Alcolumbre reage a pressão de Bolsonaro e evangélicos após travar indicação ao STF
A indicação de um ministro do STF ligado à bancada evangélica é uma demanda de líderes de grupos religiosos, que têm cobrado tanto o governo como o Senado
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Política DAVI-ALCOLUMBRE
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), reagiu nesta quarta-feira (13) à pressão para pautar a sabatina de André Mendonça para uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal), afirmando que não aceita "ameaças" e que querem transformar a sua autonomia em "ato político e guerra religiosa".
O senador mantém emperrada há três meses a tramitação do nome indicado por Jair Bolsonaro para integrar a corte. A nomeação não é votada no Senado porque a CCJ ainda não marcou data para a sabatina de Mendonça, escolhido com base no perfil "terrivelmente evangélico" prometido pelo presidente da República ao segmento religioso.
Apesar da pressão, Alcolumbre sinalizou que deixará a análise do caso por mais tempo na gaveta. O senador se posicionou nesta quarta pela primeira vez, divulgando uma nota pública, no mesmo dia em que Bolsonaro afirmou que ele estava "jogando fora das quatro linhas da Constituição".
Na segunda-feira (11), Alcolumbre encontrou-se com o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e reclamou de ataques proferidos por evangélicos, que têm ameaçado sua reeleição no Amapá em 2022. Ele disse que isso só ocorre porque há o aval do presidente da República.
O presidente da CCJ disse em sua nota nesta quarta que tem sofrido "agressões de toda ordem". "Agridem minha religião, acusam-me de intolerância religiosa, atacam minha família, acusam-me de interesses pessoais fantasiosos. Querem transformar a legítima autonomia do presidente da CCJ em ato político e guerra religiosa", afirma Alcolumbre, que é judeu.
O senador diz ainda que não aceitará "ser ameaçado, intimidado, perseguido ou chantageado com o aval ou a participação de quem quer que seja".
Alcolumbre vinha mantendo uma posição mais discreta sobre a disputa, apesar da crescente pressão de senadores, líderes partidários, religiosos e do Palácio do Planalto.
Ele afirmou que a CCJ tem muitas propostas na fila para serem analisadas ("cerca de 1.748 matérias, todas de enorme relevância para a sociedade brasileira") e disse que dará prioridade para temas para destravar o crescimento econômico e controlar a inflação, dois problemas que corroem a popularidade de Jair Bolsonaro.
"A prioridade do Poder Legislativo, no momento, deve ser a retomada do crescimento, a geração de empregos e o encontro de soluções para a alta dos preços que corroem o rendimento dos brasileiros", completou Alcolumbre, negando que sua conduta esteja ligada a alguma barganha política pessoal.
"Jamais condicionei ou subordinei o exercício do mandato a qualquer troca de favores políticos com quem quer que seja", diz.
"A defesa da democracia, da independência e harmonia entre as instituições e, sobretudo, da Constituição sempre balizou o meu posicionamento político. Diversas vezes me coloquei contra aqueles que buscavam a ruptura democrática, desrespeitando os Poderes constituídos, a liberdade de imprensa e a própria democracia para criar crises políticas que impediriam a governabilidade do país", afirma.
Como presidente do Senado, Alcolumbre manteve boa relação com Bolsonaro e encaminhou assuntos de interesse do governo. Nos últimos meses, deu sinais de insatisfação e passou a articular pela derrota do nome de Mendonça ao STF. Nos bastidores, defendeu a indicação do procurador-geral da República, Augusto Aras, para a vaga.
No domingo (9), Bolsonaro citou apoios dados ao senador para cobrar avanço na indicação feita ao STF. "Quem não está permitindo a sabatina é o Davi Alcolumbre. Teve tudo o que foi possível durante os dois anos comigo e de repente ele não quer o André Mendonça. Quem pode não querer é o plenário do Senado, não é ele. Ele pode votar contra, agora o que ele está fazendo não se faz. A indicação é minha", disse.
Nesta quarta (13), Bolsonaro falou do nome indicado ao STF logo no início de um evento em Miracatu (SP). O presidente citou cidades em que ele próprio morou, entre elas Eldorado Paulista, e emendou um apoio ao indicado ao STF, fazendo alusão ao fato de a família de Mendonça ser de Miracatu.
"Se Eldorado tem um presidente, se Deus quiser, brevemente, Miracatu terá um ministro do Supremo Tribunal Federal. À família de Miracatu, à família de André Mendonça, meus cumprimentos, por esse homem extremamente competente, capaz e inteligente. E dentro do meu compromisso, um evangélico para o Supremo Tribunal Federal."
Na nota divulgada nesta quarta, Alcolumbre afirma que a Constituição estabelece que a nomeação de um membro do STF não configura um "ato unilateral e impositivo do chefe do Executivo", exigindo a participação do Senado, que há prerrogativa dos presidentes das comissões permanentes para definir a pauta das sessões. Ele refutou qualquer interferência e falou em atenção "ao princípio da separação e harmonia dos Poderes".
O parlamentar citou decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do STF, que rejeitou na segunda (11) um pedido de parlamentares para que Alcolumbre fosse obrigado a marcar a data da sabatina de Mendonça. O magistrado afirmou que a decisão de pautar esse tema era questão interna do Legislativo e que não seria correta uma interferência do Judiciário. A aliados Alcolumbre tratou a decisão como uma vitória e avaliou que agora tem mais segurança jurídica para segurar a indicação de Mendonça.
Além disso, o senador recebeu sinalização do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), de que não haverá interferência superior na CCJ para destravar o caso Mendonça.
A indicação de um ministro do STF ligado à bancada evangélica é uma demanda de líderes de grupos religiosos, que têm cobrado tanto o governo como o Senado.
Como o jornal Folha de S.Paulo mostrou, líderes evangélicos se insurgiram contra articulações para apresentar uma alternativa ao nome de Mendonça.
O pastor Silas Malafaia, aliado de Bolsonaro, fez cobranças públicas e divulgou um vídeo com ataques a Ciro Nogueira (Casa Civil), líder do centrão, a quem acusa de participar da ofensiva contra a indicação de um "terrivelmente evangélico". O ministro rebateu, dizendo faltar informação ao líder religioso.
Apesar da pressão, Alcolumbre reafirmou nos últimos dias a senadores que só pautará a sabatina de André Mendonça quando tiver certeza da derrota do nome pelo plenário. Aliados do senador avaliam que ele atua com o respaldo de ala da Casa, que estaria dividida ao meio, e até mesmo de integrantes do governo.
O próprio Flávio Bolsonaro nunca foi considerado grande fã de Mendonça -e por isso senadores não veem atuação forte dele para que Alcolumbre libere a indicação.
No encontro com Flávio na segunda, o presidente da CCJ criticou Bolsonaro por ingratidão pela declaração do mandatário de que ajudou o parlamentar ao longo de dois anos quando ele era presidente do Senado, sem citar qualquer retribuição. O senador afirmou que ajudou Bolsonaro a ter governabilidade no Legislativo e aprovar matérias de interesse no governo.
Embora de maneira discreta, Flávio colocou-se à disposição para melhorar o diálogo entre o senador e o presidente da República e ficou de marcar um encontro entre ambos, embora ainda não tenha data para que isso ocorra.
No Palácio do Planalto, apesar da reação de Alcolumbre, ministros dizem acreditar que será possível buscar um entendimento e que ele vai destravar a sabatina.
Para aliados de Bolsonaro, a nova postura de Alcolumbre representa uma forma de conseguir um "aceno" do presidente da República e conseguir uma saída "honrosa" para a situação, tendo percebido que não iria conseguir mudar a indicação de Mendonça em favor de Augusto Aras.
Um líder do governo diz que essa não foi a primeira vez que Flávio Bolsonaro teria se colocado como uma ponte de diálogo com Alcolumbre. Os dois já teriam se reunido para tratar da questão Mendonça em outras situações. No fim de agosto, por exemplo, o senador pelo Amapá teria reclamado ao filho do presidente dos ataques de caráter antissemita que vinha recebendo nas redes sociais.
Flávio Bolsonaro teria garantido que o Planalto não tinha relação com esses episódios e que se mostrava disposto a dialogar para encontrar uma saída para a situação de Mendonça.
Também nesta quarta-feira (13), o senador Esperidião Amin (PP-SC) apresentou uma questão de ordem solicitando que Rodrigo Pacheco marque uma data para a sabatina de Mendonça ou que traga a análise para o plenário. O pedido leva em conta um prazo regimental de 20 dias para que a CCJ analise as propostas que chegam à comissão.
Pacheco, no entanto, afirmou que vai decidir futuramente sobre a questão de ordem, mas demonstrou que não deverá intervir no colegiado.
"[A CCJ] Tem o seu tempo, a sua prerrogativa, a sua autonomia. Não pode haver essa interferência por parte da presidência no âmbito do funcionamento de uma comissão. Assim como eu não o fiz no âmbito da CPI, no andamento dela, isso também se aplica às demais comissões da Casa. Há um ex-presidente do Senado que merece todo o meu respeito, que é presidente da CCJ hoje, que por certo tomará as melhores decisões", disse.
A posição do presidente do Senado frustrou o pedido de aliados do governo. A expectativa era que o pedido fosse negado. Nesse caso, Amin poderia recorrer da recusa da questão de ordem ao plenário, no qual o grupo afirma ter maioria.
Além disso, nesse caso, Pacheco poderia pedir um parecer à CCJ, que deveria ser emitido em dois dias.
Em outra frente, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), começou a colher assinaturas na própria CCJ em apoio à sabatina de Mendonça. O objetivo é apresentar a Alcolumbre a lista com a assinatura da maioria dos 27 membros.
ENTENDA TRAMITAÇÃO DA INDICAÇÃO AO STF NO SENADO
A avaliação sobre a nomeação é feita pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça)
A principal etapa na comissão é a realização de uma sabatina do candidato pelos congressistas. Concluída a sabatina, a CCJ prepara um parecer sobre a nomeação e envia a análise ao plenário
A decisão sobre a indicação é feita em uma sessão plenária da Casa. A aprovação do nome só ocorre se for obtida maioria absoluta, ou seja, ao menos 41 dos 81 senadores.
Depois da aprovação pelo Senado, o presidente pode publicar a nomeação e o escolhido pode tomar posse no tribunal