Governo Bolsonaro extinguiu comitês de ação de incidentes com óleo
O Ministério Público Federal entrou com ação contra a governo federal por omissão diante do o maior desastre ambiental no litoral brasileiro
© Carolina Antunes/PR
Política Comité
SÃO PAULO, SP, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A extinção por parte do governo Jair Bolsonaro (PSL), em abril, de mais de 50 conselhos deu fim a dois comitês que integravam o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água (PNC), instituído em 2013.
Na quinta-feira (17), o Ministério Público Federal entrou com ação contra a governo federal por omissão diante do o maior desastre ambiental no litoral brasileiro e pediu que a Justiça Federal obrigue a União a colocar o PNC em ação em 24 horas.
Segundo a Procuradoria, a União não está adotando as medidas adequadas para responder à emergência.
Até a sexta-feira (18), 187 locais de 77 municípios do Nordeste foram atingidos por manchas de óleo, segundo o Ibama. O MPF afirma que 2.100 km nos nove estados da região foram afetados desde o fim de agosto, quando as primeiras manchas de óleo foram avistadas na Paraíba.
Segundo fontes ouvidas pela Folha de S.Paulo no Ministério do Meio Ambiente, no Ibama e em ONGs, a extinção dos conselhos pode ser parte da explicação para a demora e a desorganização do governo no combate às manchas de óleo.
Instituído pelo governo Dilma Rousseff (PT), o PNC tem o objetivo de preparar o país para casos justamente como esse. Também prevê a organização de diferentes órgãos do governo e a definição de procedimentos para atuação conjunta de agentes públicos na resposta a incidentes de poluição por petróleo ou combustíveis em águas brasileiras.
Por decreto, Bolsonaro extinguiu conselhos, comissões, comitês, juntas e outras entidades criadas por decretos ou por medidas administrativas inferiores no primeiro semestre. Foram mantidos apenas aqueles criados na gestão atual e os criados por lei.
Na estrutura do PNC havia dois comitês que foram extintos: o Executivo e o de Suporte. Ambos eram compostos por Ministério do Meio Ambiente, Ministério de Minas e Energia, Marinha, Ibama, Agência Nacional do Petróleo, entre outros.
Seria do Comitê Executivo a atribuição de elaborar simulados e treinamento de pessoal e manter recursos para a resposta à emergência. Era dele também a responsabilidade de elaborar o manual de resposta a emergências, que ainda não teria sido aprovado.
Já ao Comitê de Suporte cabia a indicação de recursos humanos e materiais para ações de resposta a incidentes com óleo e liberar a entrada de profissionais ou equipamentos importados no país.
Conforme prevê o plano, o governo criou um grupo de acompanhamento e avaliação, composto por representantes da Marinha, do Ibama e da ANP, que analisa a situação e define prioridades na atuação da Petrobras.
Pesquisa nos arquivos da Marinha e do Ibama, porém, mostra que as poucas ações compreenderam a participação e ou realização de seminários sobre o tema. Em um deles, na semana passada, coube à Petrobras simular sozinha o combate a uma emergência.
Não há informações sobre a atuação das outras estruturas previstas no plano, como o Comitê de Suporte.
Segundo o decreto, a liderança do Plano Nacional de Contingência é da autoridade nacional, representada pelo Ministério do Meio Ambiente.
Mas, até o momento, os trabalhos de limpeza e contenção do petróleo vêm sendo feitos pela Petrobras, embora a empresa não seja apontada como responsável pelo derramamento, sob coordenação do Ibama.Em nota, o instituto diz que realiza a avaliação do impacto e direciona as ações de resposta, enquanto a estatal responde pela contratação de mão de obra e organização das frentes de trabalho.
A Petrobras diz ter mobilizado cerca de 1.700 pessoas para a limpeza das áreas impactadas e mais de 50 empregados próprios para planejamento e execução da resposta. A estatal acionou os centros de defesa ambiental e estruturas de emergência em suas unidades operacionais.
Ainda não está claro quem pagará os custos da operação. Procurado, o Ministério do Meio Ambiente ainda não respondeu questões sobre o acionamento e funcionamento do Plano Nacional de Contingência.
A extinção dos comitês do PNC é uma parte do problema, agravado por deficiências nos quadros do MMA, segundo Anna Carolina Lobo, coordenadora do programa mata atlântica e marinho da WWF-Brasil.
Pesa ainda a complexidade do vazamento enfrentado, considerando que ainda não se conhece sua origem ou tamanho real, o que dificulta possíveis medidas de contenção, e o fato da mancha de óleo normalmente se mover abaixo da superfície do mar, o que dificulta a detecção por satélite.
Com a extinção dos dois comitês pelo governo Bolsonaro, o Grupo de Acompanhamento e Avaliação tornou-se o membro mais importante do Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água (PNC).
Um especialista em petróleo que preferiu não se identificar afirma que a extinção não deveria ter, a princípio, prejudicado a resposta do governo, já que os comitês serviam para assessorar o grupo.Segundo fontes ouvidas pela reportagem, o governo demorou a perceber o tamanho do problema, e, portanto, foi lento a agir de forma mais contundente para conter a crise.
"Se o plano nacional fosse acionado e colocado em prática, haveria um centro de ação centralizado e mais transparência", afirma Thiago Almeida, porta-voz do Greenpeace.As declarações de Jair Bolsonaro sobre o assunto centraram-se em suposições sobre uma suposta ação criminosa, sem que haja provas. O presidente também sugeriu que ONGs teriam ignorado o derramamento de óleo.
Ataques a ONGs têm feito parte da postura do governo na área ambiental. Apesar da fala do presidente, organizações que atuam na área manifestaram-se sobre o tema.O presidente voltou ao assunto nesta sexta (18). Desta vez, questionou se o vazamento poderia ter sido cometido intencionalmente para prejudicar o megaleilão da cessão onerosa, previsto para novembro."Poderia ser uma ação criminosa para prejudicar esse leilão? É uma pergunta que está no ar", disse o presidente em vídeo transmitido no Facebook ao lado do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e oficiais da Marinha.
Ele voltou a ressaltar no vídeo que o óleo é venezuelano. O Ibama confirmou a origem, mas disse que isso não significa que a Venezuela seja a responsável pelo vazamento.A Venezuela negou na semana passada responsabilidade no caso. O ministro da Defesa disse que provavelmente é um crime ambiental porque não houve notificação –não há confirmação de que se trata de uma vazamento de um navio.
Pelo Twitter, o presidente afirmou na quinta-feira (17) que o governo federal montou uma força tarefa para interceder no assunto. Ele cita a participação de 1.700 agentes ambientais e 50 funcionários da Petrobras na operação coordenada pelo Ibama.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por sua vez, fez dois sobrevoos no litoral para conferir as manchas de óleo. Na quarta-feira, disse que a hipótese mais provável é que o material "tenha vazado de um navio, seja durante transporte de um navio para o outro, seja uma avaria ou despejamento."A visita foi criticada pelo governador Rui Costa (PT). "Se reúne em sigilo, posa para foto na praia e vai embora. Nenhuma ligação deu. Mostra o descaso, desrespeito", disse.
Salles ainda afirmou que não é possível saber quanto ainda existe de óleo no mar nem como prever se novas manchas aparecerão. O ministro não respondeu às ligações e mensagens da Folha de S.Paulo.