Entenda inquéritos no STF que envolvem Bolsonaro
No inquérito das fake news, aliados de Bolsonaro também são investigados. Entre eles, as deputadas Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP)
© Getty
Política BOLSONARO-STF
Os três inquéritos têm Bolsonaro como alvo?
Não. O presidente da República figura como parte apenas na investigação sobre a suposta interferência na Polícia Federal denunciada por Moro. Os outros dois inquéritos, no entanto, já envolveram pessoas próximas e os filhos do chefe do Executivo.
Na investigação sobre atos antidemocráticos, por exemplo, a Polícia Federal colheu informações que reforçam a ligação de assessores especiais do chamado "gabinete do ódio" da Presidência com youtubers bolsonaristas suspeitos de estimular os ataques às instituições. O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filhos do presidente, chegaram a prestar depoimento nesse caso na condição de testemunha.
No inquérito das fake news, aliados de Bolsonaro também são investigados. Entre eles, as deputadas Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP).
Por que as apurações foram instauradas?
O então presidente do STF, Dias Toffoli, afirmou que a instauração do inquérito contra fake news era necessária "considerando a existência de notícias fraudulentas, denunciações caluniosas, ameaças e infrações que atingem a honorabilidade do STF, de seus membros e familiares".
Alexandre de Moraes, relator dos casos, por sua vez, argumentou que protestos com pautas como o retorno da ditadura militar "são inconstitucionais e não se confundem com a liberdade de expressão as manifestações que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático".
Já o então ministro Celso de Mello ressaltou a importância de apurar a veracidade das acusações de Moro e destacou que "ninguém tem legitimidade para transgredir e vilipendiar as leis e a Constituição de nosso país".
Quando as investigações foram abertas?
A mais antiga, que apura uma rede de ameaças e notícias falsas contra ministros do Supremo, foi aberta em 14 de março de 2019. Toffoli anunciou a instauração do inquérito na abertura da sessão do plenário da corte daquela data.
Praticamente um ano depois, em 19 de março de 2020, apoiadores do presidente fizeram manifestações, com a presença de Bolsonaro, pedindo o fechamento do Congresso e do STF. No dia seguinte, a PGR (Procuradoria-Geral da República) pediu instauração de inquérito e um dia depois Moraes autorizou o início das investigações sobre os organizadores dos atos antidemocráticos.
Já a apuração sobre a veracidade das acusações de Moro contra Bolsonaro foi abertas em 27 de abril de 2020, três dias depois de o ex-ministro pedir demissão do governo.
Quando os inquéritos serão concluídos?
No dia 16 de dezembro, Moraes prorrogou as três investigações por 90 dias. O prazo de três meses para conclusão do relatório sobre a suposta interferência do presidente na autonomia da Polícia Federal começa a contar a partir de 27 de janeiro, data prevista até então para encerramento do caso.
Em relação aos atos antidemocráticos, a extensão de 90 dias passou a contar em 25 de dezembro e para as apurações no caso das fake news a contagem se inicia em 15 de janeiro. Apesar do prazo estabelecido, nada impede Moraes de estender ainda mais a tramitação dos casos.
Por que Moraes é responsável pelos três casos?
O ministro foi sorteado relator da investigação contra organizadores de atos antidemocráticos. Já o inquérito que apura a veracidade das acusações de Moro contra Bolsonaro, Moraes herdou, por sorteio, do ministro Celso de Mello, que se aposentou em outubro e era o responsável pelo caso.
Na apuração relativa às fake news contra integrantes do Supremo, Moraes foi escolhido relator pelo então presidente da corte, ministro Dias Toffoli. A indicação foi criticada por não ter havido sorteio de relatoria, como ocorre na maioria dos processos que tramitam na corte.
Toffoli, por sua vez, citou dispositivo do regimento interno do tribunal que permite a abertura de investigações para apurar crimes cometidos dentro da instituição e estabelece que, nesse caso, é permitida a designação de juiz para conduzir a apuração, sem que haja sorteio.
Além de mirar blogs que propagam notícias fraudulentas, os inquéritos já foram usados para censurar a imprensa?
Sim. Em 15 de abril de 2019, Moraes determinou, no âmbito do inquérito das fake news, a retirada do ar de reportagem e nota da revista Crusoé e do site O Antagonista que citavam Toffoli.
O ministro estipulou multa diária de R$ 100 mil e mandou a Polícia Federal ouvir os responsáveis pela revista e pelo site em até 72 horas. Crusoé e O Antagonista recorreram. Após sofrer duras críticas, Moraes revogou a própria decisão.
Quais são os alvos do inquérito das fake news e como o grupo atua?
Os investigadores do caso dividiram os investigados em três grupos: operadores de uma rede de ataques a autoridades, possíveis financiadores das atividades e parlamentares aliados do presidente Jair Bolsonaro. No primeiro, Allan dos Santos é um dos mais influentes. Sara Winter, líder de um grupo armado de extrema direita, que foi presa no inquérito dos atos antidemocráticos, também integra esse bloco relacionado à apuração das fake news.Quais deputados o inquérito das fake news já atingiu?
Em maio do ano passado, Moraes determinou que seis deputados federais da base de Bolsonaro prestassem depoimento à Polícia Federal. São eles: Bia Kicis (PSL-DF), Carla Zambelli (PSL-SP), Daniel Silveira (PSL-RJ), Filipe Barros (PSL-PR), Junio Amaral (PSL-MG) e Luiz Phillipe de Orleans e Bragança (PSL-SP). Além disso, os deputados estaduais Douglas Garcia (PSL-SP) e Gil Diniz (PSL-SP) também tiveram de prestar depoimento à polícia.
Quem são os suspeitos de financiar a rede de ataques ao Supremo?
Moraes determinou a quebra de sigilo bancário e fiscal de três suspeitos de financiar o grupo que espalha notícias falsas e ameaças aos ministros do STF. Um deles é o dono das lojas Havan, Luciano Hang, que se notabilizou como um dos principais aliados do presidente. Além dele, tiveram os sigilos quebrados Edgard Corona, dono da rede de academias SmartFit e BioRitmo e Reynaldo Bianchi Júnior, músico e humorista. Otavio Fakhoury, investidor do setor imobiliário, também foi alvo do inquérito.
Quais são os principais alvos do inquérito dos atos antidemocráticos?
A investigação da Polícia Federal e da PGR chega perto do núcleo político do presidente e atingem nomes importantes do Aliança pelo Brasil, partido que Bolsonaro quer fundar.
O segundo vice-presidente da sigla, que ainda não foi criada oficialmente, o empresário Luís Felipe Belmonte, foi alvo de busca e apreensão e é um dos investigados. Sérgio Lima, um dos idealizadores da legenda e que se autointitula marqueteiro do partido, também foi alvo de mandado de busca e apreensão. Em março de 2020, ele esteve na comitiva de Jair Bolsonaro em viagem aos Estados Unidos.
O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) e o blogueiro Allan dos Santos também são investigados e tiveram busca em suas casas por determinação de Moraes. Além deles, são investigados blogueiros que mantêm sites de apoio a Bolsonaro, como Roberto Boni e Ernane Neto.
Carlos e Eduardo Bolsonaro, filhos do presidente, estão envolvidos na organização dos atos?
Os parlamentares não figuram como investigados no caso e prestaram depoimento na condição de testemunha. A oitiva de Eduardo durou mais de seis horas.
Ele confirmou participação em reunião com Allan dos Santos, mas negou que tenha repassado notícias falsas ou incentivado pautas antidemocráticas. Carlos também negou estimular protestos pelo fechamento do Congresso e do Supremo e ainda refutou a ideia de uso de robôs para impulsionar informações falsas nas redes. "Jamais fui covarde ou canalha a ponto de utilizar robôs e omitir essa informação", disse.
Qual a relação entre as investigações sobre fake news e a ação em curso no TSE que pede a cassação de Bolsonaro devido ao disparo em massa de notícias falsas nas eleições de 2018?
Em junho, o então relator das ações do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Og Fernandes (atualmente o relator é Luís Felipe Salomão), acolheu pedido do PT e autorizou o uso das provas obtidas no inquérito do STF nas investigações em curso na Justiça Eleitoral. Um indicativo de que os casos podem ter conexão se deve ao fato de Moraes ter determinado a quebra dos sigilos bancário e fiscal do empresário Luciano Hang desde junho de 2018, ou seja, ainda no período eleitoral.
O Palácio do Planalto teme que o compartilhamento de provas fortaleça a representação eleitoral que apura um esquema financiado por empresários durante o pleito de 2018, via caixa dois, para disseminação em massa de notícias falsas em favor de Bolsonaro e contra seus adversários. Cabe a Moraes autorizar o TSE a usar as provas obtidas em apuração no âmbito do STF. Em junho, o ministro sinalizou favoravelmente, mas afirmou que era necessário aguardar a perícia nas provas para uma decisão definitiva, o que ainda não ocorreu.
Os três inquéritos têm alguma relação entre si?
Apesar de terem sido abertos por motivos distintos, os inquéritos das fake news e o dos atos antidemocráticos têm alvos em comum e as investigações podem se cruzar. O blogueiro Allan dos Santos, o empresário Otávio Fakhoury e o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) são três exemplos de pessoas investigadas em ambas as apurações. J
á o inquérito que apura as acusações contra Bolsonaro não tem, até o momento, nenhum cruzamento com as duas outras investigações.
Quais podem ser as consequências das investigações?
Caberá à PGR analisar os fatos e apresentar ou não denúncia contra os investigados para que respondam pelos possíveis crimes cometidos. No caso do inquérito das fake news, que não teve início a pedido da PGR, em muitos casos a Procuradoria tem enviado a instâncias inferiores elementos que incriminem investigados sem foro especial.
O inquérito sobre as acusações de Moro podem levar ao impeachment de Bolsonaro?
Caso a PGR decida denunciar o presidente, o Legislativo deverá autorizar a abertura do processo, com voto favorável de dois terços da Câmara dos Deputados, para que as investigações prossigam. O STF, então, decidirá se recebe a denúncia e, se abrir o processo, o presidente é afastado enquanto durar o julgamento, por até 180 dias.
Se a Câmara não autorizar, as investigações são retomadas em primeira instância após o presidente deixar o cargo.
Qual estágio do inquérito?
As investigações estão paralisadas devido ao impasse em relação ao modelo de depoimento que deverá ser prestado por Bolsonaro.
Celso de Mello mandou o presidente ser ouvido presencialmente, mas tirou licença médica na ocasião e, nesse ínterim, Marco Aurélio acolheu em parte o recurso do presidente e mandou para o plenário o pedido do chefe do Executivo para depor por escrito.
O atual presidente do STF, Luiz Fux, marcou para 24 de fevereiro o julgamento do caso.Quais crimes são investigados?
No pedido de abertura do inquérito, Aras, aponta a eventual ocorrência de seis delitos: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça e corrupção passiva privilegiada.
O que Moro disse à Polícia Federal em depoimento?
O ex-ministro detalhou a pressão exercida por Bolsonaro para ter ingerência sobre a PF, que fica na alçada do Ministério da Justiça, então comandado por Moro. Em uma mensagem de WhastApp, o presidente falou ao então auxiliar: "Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro".
Qual a relação desse episódio com a indicação do delegado Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal, que foi suspensa pelo Supremo?
Moro afirmou que a intenção de Bolsonaro era indicar Ramagem para comandar a corporação no lugar de Maurício Valeixo, que era homem de confiança de Moro.
Dias depois, o presidente confirmou a declaração do ex-ministro ao nomear o delegado para chefiar a corporação. Moraes, porém, foi sorteado relator de uma ação do PDT e julgou procedente o pedido que buscava o veto à posse de Ramagem com base no princípio da moralidade e da impessoalidade da administração pública.
O que dizem os investigados?
Hang, da Havan, negou que tenha produzido notícias falsas sobre ministro do STF. Allan dos Santos escreveu, em maio, em uma rede social que "quem não deve não teme". O empresário Otávio Fakhoury negou ter participado de atos ilícitos. Corona, da rede Smart Fit, fisse que não financiou a fabricação nem a divulgação de fake news. Os deputados do PSL atacaram as ações do STF. Daniel Silveira, por exemplo, publicou: "E ainda dizem que a independência e harmonia entre os poderes permanecem... Você acredita?".
Leia Também: Racha no PSL deve tirar Eduardo Bolsonaro de comissão de política externa