'Era necessário local de fala para dar um basta', diz Contarato após ataque homofóbico
O senador rebateu ataques promovidos pelo empresário Otávio Fakhoury, que é investigado pela CPI
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Política CPI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Após ter confrontado diretamente o autor de um ataque homofóbico durante sessão da CPI da Covid, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) afirma que pensou duas vezes antes de expor sua família, mas considerou que era necessário se posicionar para que outras pessoas não passem pela mesma situação.
"Somos um país preconceituoso, sexista, homofóbico, racista, misógino. Era necessário esse local de fala para dar um basta nisso. A gente não pode perder a capacidade de indignação", disse Contarato ao jornal Folha de S.Paulo enquanto deixava o plenário nesta quinta-feira (30).
Durante a sessão, o senador confrontou o empresário bolsonarista Otávio Fakhoury, que havia atacado a orientação sexual de Contarato em suas redes sociais. O empresário republicou um tuíte no qual o parlamentar comete um erro de grafia, criticando-o com um comentário homofóbico.
"O delegado, homossexual assumido, talvez estivesse pensando no perfume de alguma pessoa ali daquele plenário. Quem seria o 'perfumado' que lhe cativou", escreveu Fakhoury.
Logo no início da sessão, Contarato ocupou a cadeira da presidência da CPI, ao lado do depoente, e confrontou o seu agressor. Disse que "dinheiro não compra dignidade, não compra caráter". E afirmou que a família de Fakhoury não é melhor do que a sua, formada por ele, seu marido e dois filhos negros, Gabriel, de 7 anos, e Mariana, de 2.
O empresário recuou, disse que se tratava de uma brincadeira, pediu desculpas e se retratou do comentário.
Apesar de ter recebido o apoio dos membros da comissão, o senador reconhece que alguns deles podem ter a mesma visão do empresário. Prova disso, argumenta, é que os principais direitos conquistados pela comunidade LGBTQIA+ se deu via Judiciário e não por iniciativas do Legislativo.
PERGUNTA - O que sentiu ao ler o tuíte do empresário Otávio Fakhoury?
FABIANO CONTARATO - É um ato criminoso, de tamanha covardia, porque as pessoas ficam atrás de uma rede social para praticar um crime que só quem passa por ele sabe a dor que é. E não tem dinheiro, não tem conduta criminosa que tire essa dor. Então me senti violentado, vítima de um crime de homofobia, praticado por essa pessoa.
Como foi a decisão de confrontá-lo?
FB - Desde ontem [quarta-feira] e ainda hoje eu estava na dúvida se devia expor minha vida pessoal, minha família, meus filhos. É um ato muito difícil, mas eu tinha que fazer isso para que outras pessoas não passem pelo que estamos passando. Porque infelizmente falar que todos somos iguais perante a lei é longe da realidade.
Somos um país preconceituoso, sexista, homofóbico, racista, misógino. Era necessário esse local de fala para dar um basta nisso. A gente não pode perder a capacidade de indignação.
Como foi confrontar o agressor diretamente, olhando em seus olhos, em uma transmissão ao vivo?
FB - Na verdade, o que eu vi foi uma pessoa com valores diferentes. Quando eu perguntei para ele qual a imagem que quer passar para seus filhos, é porque a imagem que eu quero passar para meus filhos é uma que passe pela dignidade da pessoa humana.
Ele fez uma introdução na fala, do currículo dele, que fala língua estrangeira, de profissões, cargos, status e dinheiro. Mas tem algo que pra mim é muito mais significativo, que é quando você dá valor efetivamente à sua educação e a esses conceitos que passam pela ética, pela moral, pela dignidade, pelo decoro, pela humildade, pela compaixão.
Então ali, naquele momento, eu fui ver e senti um misto de tristeza, até, de decepção com o ser humano. Qual o valor que determinados seres humanos nutrem e passam para os filhos? Os filhos costumam olhar para os pais como espelhos. Qual a imagem que está transmitindo para os filhos, qual a consciência que fica? Isso que me motivou a falar e essa foi a percepção que eu tive com ele ali.
Acha que ele aprendeu alguma coisa?
FB - Isso só ele com juízo de valor interno é que vai responder. Não basta também pedir perdão, quando ofendeu não só a mim, mas a toda a população. E não digo só a população LGBTQIA+, porque ele violou um tratado internacional do qual o Brasil é signatário.
Ele violou uma premissa constitucional e um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, que está no artigo 3º, inciso 4, que diz que um dos princípios da República é promover o bem-estar de todos e abolir toda e qualquer forma de discriminação.
E não basta pedir perdão. Quando a gente tem a humildade, que é uma das melhores virtudes do ser humano, de reconhecer o erro e pedir perdão, mas o que você faz para modificar o comportamento? Espero do fundo do coração que ele, a partir de hoje, tenha mudado o comportamento e mude o comportamento não só em relação à população LGBTQIA+, mas em relação a mulheres, negros, indígenas, quilombolas, a sociedade como um todo. Porque todos devemos ser iguais perante a lei.
O sr. recebeu apoio unânime dos senadores membros da CPI, governistas e oposição. Considera a hipótese de que alguns deles pensam como Fakhoury?
FB - Considero sim, infelizmente, porque é um comportamento pró-forma. Porque se você fizer uma análise de todas essas conquistas da população LGBTQIA+, aí falo direito ao casamento, direito à adoção, direito ao nome social, recebimento de pensão por morte de companheiro por óbito de companheiro, criminalização da homofobia, direito de doar sangue, todos esses direitos não se deram pela via adequada do processo legislativo.
Se deram pelo Poder Judiciário. Essa é uma Casa [o Senado] que sistematicamente nega direitos à população LGBTQIA+, às mulheres, aos negros, aos indígenas, aos quilombolas. Então obviamente agradeço toda a demonstração de afeto e carinho, mas sei efetivamente que muitos ali têm um comportamento apenas de educação para com o ato de violência que foi praticado, mesmo porque a equiparação da homofobia ao racismo é um dos poucos crimes considerados inafiançáveis e imprescritíveis. É preciso dar um basta e coibir toda e qualquer forma de discriminação e preconceito.
O sr. citou uma frase do reverendo Martin Luther King e disse ter o sonho de não ser julgado por sua orientação sexual. As manifestações de apoio dão uma esperança ou ainda vê esse sonho muito longe?
FB - Muito longe, infelizmente. Falar que todos somos iguais perante a lei, sem discriminação de qualquer natureza, não é uma realidade. Dos Três Poderes, o único que nunca foi presidido por uma mulher foi esse aqui.
Estive em Salvador antes da pandemia e 85% da população de Salvador é composta de negros e pardos, mas nunca elegeram um prefeito negro ou pardo. Isso tem que mudar, tem que dizer alguma coisa. Essa é uma violência simbólica que dói tanto ou mais que uma violência real.
Estive na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul. Dos 24 deputados, nenhuma mulher e 52% da população é composta de mulheres. Mais uma vez estamos nós, na grande maioria brancos, ricos, engravatados decidindo a vida de milhões de pobres.
Infelizmente, se você tratar um perfil sociológico do Parlamento brasileiro, não representa a população, que tem 60 milhões de brasileiros em situação de pobreza e extrema pobreza, 25 milhões de empregados subutilizados e esses não têm representatividade nenhuma. Esses sofrem o rigor das leis impostas por uma camada economicamente mais privilegiada.
O sr. acompanhou a repercussão nas redes sociais dos eventos ocorridos na sessão?
FB - Fico muito feliz e até me emociona. Porque quando a gente passa por isso, é muito difícil.
Essa é a importância do local de fala, porque eu fiquei muito na dúvida se eu deveria me expor, mas tenho recebido tantas mensagens das pessoas que nunca vi na minha vida que, meu Deus, hoje eu falo: se conseguir tocar na vida de uma pessoa e se essa pessoa mudar o comportamento, se você tem um pai ou mãe, se você tem um filho que é da população LGBTQIA+, mãe, tio, sobrinho, abrace ele incondicionalmente.
O princípio da dignidade da pessoa humana é inerente a todos. Orientação sexual jamais vai definir o caráter.
Fabiano Contarato, 55
Nascido em Nova Venécia (ES), formou-se em direito e atuou como delegado de polícia, especificamente como delegado de trânsito. Elegeu-se em 2018 para o Senado, seu primeiro cargo eletivo. Foi o primeiro senador eleito declaradamente homossexual. Pertence à Rede Sustentabilidade.