Veto à reeleição no Congresso foi incluído na Constituição de maneira explícita
Apesar do veto da Constituição, o STF (Supremo Tribunal Federal) já tem quatro votos para liberar a possibilidade de reeleição de Maia e Alcolumbre.
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Política CONGRESSO-PRESIDÊNCIA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - As regras para as eleições dos comandos da Câmara e do Senado foram escritas com o objetivo expresso de proibir casos como os dos atuais presidentes das duas Casas, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Apesar do veto da Constituição, o STF (Supremo Tribunal Federal) já tem quatro votos para liberar a possibilidade de reeleição de Maia e Alcolumbre dentro de uma mesma legislatura.
Até o momento, no julgamento com votos por escrito que vai até o dia 14, uma segunda-feira, os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes votaram a favor da reeleição dos dois, e Kassio Nunes defendeu a possibilidade de recondução apenas de Alcolumbre.
Registros da Assembleia Nacional Constituinte mostram que os responsáveis pelo texto discutiram e aprovaram esse veto de maneira explícita.
Os limites para a reeleição da cúpula da Câmara e do Senado foram reforçados numa reunião da Comissão de Redação, oito dias antes da aprovação final do texto, como mostram as notas taquigráficas da época.
Deputados e senadores constituintes fizeram uma mudança naquelas regras para deixar a proibição mais clara.
O STF deve abrir caminho para que esse limite seja desrespeitado pelo Congresso, permitindo a reeleição de Maia e Alcolumbre para um novo mandato - a despeito da intenção dos constituintes.
Ministros argumentam que é possível "o afastamento da letra da Constituição" em nome da autonomia do Poder Legislativo.
Durante a elaboração da Carta, o assunto foi debatido separadamente num encontro da Comissão de Redação, no dia 14 de setembro de 1988. Deputados e senadores constituintes discutiam ajustes no artigo 57, que estabelece regras para o funcionamento do Congresso.
Nelson Jobim (PMDB-RS), que anos mais tarde se tornaria ministro e presidente do STF, esclareceu o objetivo dos constituintes ao estabelecer a regra.
Ele disse que o artigo tinha a finalidade de evitar a reeleição para as mesas diretoras do Congresso dentro de uma mesma legislatura -caso de Alcolumbre e de Maia.
"O dispositivo foi redigido prevendo-se um mandato de dois anos. O que se quer evitar? Que a mesa eleita no primeiro ano da legislatura seja reeleita para o terceiro e o quarto ano da legislatura", declarou o deputado.
Jobim acrescentou: "Este é o sentido do texto quando diz 'no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros, eleição das respectivas mesas, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente'. Ou seja, subsequente ao quê? À eleição realizada no primeiro ano da legislatura".
O deputado disse ainda que não haveria proibição de que "a mesa eleita no terceiro ano da legislatura possa ser reeleita no primeiro ano da legislatura seguinte".
Embora essa fosse a intenção, a reeleição em legislaturas diferentes só foi liberada em 1999, quando Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Michel Temer (PMDB-SP) conseguiram um segundo mandato consecutivo para comandar o Senado e a Câmara.
Logo em seguida, a Comissão de Redação da Assembleia Nacional Constituinte aprovou um ajuste no texto para deixar clara a proibição da reeleição dentro de uma mesma legislatura. A votação simbólica foi comandada por Ulysses Guimarães (PMDB-SP), presidente da Assembleia.
Uma alteração no artigo 57 para reforçar os limites de reeleição no Congresso havia sido proposta pelo senador constituinte Jarbas Passarinho (PDS-PA).
Até então, o parágrafo 5º -que depois se tornaria o parágrafo 4º- dizia apenas: "Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente".
Passarinho apontou uma "omissão" no texto. Ele afirmou que o parágrafo dava a entender que as mesas diretoras poderiam ser eleitas para períodos de quatro anos, que é a duração de uma legislatura. O senador sugeriu que aquele trecho fosse redigido da seguinte maneira: "para a eleição das respectivas Mesas, por dois anos, vedada a recondução".
Os ajustes no artigo 57 foram aprovados naquela reunião da comissão. No dia 22 de setembro, a redação final da Constituição foi aprovada pela Assembleia.
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O QUE A CONSTITUIÇÃO DIZ SOBRE O CASO
Veto à recondução
O artigo 57, parágrafo 4º da Carta afirma: "Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente".
Julgamento no STF
A corte vai começar a decidir nesta sexta-feira (4) se permite a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, e de Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado.
A simpatia de ministros com a postura dos dois nos enfrentamentos de Bolsonaro com o STF, mudanças constitucionais recentes e as articulações políticas nos bastidores têm alimentado a esperança de ambos de continuarem à frente do Congresso.
Os cinco ministros que já votaram defenderam que a reeleição pode ser autorizada por mudança no regimento, "questão de ordem ou "qualquer outro meio de fixação de entendimento próprio à atividade parlamentar".
Visão do Planalto
O julgamento também será acompanhado de perto pelo Palácio do Planalto. O governo simpatiza com a manutenção de Alcolumbre à frente do Senado, mas trabalha para eleger Arthur Lira (PP-AL), réu no Supremo por corrupção passiva, e derrotar Maia ou o candidato apoiado por ele para presidir a Câmara. A decisão do STF é considerada peça fundamental no xadrez da disputa pela sucessão no Congresso.
Posição da PGR e da AGU
Em parecer concluído em setembro e enviado ao STF, a Procuradoria-Geral da República defende que a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado é assunto interno do Legislativo. A Advocacia-Geral da União tem o mesmo posicionamento, expresso em documento também de setembro.
A leitura política é que, com isso, o governo acenou positivamente à recondução de Alcolumbre. As manifestações não são contabilizadas no julgamento, mas servem para auxiliar os ministros a tomarem uma decisão.