Aumento de turistas e estrangeiros tira antigos moradores de Lisboa
Só em julho deste ano o país recebeu 2,2 milhões de turistas
© iStock
Mundo descaracterização
Não é só Madonna, que recentemente anunciou sua mudança para Lisboa, que reclama de penar para achar casa na capital portuguesa.
Enquanto a popstar alugou um andar em um hotel para esperar, estudantes e aposentados enfrentam cada vez mais dificuldade para achar um teto em uma cidade onde um quarto passou a custar mais da metade do salário mínimo local de €557 (R$ 1.340).
A alta nas locações de imóveis na cidade está, em larga medida, atrelada ao aumento do turismo em Portugal. Só em julho deste ano o país recebeu 2,2 milhões de turistas.
O site de locação para temporadas Airbnb anunciou aumento de 59% nas reservas de junho a agosto deste ano no país na comparação com o mesmo período de 2016.Já a Uniplaces, referência na locação de imóveis estudantis, registrou salto de 11% no aluguel médio em Lisboa -menos, porém, que a alta em Porto, de 40% sobre 2016.
O crescimento na busca por estadias turísticas em Lisboa atrai investidores. "Com a crise internacional, o imóvel foi considerado um bem seguro e mais rentável do que o investimento financeiro", diz João Carlos Cabral, professor do departamento de Ciências Sociais e do Território da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa.
Não sem contratempos. "Quando o proprietário vê que pode despejar o inquilino, ele o faz. No meu o prédio, um terço dos apartamentos são para o Airbnb. As pessoas foram morrendo, outros compraram, e alugam para temporada. Pessoas que sempre viveram em Lisboa, de repente, tiveram de sair", diz.
Antônio Alves, 71, vive desde 2007 na turística região da Alfama, que frequenta desde os 5 anos, em uma pequena casa que aluga por €280. Com uma ordem de despejo recebida em maio, o mecânico aposentado disputa na Justiça o direito de ficar. "Onde vou achar casa por €280? Vi uma sem janelas por €425. E quando vejo, já está alugado para um estrangeiro", diz.
Cabral corrobora: "Há entrada de novo capital. Para famílias que estão aqui há tempo, é difícil competir. "O entorno da casa de Alves está em obras -cena frequente em Lisboa e Porto-, o que ele atribui ao turismo. Ele lamenta a possível saída. "O hospital onde trato o coração é aqui em Lisboa, meus amigos estão aqui."
SEM SOBRA
A dificuldade para obter moradia levou a secretária aposentada Lídia Cardoso, 69, ao Partido Unido dos Reformados e Pensionistas, o Purp, criado em 2015.
Ela diz poder pagar o aluguel da casa em que vive há 45 anos com sacrifício. "Não sobra. Lisboa é linda, há muita coisa para ver, mas as pessoas não conseguem [aproveitar]." Para complementar a renda, ela ajuda nas atividades domésticas em duas casas duas vezes na semana.
O Purp diz que 28,2% da população lisboeta tem mais de 60 anos, e a parcela -sem êxodo- tende a aumentar.José Antônio Borralho, 70, mora há 49 anos na mesma casa, e viu seu aluguel passar de €67 para €326 há dois anos, um salto de 386%. "Foi complicado, mas felizmente havia a aposentadoria da minha mulher", conta. Sem esse dinheiro, o segurança aposentado deixaria a cidade.
A paulistana Beatriz Souza, 27, mestranda na Universidade de Lisboa, busca quarto há mais de um mês. Dividida entre albergues e casas de amigos, ela diz ter chegado a ver três casas por dia, às vezes com dez interessados.Beatriz confere diariamente cinco sites especializados em aluguel e grupos on-line -um que promete quartos a €300 tem 110 mil membros.
Seu colega André Filipe, vindo da região central do país, esperou de março a agosto pela resposta sobre um alojamento da universidade. Dos 48 mil alunos, só 3,5% deles conseguem alojamento. Filipe acabou alugando um quarto em um site para dividir com a namorada por €430.
Além do turismo, Portugal oferece benefícios a estrangeiros para a compra de apartamentos e visto de residência a quem compra um imóvel de mais de €500 mil. "Um francês, por exemplo, tem grandes vantagens em relação a seu país ", diz Cabral.
Para ele, o problema não é o turismo, mas o movimento repentino. "Pessoas esperam mais de uma hora por um táxi. Não as culpo, mas não houve preparo para o boom." Com informações da Folhapress.