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Apatia popular testa regime do Irã em eleição presidencial

O segundo turno das eleições convocadas de forma antecipada e inédita devido à morte em uma queda de helicóptero do presidente Ebrahim Raisi, em maio, irá opor candidatos nominalmente de campos rivais

Apatia popular testa regime do Irã em eleição presidencial
Notícias ao Minuto Brasil

13:36 - 05/07/24 por Folhapress

Mundo IRÃ-ELEIÇÕES

(FOLHAPRESS) - A teocracia que dita os rumos do Irã enfrenta nesta sexta-feira (4) um dos maiores desafios desde que o aiatolá Ruhollah Khomeini voltou do exílio francês para tomar o poder em 1979: a apatia do eleitorado que, mesmo dentro dos limites estreitos do sistema, validava o regime de quatro em quatro anos.

O segundo turno das eleições convocadas de forma antecipada e inédita devido à morte em uma queda de helicóptero do presidente Ebrahim Raisi, em maio, irá opor candidatos nominalmente de campos rivais.

Estão no páreo o ultraconservador Saeed Jalili e o moderado Masoud Pezeshkian. Ambos são produto do regime islâmico e não representam ameaça real ao líder supremo, Ali Khamenei, que via em Raisi seu possível sucessor.

O perigo para o aiatolá, de 85 anos e saúde debilitada, vem das ruas. O próprio Khamenei, em uma rara fala sobre o tema, disse na quarta-feira (3) que o comparecimento dos eleitores no primeiro turno do dia 28 de junho foi "menor do que o esperado".

Foram às urnas 39,9% dos 61,4 milhões de eleitores potenciais, o menor índice desde a criação da República Islâmica. Mesmo a eleição de Raisi em 2021, um jogo manipulado para sua vitória, levou metade do eleitorado a votar.

O sinal do desinteresse já era claro na eleição parlamentar de março passado, que registrou 41% de participação.

Tudo isso reflete o desgaste recente do regime, que sofre com as sanções reintroduzidas pelos Estados Unidos em 2018, sob o governo de Donald Trump. Joe Biden prometia amenizar a situação, mas nada ocorreu, e agora o antecessor republicano pode voltar ao poder.

Ao mesmo tempo, Khamenei asseverou sua posição endurecendo o regime. Manobrou para Raisi, um conservador de linha dura associado a massacre de opositores do regime, chegar à Presidência -que, apesar de não ter a palavra final, influi muito na condução de políticas internas e externas.

O símbolo desse período foi a morte na prisão de Mahsa Amini, uma mulher curda de 22 anos que havia sido detida por não usar o véu islâmico da forma que a polícia religiosa considerava correto. Isso levou a inauditas manifestações contra o governo, temperadas por insatisfação econômica.

Apesar de Raisi ter visto uma retomada devido à venda de petróleo, o custo de vida subiu -em seu governo, a carne ficou 440% mais cara, por exemplo.

Além disso, o Irã se viu no meio do turbilhão regional da guerra Israel-Hamas, na qual apoia o grupo terrorista e que ameaça espalhar-se para o seu protetorado xiita no sul do Líbano, comandado pelo Hezbollah.

Tudo isso estará na conta de Jalili ou Pezeshkian. No primeiro turno, o segundo, moderado, ficou com 44% dos votos válidos, ante 40% do primeiro, conservador. O fiel da balança será o terceiro colocado, o também conservador general Mohammad Bagher Ghalibaf, que teve 14%.

Isso sugere uma vitória de Jalili, 58, mas a conta pode não ser automática se a abstenção for ainda maior ou se parte do eleitorado de Ghalibaf for afastado do conservador devido à sua fama radical extrema.

Ela foi construída no mandato do único dos cinco presidentes desde 1989, quando Khamenei assumiu o poder após a morte de Khomeini e uma nova Constituição foi aprovada, que não era um clérigo: Mahmoud Ahmadinejad.

De 2005 a 2013, Jalili foi o negociador nuclear do presidente, cujo governo é visto por analistas como um dos mais deletérios da história recente do Irã. Esse ex-combatente que perdeu a perna direita na Guerra Irã-Iraque (1980-88) ganhou fama pela inflexibilidade.

Foi descrito como "incrivelmente opaco" pelo diretor da CIA, William Burns, em suas memórias publicadas em 2019. Analistas o veem moldado pelas experiências na guerra contra o vizinho, que geraram algo próximo do fanatismo.

Para Shay Khatiri, do Instituto Yorktown (EUA), isso o torna o candidato mais perigoso para a comunidade internacional, mas também o que pode auferir mais ganhos internos no regime. Ele lembra que Jalili tem o apoio do estamento de segurança, fundamental para controlar o Irã em tempos de insatisfação popular.

Já o médico Pezeshkian remete ao único reformista que governou o país, Mohammad Khatami (1997-2005), o sorridente religioso que marcou sua gestão por abertura no regime -não exatamente vitoriosa, tanto que nada mudou profundamente e ele foi sucedido pelo cinzento Ahmadinejad.

O atual candidato foi ministro da Saúde no governo Khatami e, desde 2008, é parlamentar. Esposa a ideia de que é preciso voltar a negociar com o Ocidente, particularmente os EUA, sobre o programa nuclear dos iranianos.

O médico de 69 anos também inspira mais liberdade interna do que o seu rival, mas ninguém espera uma mudança de ares radical com Khamenei buscando controlar sua própria sucessão -e o destino da teocracia.

Pezeshkian foi o único moderado permitido pelo Conselho de Guardiões, órgão com 12 membros que aprova todos os candidatos a qualquer cargo no país, limitando a democracia local. Outras 74 pessoas foram vetadas, e dois candidatos conservadores desistiram na véspera do primeiro turno, na semana passada.

Na política externa, nenhum dos dois candidatos deverá mudar o rumo conflituoso atual, até porque ele passou a depender menos de Teerã e mais do que acontece em Israel. Ninguém quer uma escalada que leve a uma guerra regional, talvez com um choque direto com Tel Aviv e Washington, mas o risco está colocado.

Ao fim, será o comparecimento às urnas a régua para medir o risco de instabilidade que o regime corre.

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