Meritocracia: brasileiro deixou de crer em 'justiça social', diz estudo
Analistas explicam como os sucessivos escândalos de corrupção transformaram a visão do brasileiro sobre o país e sobre si mesmo, segundo dados da Pesquisa Nacional de Valores de 2017
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Frente à crise das instituições políticas no país, o brasileiro deixou de acreditar em valores como “justiça social” para investir no “faça você mesmo”. Ao menos é o que revela a Pesquisa Nacional de Valores de 2017, realizada pelo Instituto Datafolha e publicada pelo jornal Folha de São Paulo, que ouviu 2.422 pessoas em todas as regiões do país.
Além de mostrar que o brasileiro vê o país como corrupto, mas não se enquadra na corrupção, o estudo mostrou como a crise política, causada por sucessivos escândalos de corrupção que ganharam os noticiários nos últimos anos, reflete-se na visão do brasileiro sobre o país e sobre si mesmo.
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"Diante do cenário de crise, cresce a perspectiva individualista, e as pessoas querem investir nelas mesmas", disse o cientista social Fernando Abrucio, da Fundação Getúlio Vargas, em entrevista à Folha. "As pessoas acham que têm de resolver a situação por elas mesmas", completou Maria do Socorro Braga, professora de ciência política da Universidade Federal de São Carlos, também ouvida pelo jornal. Esta última enfatiza que o comportamento individual pode também ser fruto de desamparo por parte do Estado e das instituições.
Com a missão de escolher entre 90 valores os dez que melhor as definiam, os que representavam o Brasil de hoje e aquilo que desejariam para o país, os brasileiros apontaram, neste último quesito, que “aprender sempre” reina no contexto pessoal. Já na cultura desejada para o país, a escolha de “oportunidades de educação”, valor ausente na primeira edição da pesquisa, realizada em 2010, surge como o mais importante em 2017.
Fernando Abrucio explicou que a crença no crescimento pelo mérito individual resulta da melhoria das condições de vida nas últimas duas décadas. "Sem isso, ninguém apostaria em educação porque o problema era mais embaixo", analisou o cientista social.
Outros dois valores inéditos, como confiança e coragem, apontados na seara inidividual, também revelariam que a mudança passa pela "tomada de consciência de que temos de tomar as rédeas de nosso destino e do país", segundo Guilherme Marback, diretor da Crescimentum. O especialista, ouvido na mesma entrevista, aponta para o aumento na percepção dos problemas do país.
Os resultados do estudo representariam uma cisão entre os valores desejados para o país em 2010 e 2017, na opinião do sociólogo Demétrio Magnoli, colunista da Folha de São Paulo. Segundo ele, "justiça social", "moradia confortável" e "redução da pobreza" perderam espaço para "oportunidade de educação", "compromisso", "honestidade" e "cidadania". "O que antes derivava do discurso do governo de 2010 [do PT], que perdeu força, hoje deriva da ideia chave de acabar com a corrupção e o desperdício de recursos”, concluiu na reportagem.