Após onda de denúncias de assédio, França debate consentimento sexual
Em outubro, um homem de 22 anos que fez sexo com uma criança de 11, que engravidou, e ele foi absolvido de estupro
© REUTERS/Jean-Paul Pelissier
Mundo Violência
A onda de denúncias de violência sexual contra mulheres pelo mundo neste ano deu impulso à pressão de ativistas sobre o debate, na França, de uma lei regulamentando a idade de consentimento -a idade a partir da qual uma pessoa é considerada legalmente apta para consentir o ato sexual.
Hoje a idade de consentimento na França é 15 anos, mas vítimas ainda precisam provar que o sexo tenha ocorrido sob "ameaça, violência ou surpresa" para comprovar que houve estupro.
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O país não tem uma lei que defina que a relação sexual com alguém abaixo de determinada idade seja automaticamente considerado estupro, como Espanha e Reino Unido (16 anos em ambos) e o Brasil.
Caso a violência ou coerção não seja provada, o agressor só pode ser acusado de abuso, e não de estupro. A pena nesse caso é de cinco anos de prisão e multa de € 75 mil (R$ 293 mil).
O debate se lançou em meio ao #BalanceTonPorc ("delate seu porco"), a versão francesa do #Metoo, o movimento que surgiu nos EUA em reação às múltiplas denúncias contra o produtor de Hollywood Harvey Weinstein.
Lançado em redes sociais pela jornalista Sandra Muller, o movimento acabou virando uma plataforma online que ainda hoje recolhe de maneira anônima milhares de depoimentos de vítimas de abusos, agressões e estupros.
"Esses movimentos trouxeram à luz o fato de o assédio sexual e o estupro afetarem mulheres de toda idade e todo meio social e profissional. Não são casos isolados, mas um grande problema da sociedade. As mulheres abusadas tomaram consciência de que são vítimas e não a causa do problema", disse à Folha uma representante do Balance ton Porc.
"O que é impressionante é que há um número enorme de mulheres de mais de 60 anos que relatam fatos que remontam às vezes a mais de 40 anos, os quais dizem nunca terem contado a ninguém, e que estão hoje felizes que a palavra enfim se liberte."
Segundo dados do Ministério do Interior francês, 4.207 denúncias de violência sexual foram apresentadas de janeiro a novembro, contra 3.238 no mesmo período de 2016 –uma alta de 30%.
Pressionado por movimentos feministas e pela enxurrada de denúncias, o presidente francês, François Macron, fez um pronunciamento no Dia Internacional da Não-Violência contra a Mulher, 25 de novembro, em que propôs selar um "pacto de igualdade entre homens e mulheres" e elencou uma série de medidas.
"Macron já havia previsto um projeto de lei contra a violência contra as mulheres antes mesmo do Balance ton Port e do Me too. No 25 de novembro ele foi obrigado a consagrar todo um discurso a isso", afirmou à Folha Suzy Rojtman, porta-voz do Coletivo Nacional pelos Direitos das Mulheres.
"Analisamos essas medidas de perto e faltam muitas coisas: tratar de violência no trabalho, proteção às vítimas, prevenção nas escolas. Sobretudo não há orçamento para financiar as medidas. Então não há seriedade."
CANTADA SEXISTA
O projeto de consentimento deve ser apresentado para votação pela Assembleia Nacional no início de 2018. O governo ainda estuda que idade fixar –Macron sugere 15 anos; ativistas querem 13.
Um incidente particular provocou a retomada do tema. Em outubro, um homem de 22 anos que fez sexo com uma criança de 11, que depois engravidou, foi absolvido da acusação de estupro.
"A França está muito atrasada sobre este tema em comparação a outros países ocidentais, o que provoca escândalos como o caso deste homem inocentado pela ausência do que chamamos 'elementos constitutivos do estupro'", afirma Rojtman.
"Macron então previu integrar um artigo sobre esse ponto em seu projeto de lei. O debate se concentra na idade abaixo da qual não se pode falar de consentimento. Mas essa medida é urgente. As feministas na França lutam desde os anos 1970 contra a violência. Elas tiveram sucesso em obter muitas leis. No entanto, as leis nem sempre são adaptadas ou são mal aplicadas", diz.
"Constatamos que é difícil passar das redes sociais aos movimentos sociais. Esperamos ver mais mulheres protestando nas ruas", criticou. No fim de novembro, o governo francês anunciou também a criação de um serviço on-line de denúncia de violência sexual no início de 2018. Com isso, as mulheres não precisariam ir a uma delegacia para prestar queixa, em um primeiro momento.
A ministra da Igualdade de Gênero da França, Marlène Schiappa, propôs ainda a votação na Assembleia de um projeto de lei que torna uma contravenção a cantada agressiva nas ruas, chamada no texto de "ultraje sexista".
"A sociedade como um todo tem de definir o que vai aceitar ou não", disse Schiappa ao jornal católico francês "La Croix". Sobre o que deve exatamente ser considerado assédio, ela respondeu: "Todas sabemos a partir de que momento nos sentimos intimidadas, inseguras ou assediadas nas ruas". Com informações da Folhapress.