos sobre envio de armamentos sofisticados, principalmente de defesa antiaérea. O problema sempre é a execução: os caças F-16 prometidos no ano passado ainda estão para começar a chegar, em números reduzidos, a Kiev.
Na cúpula de 2023, na Lituânia, o mal-estar entre Zelenski e seus aliados ficou evidente. Como os arranjos agora parecem ter sido feitos antes, ao menos a fotografia deverá ser menos turva para o ucraniano, que tenta fazer avançar seu plano de apresentar um prato feito a Moscou para a paz em seus termos.
Ele elaborou isso na cúpula internacional da Suíça, no mês passado, que não contou nem com Rússia nem com a principal aliada de Putin, a China. Mesmo o documento final não teve assinatura consensual.
PUTIN E XI SE ENCONTRAM
Já o russo aproveitou o encontro de uma entidade de segurança eurasiana criada por ele e pelos chineses em 2001 para reafirmar sua aliança com Pequim. Em Astana (Cazaquistão), o presidente e o líder Xi Jinping se encontraram nesta quarta.
"A organização [de Cooperação de Xangai, nome oficial do grupo] se estabeleceu firmemente como um dos pilares principais de uma ordem mundial multipolar e justa", disse Putin. Xi fez dueto com ele, defendendo "sustentar a aspiração da amizade por gerações".
Ambos os líderes concordaram que qualquer negociação de paz sem a presença russa é "fútil", como a China já havia dito ao declinar do convite para a conferência suíça. Este foi o 43º encontro entre eles, o segundo neste ano.
Os chineses apoiam a Rússia na guerra, mas oficialmente não lhe fornecem ajuda militar. Os EUA acusam Pequim de fazê-lo de forma indireta, com a venda de produtos de uso dual, mas o fato é que Xi mantém uma linha vital de oxigênio para a economia do parceiro, elevando o comércio bilateral a níveis históricos, o que tem levado a sanções ocidentais específicas para tentar conter o movimento.
Putin também encontrou-se com o seu mais ambíguo aliado, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan. Membro da Otan, a Turquia mantém boas relações com a Rússia, em especial no campo energético, e foi convidada como observadora para o encontro de Astana.
Na reunião, Erdogan disse que seu país pode ser o mediador final para "uma paz justa" do conflito na Ucrânia. Putin reafirmou seus termos, que incluem cessão territorial que Kiev não aceita.