Governo Bolsonaro dobrou benefício a militares em acordo com Congresso
Os generais passaram a receber até R$ 300 mil no ato da aposentadoria –valor que, antes, chegava a R$ 150 mil
© Shutterstock - imagem ilustrativa
Política Forças Armadas
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) propôs e aprovou no Congresso uma lei que dobrou o benefício financeiro que militares têm ao ir à reserva. Na prática, os generais passaram a receber até R$ 300 mil no ato da aposentadoria –valor que, antes, chegava a R$ 150 mil. A mudança foi aprovada no âmbito da reforma da Previdência dos militares, em dezembro de 2019.
O texto, sugerido pelo Executivo e acatado pelos parlamentares, aumentou o benefício extra da aposentadoria de 4 para 8 vezes o salário do último posto que o militar assumir na ativa.
A justificativa usada nas negociações à época era que militares não têm acesso ao FGTS e, portanto, o pagamento de até R$ 300 mil seria uma forma de compensação.
O fundo foi criado para que trabalhadores de carteira assinada tivessem uma garantia de recursos em caso de demissão, numa alternativa à estabilidade no emprego. Por isso, servidores públicos em regime estatutário não têm direito ao FGTS.
O FGTS é abastecido com recursos do empregador –na carreira militar, descontos em folha se referem ao imposto de renda, à pensão militar e ao fundo de saúde.
Os militares ainda afirmavam que o aumento do benefício seria uma forma de amenizar o impacto da decisão do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 2001, de extinguir a licença especial a que os militares tinham direito.
O benefício era uma folga de seis meses que os militares tinham a cada 10 anos trabalhados. Muitos fardados, porém, deixavam de tirar as férias para receber em dinheiro, na ida à reserva, um valor equivalente ao dobro do que seria pago durante a licença especial.
Apesar do fim da benesse, os generais que estão no Alto Comando atualmente, que se formaram na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) no início dos anos 80, acumulam as licenças especiais não tiradas e o aumento da ajuda de custo quando se aposentam da carreira.
À época das discussões da reforma da Previdência dos militares, na Câmara, o único deputado que questionou o aumento do benefício foi Paulo Pimenta (PT-RS). Atualmente, ele é ministro da Secom (Secretaria de Comunicação Social) do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em emenda, o então deputado sugeriu que a ajuda de custo que o militar recebe quando vai para a reserva fosse extinta ao invés de aumentada.
"[É uma forma de] reduzir também a desigualdade causadora do distanciamento na remuneração entre as patentes dos militares, promovendo redução justa das diferenças, especialmente considerando que as patentes mais baixas enfrentam grandes dificuldades no exercício de suas funções", escreveu Pimenta na ocasião.
À época, os ministros Fernando Azevedo (Defesa) e Paulo Guedes (Economia) justificaram que as mudanças serviam para materializar a "necessidade da manutenção do reconhecimento do mérito, do compromisso, da dedicação exclusiva e da disponibilidade permanente do militar".
"A reestruturação e valorização da carreira militar, de forma compatível às suas funções de Estado, é necessária para que se mantenha um adequado grau de atratividade e estímulo à permanência de profissionais qualificados em suas fileiras", disseram os ministros, em mensagem enviada ao Congresso.
Paulo Pimenta é interlocutor próximo de associações que representam os praças do Exército. Ele viabilizou, em março, uma reunião de um grupo de militares reformados de baixa patente com Lula.
O grupo reivindica atualizações na reforma da Previdência dos militares –como a redução da diferença de valor que oficiais e praças recebem na ida à reserva ou reforma.
Procurado, Pimenta não se manifestou se mantém a posição contrária ao benefício dado aos militares. Fernando Azevedo também decidiu não comentar as mudanças.
Para a pós-doutoranda em ciência política da Unicamp Ana Penido, pesquisadora sobre as Forças Armadas, a reforma da Previdência dos militares trouxe benefícios à caserna de forma generalizada, em comparação com os trabalhadores civis.
"Havia um corte orçamentário na época, regras mais duras para a aposentadoria dos civis, e a carreira militar acabou com mais benefícios do que prejuízos com a reforma da Previdência deles", disse.
Penido avalia, porém, que a reforma foi ainda mais benéfica para os militares do topo da carreira –especialmente pelo aumento da ajuda de custo paga quando o oficial vai para a inatividade.
"Naquela época mesmo [da reforma] já havia insatisfação. Os generais que estavam no governo, que eram ministros, prometeram que iriam dar os mesmos ganhos para as patentes mais baixas, mas eles não conquistaram nada", reforça.
A pesquisadora ainda afirma que não faz sentido a justificativa dada pelos militares para receber a ajuda de custo como compensação ao fato de não contribuírem com o FGTS.
"A carreira tem muitas dificuldades, isso é fato, mas eles conseguem garantir o melhor dos dois mundos trabalhistas. Tem a estabilidade típica do funcionalismo público e tem também uma espécie de fundo de garantia, que eles não pagam ao longo da carreira, mas recebem mesmo assim."
"Eles saem ganhando dos dois jeitos. Eu faço ainda a comparação com os colégios militares. Eles têm orçamentos três vezes maiores que as demais escolas públicas e querem sempre se comparar com os colégios particulares. Mas, na hora do vestibular, os alunos têm direito às cotas das escolas públicas."
Como a Folha de S.Paulo mostrou, generais usam recursos destinados para a ajuda de custos de movimentações ou referentes à ida à reserva para inflar seus salários, já que os valores repassados são calculados com base na remuneração dos militares e costumam ser maiores que os gastos com as mudanças.
A última movimentação de militares ocorreu no fim de março e foi decidida em reunião do Alto Comando do Exército em meados de fevereiro. Foi a primeira mudança no topo de hierarquia realizada sob o comando do general Tomás Paiva.
As trocas intercalaram mudanças que já estavam previstas nas gestões passadas (Júlio César de Arruda e Freire Gomes) e trocas novas, feitas sob medida para o objetivo de Tomás de reforçar o papel apartidário da Força.
As mudanças atingiram 75 generais, incluindo 11 dos 15 generais quatro estrelas (topo da carreira). Desse total, 45 oficiais já receberam recursos de ajuda de custo que somam R$ 4,3 milhões –média de quase R$ 100 mil por general.
A dança das cadeiras é natural da carreira militar e costuma ocorrer a cada dois anos. Há, porém, casos de generais que trocaram de cargo em menos de um ano e acumularam ajudas de custos.