CGU aponta pagamentos e ocupações irregulares de 2,3 mil militares
Há problemas como acúmulo de funções simultâneas por militares da ativa e recebimento dobrado de salários e benefícios que extrapolam o teto constitucional
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Política Dinheiro público
Uma auditoria interna do governo, realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU), sobre a atuação de militares em cargos públicos aponta indícios de irregularidades em pagamentos e ocupações de 2.327 militares e seus pensionistas. Segundo a investigação, há problemas como acúmulo de funções simultâneas por militares da ativa e recebimento dobrado de salários e benefícios que extrapolam o teto constitucional.
O Estadão teve acesso ao relatório da auditoria da CGU, responsável por fiscalizar o patrimônio público e combater crimes de corrupção e fraudes. O objetivo da apuração foi verificar a situação dos militares que passaram a trabalhar para o governo federal, um contingente que triplicou na gestão de Jair Bolsonaro e que, conforme levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU), ultrapassa 6 mil pessoas. O relatório, concluído no mês passado, se baseou em informações dos Ministérios da Economia e da Defesa.
Os auditores se concentraram em dados de dezembro de 2020. A partir daí, cruzaram informações do Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape) e do Sistema de Informações de Empresas Estatais (Siest), que armazenam as informações de pagamentos a agentes públicos do governo federal.
'Vinculação ilícita'
Foram encontrados 558 casos de ocupação simultânea de cargos militares e civis sem nenhum tipo de amparo legal para isso. Deste total, 522 militares ocupam postos na administração pública direta e outros 36, em estatais federais. "Como consequência, tem-se a possível vinculação ilícita de militares a cargos, empregos ou funções civis. Essa situação pode ensejar danos ao erário e à imagem da administração pública federal", diz o relatório da CGU.
Além disso, há centenas de casos que extrapolam o prazo máximo de atuação paralela dos militares, se consideradas aquelas situações de exceção em que esse trabalho simultâneo é permitido. O levantamento mostra que 930 militares se enquadram em casos legais de acúmulo de cargos, mas desrespeitam o limite legal de até dois anos neste tipo de função simultânea e seguem recebendo salário da administração pública, em descumprimento das leis.
"Tem-se como possível causa residual a eventual má-fé de militares ao permanecerem como requisitados para atividades civis federais por tempo prolongado, nos casos em que estejam cientes da irregularidade", afirma o relatório. "O comando constitucional é claro em limitar o vínculo civil de militares ao período máximo de dois anos, devendo o militar ser transferido para a reserva caso a situação do vínculo temporário persista."
Vencimentos
Outra irregularidade detectada pelos auditores diz respeito a salários. Foram identificados 729 militares e pensionistas de militares com vínculo de agente público federal que receberam acima do teto constitucional, sem sofrerem nenhum tipo de abatimento em seus vencimentos. Em dezembro de 2020, o salário-teto no Brasil, baseado no que é recebido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, era de R$ 39.293,32. De acordo com a CGU, se todos os casos levassem à devolução do dinheiro público pago a mais, só em dezembro de 2020 teriam de ser devolvidos R$ 5,139 milhões aos cofres públicos.
A regra do teto constitucional, afirma a CGU, "deve ser observada para todos os agentes públicos, civis ou militares", mas enfrenta mais desafios quanto ao controle no caso de militares e seus pensionistas, porque, nestes casos, "os benefícios são pagos por órgãos distintos, sendo o único controle existente a autodeclaração do beneficiário".
Para chegar ao resultado, os auditores fizeram "amplo estudo normativo, em busca de todos os regramentos relacionados ao tema", para excluir cenários em que o vínculo simultâneo entre o serviço militar e público tenha amparo legal. Foram excluídos casos de militares da reserva ou reformados que estejam ocupando cargo público. O resultado também deixa de fora os militares ligados à área de saúde e que passaram a ocupar cargo público no mesmo setor da gestão pública. As exceções incluem ainda militares da ativa que estejam no serviço público para necessidades temporárias e dentro do prazo legal, além dos militares inativos contratados para atividades de natureza civil em caráter voluntário.
Apuração
Questionado, o Exército disse que a "identificação de coincidências de vínculos civil e militar" merece "análise pormenorizada, trazendo oportunidade de correção de possíveis inconsistências". "Cada inconsistência de dados está sendo avaliada individualmente. As providências corretivas serão adotadas, após ser dada a oportunidade de os envolvidos apresentarem justificativas", afirmou o Exército. "Será ressarcido qualquer valor que porventura tenha sido repassado de forma indevida." A Aeronáutica e a Marinha não responderam.
A Defesa declarou que identificou dois casos de irregularidades e o servidor "foi notificado a promover o ressarcimento dos valores, o que já vem ocorrendo". O Ministério da Economia disse, em nota, que as informações da auditoria "já foram encaminhadas diretamente aos órgãos envolvidos para manifestação e providências que eventualmente se fizerem necessárias".
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.