Fora da Presidência, Correa mira ex-aliado que o sucedeu no Equador
"Em sua tentativa de diferenciar-se de mim, está sendo não só desleal como também medíocre", afirmou o ex-presidente
© REUTERS/Mariana Bazo
Mundo Governo
Nem bem completou um mês no cargo, e o atual presidente do Equador, Lenín Moreno, já se vê na posição de ter de defender-se de um inusitado opositor: seu padrinho político, Rafael Correa.
Mesmo tendo o ex-presidente partido para a Bélgica no começo da semana, onde já havia anunciado que passaria um tempo com a família -a esposa de Correa é belga- sua voz vem se fazendo ouvir por meio das redes sociais e da coluna que mantém no jornal governista "El Telégrafo".
O tom começou ameno logo após a posse, com advertências de Correa a Moreno sobre o excesso de atenção que estava dando a jornalistas e tentando desestimular que seu delfim acelerasse as investigações de casos de corrupção revelados pelas delações da Operação Lava Jato.
Segundo o Departamento de Justiça dos EUA, a construtora brasileira Odebrecht pagou no Equador US$ 33 milhões (R$ 105 milhões) em caixa dois e subornos para benefícios em licitações.
Porém, para Correa, a "verdadeira corrupção" é outra, "é a das forças que sempre repartiram o Estado equatoriano entre elas e contra as quais lutei nos últimos dez anos", como reafirmou num de seus recentes artigos.
Moreno, a princípio, disse que as observações de Correa seriam sempre bem-vindas. "O diálogo continua. Seguimos empenhados em reconciliar o país. Para o ódio, não contem comigo", disse.
As coisas começaram a azedar nas últimas duas semanas, quando Correa acusou Moreno de estar "cometendo graves erros" e "cruzando uma linha vermelha", ao buscar diálogo com opositores. "Em sua tentativa de diferenciar-se de mim, está sendo não só desleal como também medíocre", afirmou.
Pontualmente, o que mais irritou Correa foi o fato de Moreno ter-se reunido com Dalo Bucaram, filho do ex-presidente Abdalá Bucaram (1996-97), para criar uma comissão anticorrupção que reuniria diferentes forças políticas e teria apoio da ONU.
Correa lembrou Moreno que tal comissão já existia, referindo-se a uma que ele criou, com gente de sua confiança, e que chamar agora "gente como os Bucaram e organismos internacionais seria um insulto à nossa soberania".
Moreno se animou com tal projeto porque viu sua popularidade despontar em junho, superando 65%, após permitir que se revelassem alguns nomes da gestão anterior que estão sendo investigados pela Justiça como receptores de propinas da Odebrecht entre 2007 e 2016.
Encontra-se em prisão preventiva, até agora, um alto funcionário da gestão Correa, Alecksey Mosquera, ministro da Energia entre 2007 e 2009.
As críticas foram se acumulando, e o ex-presidente, que sempre havia proibido que seus ministros dessem entrevistas a jornalistas, alertou Moreno sobre o acesso que vinha dando a jornais antes considerados inimigos.
Correa também não gostou que Moreno acabasse com as "sabatinas", programas de sábado em que o ex-presidente prestava contas à população, a seu modo, do que havia feito o governo.
"Um governante precisa prestar contas à cidadania, não aos meios privados. Na minha gestão corrigimos esse erro, que agora volta a ser cometido", disse Correa.Moreno, então, passou a perder a paciência, e disse que seu padrinho político demonstrava, por meio da "verborragia nas redes sociais", que estava com "abstinência de poder". Correa tem 3 milhões de seguidores no Twitter, a quem chama de "guerreiros digitais".
Desde que deixou o cargo, o ex-presidente vem repetindo também que não é sua intenção concorrer em 2021, mas acrescenta: se continuar assistindo à "destruição de meu legado, irei repensar".
No dia de sua partida para a Europa, Moreno deu apenas uma mensagem ao antigo padrinho: "Rafael, faça uma boa viagem. Em nome dos equatorianos, agradeço tudo o que fez por nós, especialmente pelos mais pobres e mais vulneráveis".Na despedida no aeroporto, Correa foi saudado por milhares, que repetiam "Rafael, sempre presidente". (Folhapress)