Ignorar isolamento na Covid foi obsessão de Bolsonaro
A postura na atual crise se soma a outras prioridades do chefe do Executivo com pouco respaldo científico ou técnico, mas que foram insistentemente citadas em seus dois anos de governo
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Política JAIR-BOLSONARO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Contrariando a OMS (Organização Mundial da Saúde), infectologistas brasileiros e governadores, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defendeu ao longo do ano o fim do isolamento social em meio à pandemia de Covid-19.
Além de falar, o chefe do Executivo agiu -diversas vezes. Neste mês, visitou a Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo), onde discursou para centenas de trabalhadores e permissionários da companhia aglomerados -muitos não usavam máscara.
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Na noite de segunda (21), participou de jantar de confraternização em São Francisco do Sul (SC) com o ministro Fábio Faria (Comunicações), o senador Jorginho Mello (PL-SC), o empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, e o apresentador do SBT Ratinho -todos sem máscara.
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No começo de dezembro, evento de Natal organizado pela primeira-dama, Michelle Bolsonaro, no Palácio da Alvorada promoveu a aglomeração de dezenas de crianças. O presidente foi anfitrião.
A postura na atual crise se soma a outras prioridades do chefe do Executivo com pouco respaldo científico ou técnico, mas que foram insistentemente citadas em seus dois anos de governo.
Confira, abaixo, algumas delas:
ATROPELAR ORIENTAÇÕES DE SAÚDE
Em uma de suas primeiras declarações sobre a Covid-19, no início de março, Bolsonaro afirmou que o "poder de destruição" do vírus estava superdimensionado. Assim seguiram as suas falas seguintes sobre a pandemia, com raras exceções.
Em pronunciamento oficial em rádio e televisão do dia 24 de março, disse que "devemos, sim, voltar à normalidade". Contra as medidas de isolamento social, Bolsonaro já entrou em confronto com Luiz Henrique Mandetta, então ministro da Saúde, governadores e antigos aliados.
O presidente vem defendendo o que ele chama de "isolamento vertical", que se aplicaria apenas a pessoas em grupo de risco. Durante protesto dos seus seguidores, no dia 15 de março, Bolsonaro, que ainda faria um teste para saber se estava infectado, foi até grupo que se aglomerava em frente ao Palácio da Alvorada, e, por uma grade, esticou o braço para tocar manifestantes e manusear o celular dos presentes e fazer selfies.
No dia 25 de março, Bolsonaro afirmou, pelo Twitter, que havia atualizado o decreto 10.282 de 2020 que diz quais serviços podem ser impactados por decisões locais relacionadas à pandemia do coronavírus.
Ele incluíra as casas lotéricas na lista de serviços essenciais que não podem ser fechados, o que foi revogado pela Justiça Federal do Rio de Janeiro. Ele também foi proibido de adotar medidas contrárias ao isolamento social.
Depois de quatro dias, voltou a falar de decreto: "Eu estou com vontade, não sei se eu vou fazer, de baixar um decreto amanhã: toda e qualquer profissão legalmente existente ou aquela que é voltada para a informalidade, se for necessária para levar o sustento para os seus filhos (...) vai poder trabalhar". A ideia não foi para frente.
Em julho, o presidente afirmou que havia contraído a doença. "Estou perfeitamente bem", afirmou Bolsonaro, ao anunciar, de máscara, o resultado positivo para Covid-19 em entrevista.
Neste mês, em meio a uma "guerra da vacina" com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou: "Eu não vou tomar vacina e ponto final. Minha vida está em risco? O problema é meu".
Também criticou decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) no sentido de permitir que o Estado imponha restrições a quem não tomar o imunizante. "O Supremo, com todo respeito, tomou uma medida antecipada. Nem vacina tem. Não vai ter para todo mundo", afirmou em live.
HIDROXICLOROQUINA
Na crise de saúde, Bolsonaro se agarrou à hidroxicloroquina, que não tem comprovação científica para tratamento da Covid-19.
No dia 21 de março, o presidente anunciou que o Exército ampliaria a produção da substância. Na época, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) havia informado não recomendar sua utilização em pacientes infectados pelo novo coronavírus.
Naquele dia, ele também afirmou que não acredita que o sistema de saúde colapsará. "Estamos alargando a curva de infecção e eu estou confiando no remédio que está sendo testado aqui e fora do Brasil."
Depois de quatro dias, Bolsonaro escreveu, em sua conta no Twitter, que os remédios têm se mostrado eficazes e que "nos próximos dias, tais resultados poderão ser apresentados ao público, trazendo o necessário ambiente de tranquilidade e serenidade ao Brasil e ao mundo".
E assim seguiu, em outros episódios. Em reunião do G20, Bolsonaro deixou à mostra remédio feito com hidroxicloroquina. Em giro por Brasília, três dias depois, disse que "graças a Deus o remédio está aí".
Após receber diagnóstico de Covid-19, em julho, publicou um vídeo em redes sociais em que tomava uma dose de hidroxicloroquina e afirmava que, "com toda certeza", o tratamento "está dando certo".
Em dezembro, enquanto outros países anunciavam início de programas de vacinação, o chefe do Executivo voltou ao tema em discurso em Porto Seguro (BA).
"Não sou médico. Sou capitão do Exército. Ligamos para embaixadores da África e perguntamos por que o número de mortes é pequeno. 'Chega com Covid, toma cloroquina e se safa'. Por que se perseguiu e proibiu a cloroquina? A troco de quê? ", questionou
CNH E RADARES
No ano passado, Bolsonaro encaminhou projeto de lei para dobrar o limite de pontuação e estender a validade da CNH (Carteira Nacional de Habilitação), entre outros itens. Foi aprovado no Congresso neste ano, com mudanças.
O texto inicial previa isenção de multa para quem transportasse criança fora das cadeirinhas de retenção e gerou alvoroço. Ao reagir às críticas, o presidente manteve a sua posição: "Está mexendo com o seu filho. Precisa estar na lei algo para o seu filho ser protegido? Nem precisava de lei. Quem tem responsabilidade sabe disso, vai lá e bota a cadeirinha atrás e leva o bebê ali atrás."
Não foi a primeira vez que o presidente depositou confiança no senso de responsabilidade do motorista.
Em transmissão ao vivo, afirmou que não existe local de risco nas estradas. "Ninguém é otário de ter uma curva na frente, uma ribanceira, o cara entrar a 80 km/h, 90 km/h, a 100 km/h. Não é otário, não faz isso aí."
Também em 2019, o jornal Folha de S.Paulo revelou que o presidente, três de seus filhos e sua mulher, Michelle, receberam ao menos 44 multas de trânsito nos últimos cinco anos, segundo registros do Detran-RJ (Departamento de Trânsito do Rio de Janeiro).
SEXUALIDADE
No Carnaval de 2019, após ser alvo de protestos de foliões, Bolsonaro publicou em sua conta do Twitter um vídeo em que um homem enfia o dedo no próprio ânus e recebe um jato de urina na nuca.
No dia seguinte, após repercussão negativa, fez uma nova postagem, dessa vez perguntando: "O que é golden shower?", nome da prática que divulgou.
Em maio de 2019, Bolsonaro perguntou a um homem de feições asiáticas que o abordou no aeroporto de Manaus: "Tudo pequenininho aí?", entre sorrisos dos assessores. Isso foi um mês depois de afirmar, em uma entrevista ao Silvio Santos que está "na ativa, sem aditivos", referindo-se a medicamentos contra impotência sexual.
BANANAS DO VALE DO RIBEIRA
Barrar as bananas do Equador, na contramão das medidas liberais do ministro Paulo Guedes (Economia), parece ter sido outra prioridade de Bolsonaro.
Em transmissão ao vivo em uma rede social, em março do ano passado, ele disse que iria "acabar com o fantasma" da importação da fruta, cultivada no Vale do Ribeira, no estado de São Paulo, onde foi criado.
"Gostaria de pedir desculpas para o pessoal do Vale do Ribeira. Acho que estão nos finalmentes os estudos da [ministra da Agricultura] Tereza Cristina para que esta instrução normativa seja revogada."
NOVA CANCÚN
Em maio de 2019, Bolsonaro afirmou que revogaria decreto de preservação da Estação Ecológica de Tamoios, em Angra dos Reis. Durante um evento em Brasília, repetiu o argumento do potencial turístico da região: "Nós podemos ser protagonistas de fazer com que a baía de Angra seja uma nova Cancún".
Em outubro, disse que defendeu investimentos no local, durante encontro com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman.
"Eu propus ao príncipe herdeiro investimento na baía de Angra para nós a transformarmos numa Cancún. Depois de uma explanação, ele falou que está pronto para investir na baía de Angra. Mas isso passa por um projeto para revogar um decreto ambiental", afirmou.
É o mesmo local em que o presidente tem uma casa e onde foi autuado por pesca ilegal. A multa de R$ 10 mil, confirmada em duas instâncias no Ibama, foi anulada pela Advocacia-Geral da União no ano passado.
Bolsonaro alegou, durante o processo, que não estava no local, apesar das fotos tiradas pelo agente do instituto.
Um ano depois do episódio, ainda como deputado, ele apresentou um projeto de lei que determinava o desarmamento de todos os fiscais do Ibama e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) em ações de campo.
Ainda em 2013, Bolsonaro tentou uma autorização para a pesca amadora na região por meio de um mandado de segurança na Justiça Federal.
Em março de 2019, José Augusto Morelli, que flagrou Bolsonaro pescando ilegalmente, foi exonerado. A ação foi considerada uma retaliação pelo servidor.
TOMADA DE TRÊS PINOS
Na esteira do decreto que acabou com o horário de verão, no início de 2019, veio o anúncio da cruzada contra a tomada padronizada no Brasil, em um pronunciamento que revelou outras duas preocupações do governo.
"Temos que nos livrar da tomada de três pinos, das urnas eletrônicas inauditáveis e do acordo ortográfico", afirmou Filipe Garcia Martins, assessor internacional de Bolsonaro, em uma rede social, no dia 6 de abril de 2019.
Esse tipo de tomada passou a ser obrigatória em 2011, sob a justificativa de ser mais segura. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, o secretário especial de Produtividade e Competitividade, Carlos Alexandre da Costa, afirmou que o assunto não deve ser visto como algo "folclórico". "É um tema que afeta a segurança, a concorrência e a produtividade."F-1
NO RIO
Não é mais novidade o conflito entre o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e Bolsonaro. O atrito entre os dois, porém, teve início em junho de 2019.
Na época, o presidente afirmou que havia 99% de chance de a F-1 ser transferida de São Paulo para o Rio de Janeiro a partir de 2021. O anúncio ocorreu em uma reunião com diretores da categoria e o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, no Palácio do Planalto.
No início, a intenção era mudar o local das provas já em 2020. "O autódromo [no Rio de Janeiro] será construído em seis, sete meses após o início das obras. De modo que, por ocasião da F-1 do ano que vem, ela será no Rio", afirmou no dia 8 de maio de 2019, mesma data em que assinou um termo de cooperação para a mudança do local.
No dia 25 de junho, Doria reagiu: "Não quero desmerecer, mas recomendo de uma maneira sutil: visitem Deodoro. Sobrevoem a área, vocês não vão conseguir chegar lá. Não tem estrada, só a cavalo", afirmou, em uma entrevista coletiva. Ao que Bolsonaro retrucou: "A imprensa diz que ele [Doria] será candidato a presidente em 2022. Então, tem que pensar no Brasil, e não no seu estado."
NIÓBIO
Em visita ao Japão para a Cúpula do G20 em 2019, o presidente quis atestar uma ideia que prega desde que era pré-candidato à Presidência, em 2017, ainda filiado ao PSC.
Para Bolsonaro, o Brasil tem um subaproveitamento do nióbio. O metal pode ser utilizado em gasodutos, turbinas e até em foguetes espaciais e reatores nucleares.
Na defesa do aproveitamento do recurso, ele também ataca outra de suas obsessões, a demarcação de terras indígenas. Bolsonaro costuma dizer que o país deveria ter maior controle sobre suas reservas de nióbio e que há jazidas gigantes do produto ainda inexploradas por estarem em terras indígenas.
Foi na Câmara dos Deputados, em 2016, que ele tomou essa missão para si, evocando a figura do fundador do Partido de Reedificação da Ordem Nacional (Prona): "Quero seguir a linha do saudoso Enéas Carneiro, não obviamente com o conhecimento que ele tinha sobre o assunto. Foi uma pessoa ímpar, que infelizmente o Brasil perdeu muito cedo. Falarei sobre a questão do nióbio."
Em transmissão ao vivo, destacou a utilização do metal em joias.
"Tem de várias cores. A vantagem em relação ao ouro são as cores, e ninguém tem relação alérgica ao nióbio. Alguns têm ao ouro. Às vezes a mãe bota um brinquinho na orelha da menina -menina, deixar bem claro- e tem reação, e isso aqui [nióbio] não tem."
ARMAS
Flexibilizar o armamento é uma das bandeiras mais antigas de Bolsonaro, especialmente no campo. Um de seus bordões enquanto deputado e candidato à Presidência era: "Cartão de visita para marginal do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] é cartucho 762."
Desde que assumiu a Presidência, tenta aprovar a medida. Em janeiro do ano passado, assinou decreto em que facilita posse de armas. Com recuos e questionamentos do Congresso e do STF, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado derrubou parecer favorável.
Em junho do ano passado, após afirmar que não abriria mão da medida, Bolsonaro recuou e apresentou três novos decretos em que revoga textos anteriores.
Neste mês, zerou a alíquota de importação de revólveres e pistolas, medida suspensa em seguida pelo ministro do STF Edson Fachin.