Cid é preso por ordem de Moraes após áudios sobre delação
Segundo o gabinete de Moraes, Cid foi preso por "descumprimento das medidas cautelares e por obstrução à Justiça". Ele passou por exame de corpo e delito no Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal e foi encaminhado ao Batalhão do Exército, onde está detido preventivamente.
© REUTERS / Adriano Machado
Política MAURO-CID
CONSTANÇA REZENDE, JULIA CHAIB E MATHEUS TEIXEIRA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), foi preso novamente nesta sexta-feira (22) por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), um dia após a revelação de áudios do militar com críticas à Polícia Federal e ao magistrado devido à condução de seu acordo de delação premiada.
Segundo o gabinete de Moraes, Cid foi preso por "descumprimento das medidas cautelares e por obstrução à Justiça". Ele passou por exame de corpo e delito no Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal e foi encaminhado ao Batalhão do Exército, onde está detido preventivamente.
A PF também cumpriu nesta sexta um mandado de busca e apreensão na casa do tenente-coronel, que havia sido preso anteriormente em maio de 2023 e solto em setembro.
Segundo integrantes da PF, Cid feriu o acordo de confidencialidade da colaboração premiada, o que foi considerado como o descumprimento de uma medida cautelar. Ele fez isso, avaliam investigadores, para tentar atrapalhar a apuração, sendo suspeito de obstrução de Justiça.
O STF também informou que está sob análise a homologação da delação feita pelo militar, já que os termos não foram tratados pela corte e, sim, pelos investigadores.
A medida ocorreu após Cid prestar depoimento no Supremo, conduzido pelo desembargador Airton Vieira, juiz instrutor do gabinete do ministro Alexandre de Moraes. O militar negou nesta sexta que tenha sido coagido anteriormente pela PF a dar as declarações em sua delação.
Funcionários do tribunal informaram que Cid passou mal e desmaiou ao saber da ordem de prisão, mas logo depois se recuperou. Ele chegou a ser atendido por brigadistas no local.
A audiência foi agendada após a revista Veja divulgar áudio em que Cid afirma que a Polícia Federal tem uma narrativa pronta nas investigações sobre o ex-presidente. Ele se disse pressionado nos depoimentos e fez críticas a Moraes, que homologou sua delação premiada.
"Você pode falar o que quiser. Eles não aceitavam e discutiam. E discutiam que a minha versão não era a verdadeira, que não podia ter sido assim, que eu estava mentindo", disse no áudio o ex-ajudante de ordens.
Segundo a revista, a gravação é da semana passada e ocorreu após Cid prestar depoimento por nove horas à PF.
Pouco após a revelação dos áudios, integrantes da PF já diziam que a delação premiada do tenente-coronel poderia ser anulada a depender da apuração.
Investigadores dizem que vão analisar o teor das gravações e, se comprovado que as declarações se deram dessa forma e nesse contexto, a colaboração premiada corre grande risco de ser cancelada.
A decisão de anulá-la pode ser tomada em conjunto pela PF e o STF, mas a palavra final será de Moraes.
Mesmo que o acordo de colaboração caia, as provas colhidas até aqui pelos investigadores seguem válidas, na avaliação de integrantes da PF.
Em seu depoimento nesta sexta, Cid confirmou ao STF o teor do que havia falado em sua colaboração premiada, recuando do tom adotado nos áudios.
O tenente-coronel se recusou na oitiva, porém, a dizer com quem conversava no momento em que deu as declarações gravadas, algo que os investigadores queriam saber. O diálogo teria ocorrido por mensagens no WhatsApp.
Nos áudios que foram revelados por Veja, Cid afirma que os policiais só queriam "confirmar a narrativa deles" e a todo momento davam a entender que ele poderia perder os benefícios da delação premiada a depender do que contasse.
O militar também teria feito duras críticas a Moraes. "O Alexandre de Moraes é a lei. Ele prende, ele solta, quando ele quiser, como ele quiser. Com Ministério Público, sem Ministério Público, com acusação, sem acusação", afirma.
O tenente-coronel ainda diz que teria havido um encontro do magistrado com Bolsonaro, sem dar maiores detalhes. "Eu falei daquele encontro do Alexandre de Moraes com o presidente, eles ficaram desconcertados, desconcertados. Eu falei: 'Quer que eu fale?'."
E prossegue: "O Alexandre de Moraes já tem a sentença dele pronta, acho que essa é que é a grande verdade. Ele já tem a sentença dele pronta. Só tá esperando passar um tempo. O momento que ele achar conveniente, denuncia todo mundo, o PGR [procurador-geral da República] acata, aceita e ele prende todo mundo".
Após a revelação dos áudios, senadores aliados de Jair Bolsonaro iniciaram articulações em busca de apoio pela abertura de uma CPI, sob a alegação de que o ex-ajudante de ordens imputa os crimes de constrangimento ilegal, falsidade ideológica, prevaricação e abuso de autoridade à PF, além de envolver o STF.
O advogado de Bolsonaro, Fabio Wajngarten, por sua vez, afirmou que os relatos de Cid são graves e precisam ser apurados. "Os áudios são gravíssimos e merecem as devidas investigações com relação ao cumprimento do devido processo legal, bem como a isenção de quem quer que seja", disse à Folha de S.Paulo.
As declarações de Cid nas gravações teriam sido dadas pouco depois de ele prestar o quarto depoimento à PF no âmbito da delação premiada. O militar foi chamado a falar para preencher lacunas abertas na investigação à época depois de outros envolvidos prestarem depoimentos, como o ex-comandante do Exército Freire Gomes prestar esclarecimentos por mais de sete horas.
Na ocasião, Cid confirmou, por exemplo, que aliados de Bolsonaro monitoravam os passos de Moraes para eventualmente prendê-lo caso o ex-presidente decidisse levar adiante medidas para impedir a posse de Lula. Havia entre as minutas golpistas a previsão de detenção do presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Ele confirmou ainda que ocorreram reuniões entre Bolsonaro e os chefes militares, mas que não participou delas do início ao fim.
A delação de Cid foi acertada enquanto a PF avançava sobre suspeitas de que o militar e seu pai, o general Mauro Lourena Cid, teriam vendido joias recebidas por Bolsonaro como presentes de Estado para o ex-presidente ficar com o dinheiro.
Para fechar a delação, Mauro Cid se comprometeu também a colaborar a investigação da PF sobre a fraude no cartão de vacinação que o militar teria feito para permitir que familiares e Bolsonaro pudessem viajar aos Estados Unidos mesmo sem terem sido imunizados contra a Covid-19. Este caso teve desfecho nesta semana, com o indiciamento de Bolsonaro, Cid e outras 15 pessoas.
Os depoimentos de Cid, no entanto, levaram a PF a focar em outra apuração, a respeito de uma trama para dar um golpe de Estado. A prioridade nas oitivas passou a ser as discussões que o ex-presidente e aliados teriam feito para tentar evitar a posse de Lula.
Em um dos depoimentos, Cid disse que Bolsonaro havia convocado os comandantes das Forças Armadas para apresentar um documento com uma série de considerandos -um compilado de momentos em que, na visão de Bolsonaro, a Justiça teria interferido ilegalmente em seu governo.
O documento teria sido apresentado pelo assessor para assuntos internacionais da Presidência, Filipe Martins, e pelo advogado Amauri Feres Saad. Segundo fontes com conhecimento do assunto, a minuta continha somente as consideradas interferências do Judiciário e não possuía medidas a serem tomadas em reação.
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