Papa encontra público 'dividido' no Chile
Insatisfação contra igreja se acentuou após a repercussão, em 2010, dos crimes de pedofilia do então sacerdote Fernando Karadima
© REUTERS/Osservatore Romano
Mundo Popularidade
O papa Francisco chegou ao Chile no início da noite desta segunda-feira (15) ciente de que não é um campeão de popularidade por ali. Segundo o instituto Latinobarómetro, trata-se do país latino-americano onde menos se confia neste pontífice (sua nota é de 5,3, ante uma média de 6,8 de sua avaliação na região) e na Igreja Católica, em geral, com apenas 45% dos chilenos se declarando católicos - o índice caiu cerca de 20 pontos percentuais desde 2010.
A Igreja chilena afirma que há mais de 13 milhões de católicos no país, ou seja, 74% da população. Mas pesquisas como as do Latinobarómetro e outra, a Pesquisa do Bicentenário feita em 2014, indicam que esse número estaria agora em torno de 59%.
A queda se acentuou após a divulgação com intensa repercussão midiática em 2010, dos crimes de pedofilia do então sacerdote Fernando Karadima, 87, um dos religiosos mais importantes do país.
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O Vaticano realizou uma investigação e o considerou culpado de 75 casos de abusos a menores, afastando-o em 2011. Porém, os chilenos cobram do papa um posicionamento mais condenatório não apenas contra Karadima, mas também contra sacerdotes e bispos acusados de terem encoberto o caso por vários anos.
Há, ainda, desconforto entre os chilenos pelo fato de, até agora, o papa ter mostrado simpatia pela causa da Bolívia em sua reivindicação por um acesso ao mar, recuperando parte de seu território perdido para o Chile, num conflito no século 19.
Apesar de haver um tratado entre os dois países desde 1904, fixando a fronteira como é hoje, o atual presidente boliviano, Evo Morales, tem buscado levar a questão a fóruns e organismos internacionais, como o Tribunal de Haia, como uma espécie de cruzada nacionalista que tem servido também a seus propósitos eleitorais.
Quando visitou a Bolívia em 2015, e há duas semanas, ao receber Morales em Roma, o papa Francisco se declarou simpático à causa. Há tensão em Santiago sobre o que ele poderá dizer sobre o tema aos chilenos. Em especial, à presidente Michelle Bachelet, em seu encontro com a mandatária, no palácio de La Moneda, nesta terça-feira (16).
A posição do Chile é a de que não há volta atrás em relação ao estabelecido pelo tratado, até porque este também criou vantagens para os bolivianos, como a eliminação de impostos para que seus produtos fossem transportados por terra até portos no Chile, onde podem, então, ser embarcados.
Também há protestos contra o gasto com a segurança do pontífice e da declaração de feriado nos dias e nas cidades pelas quais irá passar enquanto estiver no país. Uma pesquisa recente do Instituto Cadem aferiu que apenas 23% dos entrevistados qualifica a visita como "muito importante", enquanto 50% a considera "pouco ou nada importante".
Além disso, 54% afirmam estar "em desacordo" com a declaração de feriado durante a presença do pontífice em Iquique, Santiago e Temuco porque o Chile é, oficialmente, um Estado laico.
ATAQUES A IGREJAS
Até agora, o desconforto com a visita papal tem se mostrado por meio de ataques a igrejas nos últimos dias, reivindicados pelo grupo Lautaro -uma guerrilha ativa nos anos 1980 e que realizava atentados contra a ditadura militar (1973-1990).
Nos últimos anos, o grupo vem se rearticulando e abarcando bandeiras como o anarquismo e a causa de grupos indígenas mapuche que reivindicam parte dos territórios chileno e argentino.
Também entre políticos chilenos e simpatizantes da esquerda, a visita do papa é malvista. Está viva na memória de muitos chilenos a visita amigável do papa João Paulo 2º ao país, em 1987, na qual saiu na varanda do Palácio de La Moneda, sede do governo chileno, ao lado do ditador Augusto Pinochet.
TCHAU, ARGENTINA
Ao sobrevoar o território da Argentina, seu país natal, a caminho do Chile, Francisco mandou uma mensagem aos conterrâneos: "Enquanto sobrevoo o espaço aéreo argentino, estendo minhas calorosas predições e envio meus melhores desejos de coração a todo o povo da minha pátria, garantindo-lhes minha proximidade e bênçãos".
Como costuma fazer, Francisco pediu que os argentinos rezassem por ele. A mensagem segue o protocolo de enviar declarações a todos os países que o papa sobrevoa em suas viagens.
O presidente Mauricio Macri agradeceu publicamente e completou: "Desejo [ao papa] que sua visita aos irmão do Chile e do Peru seja fonte de paz, esperança e inspiração. A Argentina o acompanha com o carinho e o respeito de sempre".
Com esta viagem, Francisco terá visitado nove países da América Latina desde sua ascensão, em 2013, sem nunca ter voltado à Argentina, onde teme que sua imagem seja usada politicamente.