Imagem de onda populista mundial é enganadora, diz cientista político
Para Jan-Werner Müller, líderes como Trump e Erdogan dependem de apoio do establishment
© REUTERS/Henry Nicholls
Mundo Jan-Werner Müller
MARCO RODRIGO ALMEIDA - SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Professor de ciência política na Universidade Princeton (EUA), o alemão Jan-Werner Müller observa com apreensão os resultados das eleições nos EUA e na Europa nos últimos anos, mas, ao contrário de muitos de seus pares, vê com ceticismo a afirmação de que o mundo passa por uma onda populista.
Müller se tornou referência sobre o tema após publicar, em 2016, o livro "What Is Populism?" (o que é populismo?, inédito no Brasil).
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Passou os últimos três anos comentando os governos de Donald Trump (EUA), Nicolás Maduro (Venezuela), Recep Tayyip Erdogan (Turquia) e Viktor Orbán (Hungria), entre outros. Todos são exemplo de populismo que ameaça a democracia, diz o cientista político, mas isso não basta para configurar uma força populista global.
Como define o populismo?
Müller - O político populista afirma que ele, e apenas ele, possui o monopólio da moral e da representação, que apenas ele representa o povo, pois conhece suas reais necessidades. É o caso claro de Donald Trump, nos EUA.
E assim ele vai dizer que seus oponentes são ilegítimos, que não fazem parte do "verdadeiro povo", que são corruptos, desleais etc. Ou seja, o debate de ideias, ponto central de uma democracia, torna-se uma luta moralista.
Há diferença entre populistas de esquerda e de direita?
Müller - A diferença tem relação com o conteúdo dos discursos, mas a intenção é a mesma: dizer que apenas eles representam a população.
O populismo está difundido em todos os espectros políticos. Um populista de esquerda tem como bandeira a inclusão das minorias, dos setores marginalizados. E um de direita aborda em seus discursos valores familiares e religiosos, questões mais econômicas, restrições à imigração.
Percebe uma onda populista no mundo, como dizem muitos cientistas políticos?
Müller - Sou um pouco cético em relação a afirmações desse tipo. Acho que é uma imagem simplista e enganadora. Existe um clichê de que estamos vivendo uma situação irreversível. O populismo não é uma força autônoma global. Populistas ganharam eleições importantes, mas isso não configura uma onda.
O fato é que, na Europa e nos EUA, populistas tomaram o poder com a colaboração do establishment, da elite conservadora. No Reino Unido, o Partido Conservador dizia que o brexit era OK. Trump se elegeu por um partido forte, tradicional. As pessoas tiveram a escolha de apoiar ou n ão propostas populistas.
O senhor destacou a vitória de vários políticos populistas nos últimos anos. Seria uma coincidência, então?
Müller - É muito difícil dizer. Alguns fatores podem desempenhar um papel, como a revolta da população em relação à classe política. Existe uma clivagem produzida pela globalização.Comentou-se muito sobre um possível efeito Trump após as eleições americanas. Um país pode copiar técnicas populistas de outro país, pode se inspirar numa experiência vitoriosa.
É um processo dinâmico. Não existe uma causa única que explique o que ocorreu em cada um desses países, que determine os acontecimentos no mundo. Culpar apenas a globalização ou a raiva do cidadão comum é uma visão simplória. Cada país apresenta um contexto próprio.
Qual o principal perigo do populismo para a democracia?
Müller - No nível mais básico, não existe democracia sem pluralismo. E o populismo é antipluralista. O populista diz que seus oponentes são cidadãos de segunda classe, que não merecem ser ouvidos.
O populista sempre refuta a crítica de qualquer instituição independente. Coloca em descrédito todas as instituições. Se algumas pessoas protestam contra o governo, o líder populista diz que não são cidadãos verdadeiros, que são manipulados pela CIA, por George Soros.
O líder populista se diz representante da verdade, mas a democracia não tem tanto a ver com a verdade, e sim com a legítima administração de conflitos. É um processo dinâmico e complexo.A polarização não é, em si, uma ameaça. É legítima, contanto que todos se reconheçam como participantes legítimos do debate. Isso o populismo não faz.
Classificaria Bolsonaro como populista?
Müller - Não quero ser um panfleto teórico que vai de um lugar para outro e diz às pessoas quem é quem.Se você acha que ele é um antipluralista, que é alguém que faz uma guerra cultural com a reivindicação de que apenas ele representa as pessoas reais, que todo o resto é corrupto, você decide. Há fortes indícios para você decidir.