'EUA não estão prontos para abordar famílias imigrantes'
Opinião é do fotojornalsta John Morre, que cobre a fronteira entre México e Estados Unidos
© Reuters
Mundo Opinião
"A segurança na fronteira é desenhada para barrar indivíduos, não famílias." Esta é a constatação de John Moore, premiado fotojornalista que há mais de dez anos cobre a fronteira entre México e EUA.
Moore, 51, que está em São Paulo para um evento fechado da agência Getty Images, é o autor da foto de uma garotinha chorando ao ver sua mãe sendo abordada por um agente de segurança americano ao cruzar ilegalmente o limite entre os dois países.
O registro virou símbolo da separação de crianças de seus pais na fronteira, determinada pelo presidente Donald Trump em 2018.
Segundo o fotógrafo, havia uma "tradição de anos" pela qual indivíduos cruzavam ilegalmente do México para os EUA em busca de trabalho sazonal -homens mexicanos sozinhos, entre os 20 e os 40 anos, que voltariam ao país de origem em poucos meses.
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Mas o 11 de Setembro fez com que esse cenário se alterasse gradativamente. "Desde que comecei a fotografar imigrantes, cada vez mais quem atravessa são famílias da América Central fugindo da violência, da pobreza, e às vezes dos efeitos das mudanças climáticas, como a seca."
São grupos de três ou quatro pessoas que não necessariamente são pai, mãe e filhos. Pode ser um tio com seu sobrinho ou adultos traficando crianças, afirma o fotógrafo.
A mudança de perfil trouxe novos desafios para os agentes da fronteira americana, acostumados a perseguir imigrantes isolados em verdadeiras caçadas humanas por florestas, pelos desertos do Arizona e do Novo México e até pelas águas do rio Grande.
"As famílias se entregam, buscam asilo político, não há mais caçada humana. Os agentes recebem muitas pessoas em lugares remotos e não dispõem de médicos para tratar as crianças que chegam doentes."
Em dezembro, uma guatemalteca de 7 anos sofreu desidratação quando estava sob custódia da CBP, a Agência de Alfândega e Proteção de Fronteiras. Ela havia atravessado ilegalmente com seu pai pelo deserto do Novo México.
Outro desafio é que, no governo Trump, a aplicação das leis migratórias passou a ser mais "agressiva", nas palavras de Moore, embora não tenha havido alteração em relação à legislação da era Obama.
Na prática, isso significa que mesmo ilegais que estão nos EUA há anos, inclusive com filhos que têm cidadania americana, passaram a "viver em estado de medo", afirma, pois podem ser deportados a qualquer momento.
Em junho do ano passado, dias depois de Trump ter determinado que crianças seriam separadas de seus familiares ao atravessarem ilegalmente a fronteira com o México, Moore pediu a agentes da CBP para acompanhá-los.
Assim encontrou Sandra, a mãe, e Yanela, a criança de dois anos, que chegavam a McAllen, no Texas, após atravessar o rio Grande em um bote com outras dez pessoas.
Por volta de meia-noite, quando o grupo era revistado por agentes de segurança, o oficial pediu à mulher que soltasse a criança no chão, "momento no qual me ajoelhei em uma perna e tirei seis fotos".
Ele não sabia se mãe e filha, depois de viajarem trinta dias vindas de Honduras, seriam separadas –não foram.
Nas semanas seguintes, Sandra e Yanela passaram por três centros de detenção de imigrantes no Texas. Um foi descrito por Sandra como "caixa de gelo", porque era muito frio, e outro comparado a um canil, pois elas se sentiam em jaulas para cachorros.
A dupla foi então levada para a região de Washington, onde está até hoje esperando a primeira audiência da justiça de imigração.
O registro da criança chorando, "um breve momento de ansiedade de separação", na descrição de Moore, rodou o mundo como a cara da política de tolerância zero de Trump. A imagem concorre como fotografia do ano no World Press Photo 2019, o prêmio mais importante de fotojornalismo mundial.
Antes de se dedicar à fotografar a fronteira, Moore clicou alguns dos principais conflitos do século 21, como a Guerra do Iraque, a Primavera Árabe e o assassinato da líder de oposição paquistanesa Benazir Bhutto.
Ele diz que essas experiências o deixaram com um olhar "mais humano" para os imigrantes que agora retrata: "Quero que eles sintam que eu os trato com dignidade". Com informações da Folhapress.