Número 2 da Saúde traz 'faca na caveira' para entrevistas coletivas
O detalhe foi notado pelo colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, e o adereço já havia aparecido em outras entrevistas
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Política EDUARDO-PAZUELLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A mutação do Ministério da Saúde em uma espécie de Organização Militar, com 25 fardados ocupando cargos antes de técnicos da área com a interinidade do general Eduardo Pazuello na pasta, tem provocado alguns estranhamentos.
Além das críticas objetivas à tentativa de ocultar números da Covid-19 no país, chamou a atenção na entrevista coletiva concedida no ministério na segunda (9) a presença de uma caveira com uma uma faca enfiada na forma de um broche na lapela do número 2 do órgão, Elcio Franco.
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O detalhe foi notado pelo colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, e o adereço já havia aparecido em outras entrevistas. Diferentemente do que pode parecer, a proverbial "faca na caveira" popularizada pelo capitão Nascimento no filme "Tropa de Elite" (José Padilha, 2006) não é uma glorificação da morte entre os militares.
Franco é coronel de Forças Especiais do Exército, tendo ido à reserva após 39 anos em março do ano passado. Foi o assessor para o tema no Estado-Maior da Força, embora sua presença na Saúde se dá pelo trabalho que fez em Boa Vista (RR), primeiro na Operação Acolhida de refugiados venezuelanos e, depois, como secretário estadual da área.
Isso dito, na sua lapela estava a faca na caveira, assim como antes esteve apenas um punhal. São símbolos mais ou menos universais de comandos de Forças Especiais, que remontam à Segunda Guerra Mundial.
Uma lenda entre fardados conta que, perto do fim do conflito, comandos britânicos tomaram um quartel das Waffen-SS, divisão combatente das temidas tropas de assalto de Adolf Hitler.
A caveira com ossos cruzados era o símbolo das SS, e um soldado teria encontrado um modelo em cima de uma mesa no quartel. Tirou sua faca, que já era o símbolo dos comandos britânicos, e cravou no crânio. Daí em diante, a variação começou a surgir em insígnias de tropas especiais do mundo todo.
O site do Exército Brasileiro apresenta uma versão simplificada da história, que essencialmente diz a mesma coisa: o trabalho dos comandos é vencer a morte, conquistá-la.
Nem todo mundo concorda com essa leitura, digamos, positiva, ao menos no Brasil do século 21. A faca na caveira do Bope (Batalhão de Operações Especiais) do Rio virou um símbolo conhecidíssimo a partir do filme, mas é associada por grupos de direitos humanos com a brutalidade policial.
O símbolo no Exército, usado pelas Forças Especiais, vem com uma faca vermelha do sangue adversário enfiada por baixo de uma caveira, sob fundo verde (as matas predominantes no país) e preto (a noite, ideal para ações furtivas), com a inscrição "Comandos".
No brasão do Comando de Operações Especiais, visitado na semana retrasada por Jair Bolsonaro em Goiânia, a caveira divide espaço com um punhal empunhado sobre um paraquedas e a descrição de um salto de paraquedista sobre o mapa do Brasil.
A heráldica militar tem uma longa tradição do emprego das caveiras. Regimentos hussardos, de cavalaria ligeira muito comuns na Europa até o fim do século 19, muitas vezes tinha chapéus ornados com crânios.
Tradicionalmente, eles fazem referência à ausência do medo da morte e também aos perigos do campo de combate, além de buscar impingir terror ao adversário.São centenas os exemplos de caveiras adotadas como símbolo de regimentos terrestres ou esquadrões aéreos, esses a partir da Primeira Guerra Mundial (1914-18). As SS trouxeram infâmia ao símbolo, que de todo modo segue firme e forte –e provocando polêmica.
Nada mais adequado pra um Ministério da Saúde que trabalha pra produzir tragédia do que usar um símbolo carregado de morte e violência. Não precisa nem conhecer semiótica.https://t.co/f6ShcSbftf
— Vivi Mendes (@vivimendes_sp) June 9, 2020