Tarcísio equilibra papéis e persegue marcas em 100 dias de governo
O governo teve desgastes em áreas como educação e transporte, mas viu arrefecer a má vontade da oposição por dois motivos: Tarcísio buscou se distanciar de radicalismos associados ao padrinho de sua candidatura, Jair Bolsonaro (PL), e abriu diálogo com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
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JOELMIR TAVARES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) completará cem dias no cargo se equilibrando entre gestos à base bolsonarista e acenos à esquerda, enquanto consolida a base de apoio na Assembleia Legislativa e lida com os percalços inerentes à função de administrar o estado de São Paulo.
O governo teve desgastes em áreas como educação e transporte, mas viu arrefecer a má vontade da oposição por dois motivos: Tarcísio buscou se distanciar de radicalismos associados ao padrinho de sua candidatura, Jair Bolsonaro (PL), e abriu diálogo com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Figura que quebrou o ciclo de quase 30 anos do PSDB na máquina estadual, o atual governador evitou rupturas drásticas com o modelo tucano, diferenciando-se por aspectos como o apetite maior por privatizações e a nomeação preferencial de técnicos em detrimento de políticos.
O governo programou para a manhã desta segunda-feira (10) um evento no Palácio dos Bandeirantes para um balanço dos cem primeiros dias.
No mesmo horário, a bancada de deputados estaduais do bloco PT/PV fará um ato explorando o mote de que a gestão chega à data "sem nada para apresentar".
O desempenho de Tarcísio é acompanhado com atenção tanto por políticos do entorno de Bolsonaro quanto por atores da direita que buscam uma alternativa para a eleição presidencial de 2026. Embora despiste em público sobre ser presidenciável, o governador se fortalece na bolsa de apostas.
Sucessor do governo tucano de João Doria e Rodrigo Garcia, o novo chefe do Executivo paulista passou por provas de fogo já em sua estreia que o colocaram na encruzilhada entre Bolsonaro e Lula, mas serviram de teste para a imagem de político conciliador que vendeu na campanha.
O ano começou com a pressão pela desmobilização dos acampamentos golpistas que germinaram os ataques em Brasília. O governo paulista agiu pela retirada dos radicais bolsonaristas após o quebra-quebra de 8 de janeiro, contrariando setores que tinham apoiado a eleição de Tarcísio.
A reação à depredação das sedes dos três Poderes colocou o governador na rota de Lula, a quem havia prometido, já na posse, manter uma relação profissional, deixando de lado diferenças ideológicas.
Convidado para ir à capital federal com os demais governadores do país para reafirmar o respeito às instituições e à democracia, Tarcísio vacilou a princípio sobre o comparecimento, mas decidiu ir após ser procurado pela presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber.
"Agora, eu e o presidente Lula somos sócios", discursou no início de fevereiro, repisando o discurso de que São Paulo precisa do Brasil para ir bem, e vice-versa.
Uma nova aproximação com o petista se deu após o estrago das chuvas no litoral norte do estado, com ações emergenciais envolvendo as esferas nacional e local no atendimento às vítimas do temporal que deixou 65 mortos. Bolsonaristas chiaram, mas prevaleceu o discurso da convivência republicana.
A afinação vista na tragédia não é a mesma quando se trata da concessão do porto de Santos, uma obsessão de Tarcísio que enfrenta resistência da gestão federal, responsável pelo complexo. As divergências foram colocadas à mesa em reuniões e estão, por ora, no campo das negociações.
O momento é também de trégua relativa da oposição, após medidas como a decisão de sancionar a lei que permite a distribuição de Cannabis medicinal pelo SUS no estado.
Antes disso, a preferência por nomes distantes do extremismo na montagem do secretariado tinha sido bem recebida, embora Guilherme Derrite (Segurança Pública), Sonaira Fernandes (Políticas para a Mulher) e Renato Feder (Educação) sejam criticados com pechas como bolsonarista e privatista.
Por outro lado, Tarcísio contemplou a base conservadora ligada ao ex-presidente quando derrubou a exigência de comprovante de vacinação contra a Covid-19 no estado.
Articulador da candidatura e hoje braço direito dele, Gilberto Kassab diz à Folha que o governador está sendo o moderado que prometeu ser. "Ficou consolidada a imagem de um governador que é realizador e muito responsável e tem espírito público", diz o secretário de Governo e Relações Institucionais.
Para Kassab, Tarcísio ganhou respeito inclusive da oposição. "Os que votaram nele têm todos os motivos para se orgulharem do seu voto e aqueles que não votaram nele têm todos os motivos para respeitá-lo", diz, acrescentando que a ordem é cumprir o slogan de campanha, de que "São Paulo pode mais".
Líder do bloco PT/PV, o deputado estadual Paulo Fiorilo afirma que não viu mudança na comparação com os anos de PSDB. "Vejo uma continuidade, nem pior nem melhor. Faltam medidas concretas para saber o que será o governo, que não mandou nenhum projeto estruturante para Assembleia."
Segundo o petista, Tarcísio está carente de uma base sólida no Legislativo -onde conta, em tese, com 53 dos 94 parlamentares. O desafio é neutralizar as queixas com a falta de espaço no governo e a escolha dos postos-chave na Casa. A margem para a aprovação de projetos, porém, está confortável.
Pela Assembleia passarão alguns dos temas cruciais para o governo, como a privatização da Sabesp, combatida pela esquerda. Também há críticas à suspensão do programa de psicólogos em escolas, agravada pela onda de violência, e à sequência de acidentes em linhas de trem e metrô.
A greve de metroviários, há duas semanas, arranhou a imagem do chefe do Executivo. O bate-boca envolveu a promessa de Tarcísio de liberar catracas, o pedido judicial para a volta do serviço, o sindicato acusando o governador de mentir e o estado falando em acordo descumprido.
Nesta segunda, o ato-protesto da oposição cobrará também investimentos em assistência social para os mais vulneráveis, soluções para a cracolândia e contratação de professores pelo estado.
O material a ser divulgado pelo Bandeirantes diz que o trabalho nos primeiros dias conciliou o atendimento a necessidades básicas da população com a busca de investimentos na economia. As missões do governador à Suíça, a Londres e a Paris foram parte do esforço. Na capital britânica, ele passou mal com uma crise renal e precisou ser internado para retirar um cálculo no último dia 27.
Outras crises se desenham, mas na esfera política, com o retorno de Bolsonaro ao Brasil e a disputa pelo apoio de Tarcísio na eleição para a Prefeitura de São Paulo -desejado pelo candidato à reeleição, Ricardo Nunes (MDB), e pelo campo conservador, que poderá ser representado por Ricardo Salles (PL).
As pressões por um mergulho no universo bolsonarista serão um teste para quem, até aqui, administrou contradições e tentou fazer do equilíbrio sua marca à frente do estado.