Kremlin se diz vítima de histeria russofóbica e vai expulsar britânicos
"São medidas insanas", disse em entrevista coletiva a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova
© Sergei Karpukhin
Mundo Retaliaçao
O governo de Vladimir Putin afirma ser vítima de "histeria russofóbica" do Reino Unido, e vai expulsar diplomatas britânicos do país em retaliação à mesma medida anunciada na quarta (14) pelo governo em Londres. "Definitivamente. Será logo", comentou à agência Sputnik o chanceler Serguei Lavrov, questionado se tomará a medida.
O Reino Unido havia tomado a decisão pela expulsão e outras medidas contra os russos devido ao caso do envenenamento do ex-espião Serguei Skripal e sua filha, Iulia, em Salisbury (Inglaterra). "São medidas insanas", disse em entrevista coletiva a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova, adicionando a russofobia à avaliação sobre as motivações britânicas.
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Skripal e a filha foram achados envenenados por um agente neurotóxico criado na antiga União Soviética no dia 4 e estão em estado grave. A primeira-ministra britânica, Theresa May, acusou diretamente a Rússia pelo ataque.
A praxe internacional nesses casos é devolver a punição da mesma forma, expelindo número semelhantes de diplomatas do país. O Reino Unido também congelou contatos de alto nível com Moscou.
Na prática, contudo, os efeitos da crise são mais políticos. Interesses econômicos dos dois países estão preservados: russos mantêm fortunas das mais diversas formas no Reino Unido, empresas britânicas são sócias de grandes atores russos no setor de hidrocarbonetos. Nada disso foi tocado por May.
Em Londres, o chanceler Boris Johnson afirmou nesta quinta (15) que espera o apoio de outras nações ocidentais contra a Rússia. Repetindo a acusação de que o Kremlin tentou matar Skripal, 66, e Iulia, 33, ele disse que o governo Putin "ameaça a própria arquitetura da segurança global". Retoricamente, os EUA deram apoio ao Reino Unido durante debate na quarta no Conselho de Segurança da ONU, mas como todos os envolvidos na questão têm poder de veto, nada de concreto além de barulho tende a sair de lá.
Por isso, os governos da França, da Alemanha e dos Estados Unidos, além do Reino Unido, emitiram um comunicado conjunto nesta quinta condenando o ataque e culpando a Rússia.
"Este uso de um agente neurotóxico de nível militar desenvolvido pela Rússia constitui o primeiro uso ofensivo de um agente deste tipo na Europa desde a Segunda Guerra", diz o texto divulgado pelos quatro países, que pediram que Moscou entregue todas as informações sobre a produção do agente para a Organização para a Proibição de Armas Químicas.
"Foi um ataque na soberania do Reino Unido e o uso [do agente] por um Estado é uma clara violação da Convenção de Armas Químicas e uma quebra da lei internacional. Isto ameaça a segurança de todos", diz a nota.
Putin, que busca uma reeleição garantida no domingo (18), segue sem falar sobre o episódio. Seu porta-voz, Dmitri Peskov, afirmou que as ações britânicas são provocativas. O presidente se beneficia internamente da discussão, já que sua imagem de defensor de valores russos contra um Ocidente hostil a um Kremlin reemergente foi cuidadosamente trabalhada ao longo dos anos e é fator central de sua popularidade acima dos 80%. Se a Rússia ordenou o ataque a Skripal, ou se foi Londres ou algum terceiro ator, além de difícil de saber é irrelevante do ponto de vista de construção narrativa do caso em Moscou.
A insistência da porta-voz na acusação de russofobia tem ressonância. O gerente de um restaurante especializado em grelhados na zona sul de Moscou, que se identificou como Iuri, dizia na noite de quarta que o Ocidente usa o caso para tentar prejudicar Putin. Confrontado com as vantagens retóricas que a situação dá ao presidente, que busca elevar o máximo possível o comparecimento às urnas para legitimizar o pleito, ele aquiesceu, só para insistir que há um cerco contra o seu país.
Para exemplificar isso, Zakharova disse que a embaixada russa em Londres emitiu quatro notas à chancelaria britânica requisitando diálogo sobre o caso Skripal, e não teria recebido nenhuma resposta. "A Rússia expressou oficialmente sua prontidão para trabalhar, mas Londres não quis cooperar dentro do arcabouço legal da Organização para Proibição de Armas Químicas", disse ela, adicionando que nos últimos anos o governo britânico vinha trabalhando para dificultar a extensão de vistos a diplomatas e funcionários da representação russa.
ENTENDA O CASO
Skripal vivia no Reino Unido desde 2010, quando foi solto após passar seis anos na cadeia por traição. Ele era coronel do serviço secreto militar russo e, durante nove anos, foi agente duplo a serviço dos britânicos, fornecendo o nome de espiões do Kremlin na Europa. Perdoado judicialmente, fez parte de uma troca de espiões entre Rússia e Estados Unidos chamada Programa Ilegal. No mesmo ano, emigrou para o Reino Unido.
Iulia, sua filha, estava visitando o pai quando o ataque ocorreu, ainda em circunstâncias não esclarecidas. O agente neurotóxico usado, chamado Novitchok (novato, em russo), é dispensado na forma de pó inalável ou absorvível pela pele, e mata por contrações involuntárias de músculos como o coração e o diafragma, sendo extremamente letal.
O caso chamou atenção imediatamente pela similaridade de circunstâncias com a morte de outro ex-espião russo envenenado no Reino Unido, Alexander Litvinenko, em 2006. Só que naquele episódio o agente, que morreu ao ser exposto ao isótopo radioativo polônio-210, trabalhava ativamente contra Moscou -que nega participação no assassinato. Skripal, por sua vez, teoricamente não tinha mais nenhuma relevância no jogo geopolítico. Com informações da Folhapress.