Toffoli cita risco de ruptura sob Bolsonaro e diz que talvez não teríamos democracia sem silêncio de Aras
Durante o discurso, Toffoli comparou a gestão de Aras à frente da PGR (Procuradoria-Geral da República) com uma parábola bíblica que trata da graça divina.
© Getty
Política DIAS-TOFFOLI
(FOLHAPRESS) - O ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou nesta segunda-feira (25) que o país esteve perto de uma ruptura democrática e que o Brasil talvez não estivesse em uma democracia não fosse a "força do silêncio" do procurador-geral da República, Augusto Aras.
"Não fosse a responsabilidade, a paciência, a discrição e a força de seu silêncio, Augusto Aras, talvez nós não estivéssemos aqui. Nós não teríamos talvez democracia", disse Toffoli.
A declaração foi dada em cerimônia do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) em que Aras concedeu medalhas da Ordem Nacional do Mérito do Ministério Público a diversas autoridades -entre elas, Toffoli, o ministro do STF Luiz Fux e o secretário da Casa Civil do Distrito Federal, Gustavo Rocha.
Durante o discurso, Toffoli comparou a gestão de Aras à frente da PGR (Procuradoria-Geral da República) com uma parábola bíblica que trata da graça divina.
"A graça nesse país foi ter nesses quatro anos Antônio Augusto Brandão de Aras à frente do Ministério Público. Esse cabeça branca, como a gente brinca, com responsabilidade", disse.
"Faço essas referências porque são coisas [que serão] contadas mais à frente da história. Porque poucas pessoas sabem, mas estivemos bem próximos da ruptura. E na ruptura não tem Ministério Público, não tem direitos, não tem a graça. A graça é ser amigo do rei", completou o ministro.
Crítico à Lava Jato e responsável pelos últimos reveses à força-tarefa, Toffoli ainda disse que o Ministério Público deve dar efetividade a direito e não a "abusos, ódios, intolerância e destruição de instituições".
"É o exemplo desse Ministério Público que defende as instituições e a democracia e que não as destrói. E não as usa como um alpinismo para outros interesses. O Ministério Público que dá a graça do senhor da vinha igual para todos", concluiu Toffoli, citando novamente a parábola bíblica.
A cerimônia de elogios foi a última presidida por Aras após quatro anos à frente da PGR e do CNMP. Ele deixará o comando das instituições nesta terça-feira (26). O presidente Lula (PT) ainda não definiu quem será o sucessor.
Também nesta segunda, o ministro Gilmar Mendes, do STF, afirmou em rede social que conclusão do mandato de Aras "deixa um legado de reinstitucionalização do Ministério Público Federal".
"A judicialização e a criminalização da política não são instrumentos de transformação social, mas sim estratagemas de grupos que, nos últimos anos, arvoraram-se na deturpação da lei como estratégia de instrumentalização política. A democracia se faz com um MP independente e imparcial", completou.
Um dia antes de deixar o comando da PGR, Aras fez um discurso no CNMP exaltando sua função para "manter o equilíbrio democrático neste país". Ele disse, porém, que os detalhes da atuação da PGR só serão revelados à frente.
"As palavras do ministro Toffoli hoje, um dia, adiante, serão detalhadas para que todo o povo brasileiro saiba que a democracia desse país preservada passou por essa instituição mantenedora, como é de seu dever constitucional, da ordem jurídica que sustenta o regime democrático, o Estado de Direito, que é o seu meio de trabalho, e a economia aberta de mercado."
O procurador ainda disse que a polarização política chegou a "níveis extremamente complexos". "No momento de crise e polarização e radicalização, só há um caminho e um consenso possível, que é o consenso da Constituição", completou.
Aras não comentou sobre sua sucessão. Ele afirmou, porém, que o Ministério Público Federal é hoje uma instituição "muito mais madura, mais ciosa de suas responsabilidades" do que na época em que a Constituição Federal foi promulgada, em 1988. "Saibamos nos inspirar naqueles que nos guiaram até esse momento da nossa história e construíram o caminho que hoje trilhamos e construímos para aqueles que nos sucederão."
O discurso de despedida de Aras durou mais de 30 minutos e foi precedido de declarações elogiosas dos demais conselheiros do CNMP. Um dos principais atributos do procurador citado pelos presentes foi a capacidade de se manter inabalável perante a críticas.
Aras foi criticado durante sua gestão sob a acusação de ser omisso nas investigações que miravam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) -responsável pela sua indicação e recondução mesmo fora das listas tríplices formadas pela categoria do Ministério Público.
"[Aprendi] com a leitura da vida de grandes homens, e falo no Winston Churchill, não ter medo de desagradar a imprensa, quem quer que seja, quando tenho a convicção do que fiz, faço e farei se encontra no grau daquilo que me convence de ser bom para a sociedade, da qual eu me incluo como cidadão", disse o procurador.
Numa tentativa de se cacifar para uma recondução na PGR já sob Lula, Aras fez publicações em redes sociais em que se distanciava da gestão Bolsonaro. Em vídeos, ele defendia sua gestão no exame da conduta de governantes quanto ao enfrentamento à Covid-19 e também na área do meio ambiente.
Nas publicações, Aras encampava ainda o discurso de que o órgão foi diligente na fiscalização de atos administrativos e gastos públicos destinados ao combate da pandemia. Cita situações como a crise da falta de oxigênio em hospitais de Manaus.
Leia Também: Lula nega novas trocas no governo, após Lira indicar mudança na Caixa