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A atuação de Temer no Porto de Santos e o que diz inquérito arquivado

Investigação policial que retrata o modus operandi de uma organização criminosa foi a base da denúncia do Grupo Especial de Repressão ao Crime Organizado, do Ministério Público do Estado de São Paulo, oferecida em 2003 e, três anos depois, arquivada

A atuação de Temer no Porto de Santos e o que diz inquérito arquivado
Notícias ao Minuto Brasil

10:03 - 02/05/18 por Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo com LÚCIO DE CASTRO

Política Inquérito

É num arquivo morto na 5ª Delegacia Seccional Leste da Capital, no Tatuapé, zona leste de São Paulo, que há mais de uma década repousam segredos capazes de abalar a república. Uma trama de poder, golpes, guerras entre acionistas, falsificação de documentos, medo, silêncio da imprensa, um doleiro misterioso, lavagem de dinheiro, denúncias arquivadas e leis desrespeitadas. Um roteiro digno de estar em uma série da Netflix. Mas é vida real. Brasil. E nunca foi contado. Ao longo de todos esses anos tais segredos, de acordo com os relatos, esbarraram em poderoso personagem para que não viessem à tona.

O cenário é o Porto de Santos. Atualmente, vale destacar, Temer é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), sob suspeita de assinado decreto, em maio do ano passado, com o objetivo de beneficiar a Rodrimar, que atua no local. 

É exatamente o nome de Michel Temer que paira em todas as ações do inquérito arquivado. Sobre ele, a partir de relatos de distintas fontes ligadas ao terminal santista, a reportagem ouviu a seguinte sentença: “Não há nada do Porto de Santos que possa ser mexido sem que Temer não tenha influência ou poder de decisão. Qualquer questão, mínima que seja, tem a anuência dele”.

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E o inquério policial que retrata o modus operandi de uma organização criminosa tem número: 050.02.004472-0.

A peça foi a base da denúncia do Grupo Especial de Repressão ao Crime Organizado (GAECO), do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP), oferecida em 2003.

Arquivada três anos depois como outras tantas investigações sobre o Porto de Santos e seus principais personagens.

O alvo principal era Antônio Celso Grecco, preso no último dia 29 de março e solto dois dias depois, um dos mais próximos e das maiores caixas-pretas do presidente Michel Temer (na foto abaixo, Grecco e Temer).

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Na investigação arquivada no passado, o dono da Rodrimar foi denunciado por constituir “verdadeira organização criminosa”.

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As palavras sobre a empresa não fazem por menos: afirmam que uma “quadrilha se formou na cúpula do Grupo Rodrimar”.

A denúncia detalhe em pormenores um grande esquema fraudulento ali desenvolvido, onde a emissão de notas fiscais simulando gastos operou, ao menos no período abrangido pela investigação, 11 de agosto de 1998 e 4 de junho de 2001. Aos indícios de lavagem de capitais, juntou-se abuso na administração da sociedade, fraude contábil e manipulação das demonstrações financeiras da empresa e da subsidiária, a Rodrimar Transportes Industriais e Armazéns Gerais, ambas atuantes no Porto de Santos.

O inquérito é o retrato do início e gestação do que lá atrás já era qualificado como uma “quadrilha”, cujos tentáculos só se ampliaram até chegarmos aos dias de hoje, com a denúncia da Procuradora Geral da República, Raquel Dodge e prisão de Antônio Celso Grecco. Conta a história de como uma “organização criminosa” se estruturou “com a finalidade de cometer crimes”.

O esquema era engenhoso, com “cada um agindo segundo seu papel”. Descrito em minúcias, detalhando a emissão das “25 notas fiscais que não correspondiam a quaisquer entrega de mercadoria ou prestação de serviços”.

Sobre a formação e hierarquia do que chamam de “organização criminosa”, assim está: “a mencionada quadrilha, que se formou na cúpula do Grupo Rodrimar, contava com estrutura hierarquizada, na qual Antônio Celso Grecco, diretor presidente das empresas que integram o grupo, ocupava o ápice da organização criminosa”.

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O esquema está didaticamente explicado: “a quadrilha adquiria notas de venda fraudadas, emitidas pelos representantes legais das empresas mencionadas, sem que qualquer serviço fosse prestado ou quaisquer mercadoria fosse entregue”.

E segue: “a quadrilha pagava pelo negócio simulado com cheque nominal à empresa ‘contratada’, cujo representante também recebia um valor previamente negociado. O representante da empresa fornecedora da nota simulada restituía à quadrilha a quantia referente ao valor da nota emitida, mediante endosso do cheque dado em pagamento”.

Na sequência da descrição do modus operandi da quadrilha que, segundo a denúncia, era encabeçada pelo amigo de Michel Temer, Antônio Celso Grecco, aparece um nome até aqui desconhecido e sumido nos arquivos mortos que sempre enterraram qualquer investigação sobre o Porto de Santos e seus protagonistas. Um personagem que, de acordo com a descrição, talvez saiba ou soubesse muito e que pode ter tocado em dinheiro de muito expoente do poder no país. Um precursor dos tantos que ganhariam fama com a Lava Jato, capazes de operar fortunas ganhas na ilegalidade e transferir o capital sujo: um doleiro que atendia a chamada “quadrilha”.

Citado de passagem pela peça, hoje provavelmente mereceria mais atenção, com o avanço das técnicas de investigação e dos esquemas de lavagem de dinheiro. Além dos cheques dados em pagamento serem sacados na caixa de uma agência do Banco Real, uma outra forma era usada para obter-se a volta do capital empregado na compra das notas fiscais: a compra de dólares. Assim está citado: “um doleiro da cidade de Santos conhecido como Senhor Aguiar”.

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Em tempos de Alberto Youssef, Dario Messes, Irmãos Chebar, o tal “Senhor Aguiar” pode estar injustamente esquecido. E conhecer alguns segredos capazes de abalar o Porto de Santos. E por irradiação, São Paulo e Brasília.

Minuciosa, a denúncia descreve ainda outras formas de operar menos usadas pela quadrilha. E demonstra que foram utilizadas na engrenagem “micro ou pequenas empresas que emitiam notas de venda ou prestação de serviços para negócios, que, na realidade, não se concretizavam, e recebiam por isso uma comissão sobre o valor do negócio simulado”. A apuração policial descobriu ainda que esses microempresários nada mais eram do que “gerentes, supervisores, funcionários e parentes de funcionários das empresas do Grupo Rodrimar”. Sobre a rede de laranjas montadas por Antônio Celso Grecco, a peça conclui: “Há evidências de que algumas dessas empresas sequer existiam na prática”.

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Embora com extremo detalhamento e ampla sustentação probatória demonstrando em muitos casos fraudes grosseiras, o caminho da denúncia foi o de tantas outras: o arquivo.

O inquérito nomina os acionistas Antônio Celso Grecco, Sidney Fernandes, Roseli Rodrigues Cardoso e Antônio Marcos Solla Cecchi como membros desta organização criminosa.

“Cada um deles agindo segundo seu papel na organização pormenorizada adiante, promoveram a negociação de notas de venda e principalmente, de prestação de serviços que não correspondiam a quaisquer entregas de mercadorias ou serviços prestados por parte das empresas simuladamente contratadas, obtendo, com tal conduta, vantagem ilícita consubstanciada na apropriação dos valores destinados ao pagamento dos negócios fictícios, causando dano patrimonial ao grupo empresarial Rodrimar”.

As ações nomeadas como criminosas no processo ocorreram entre agosto de 1998 e junho de 2001. Se para o grande público nada chegava via imprensa ou pela justiça, internamente o episódio se abateu como uma bomba no Porto de Santos. E deu início a uma das mais ferrenhas guerras entre acionistas que se tem notícia no meio empresarial. Incorformados com a prática destes sócios, a outra parte na sociedade, constituída por um núcleo familiar, os Rodrigues, cujo patriarca Nilo foi um dos fundadores da empresa em 1944, moveram processo contra o lado representado por Antônio Celso Grecco e parceiros. É nesse momento, exatamente em 1999, que Grecco toma o poder em definitivo da Rodrimar, alijando os Rodrigues da sociedade na qual detinham 40%. Processo que aguarda julgamento sobre a dissolução da sociedade até hoje.

Processo e briga renhida. Um conflito que já nos anos 90 tinha como mão invisível personagem oculto em tudo o que diz respeito ao Porto de Santos. Oculto em investigações, participações e ações, mas de nome sussurrado como todo poderoso nas pedras do cais de Santos e em todas as docas e armazéns desde sempre: Michel Temer.

Como nas melhores séries de organização criminosa, os envolvidos se recusam a falar. O temor paira acima de qualquer conversa. A reportagem tentou contato com os dois lados para falar sobre a disputa, sem sucesso. É preciso alargar muito além dos envolvidos o núcleo de possíveis conhecedores do caso para saber e confirmar detalhes. Quando o assunto é o Porto de Santos e a influência de Michel Temer, testemunhas da história só falam sob anonimato.

E como nas melhores séries sobre organização criminosa ou em clássicos de máfia, nehuma questão, nenhum conflito, pode ser resolvido sem a anuência, conhecimento e participação de quem detem o poder do negócio, o verdadeiro poderoso chefão.

Quando a disputa entre os grupos da Rodrimar explode, em 1999, Michel Temer tinha 59 anos. Estava em seu quarto mandato como deputado federal. Já tinha muito poder. Não só no Porto de Santos, sobre o qual já se sabia ser a iminência parda, o todo-poderoso e onipresente. Também no congresso nacional já era do alto clero. Exatamente em 1999 ocupava o posto de 43º presidente da Câmara dos Deputados.

Foi em tal posição que exerceu algo que viria a marcar sua trajetória desde sempre: aliou-se incondicionalmente ao presidente da vez, garantindo a governabilidade. Em troca, ganhava fôlego e liberdade para operar livremente em suas áreas de influência. Por ironia da história, o mesmo personagem a articular a derrubada de uma presidenta pelas pedaladas, foi quem garantiu naquele momento, enquanto número um da câmara, que Fernando Henrique Cardoso chegasse ao fim do segundo mandato, então fustigado pelo fantasma do impeachment, principalmente após a comprovada atuação do presidente no sentido de que os fundos de pensão do Banco do Brasil participassem da privatização da Telebrás. Garantiu apoio dos pares no congresso triplicando a verba de despesas dos gabinetes e permitindo que os parlamentares aumentassem os honorários dos assessores.

Travou embates dos mais quentes do parlamento com Antônio Carlos Magalhães, presidente do senado e que o chamava de “mordomo de filme de terror”.

Foi de ACM também a sentença premonitória, dita por quem conhecia os meandros e bastidores da política e suas práticas. No mesmo 1999 em que a Rodrimar assistia o início da batalha na qual o amigo de Temer, Antônio Celso Grecco foi qualificado de membro de organização criminosa e o conflito societário se deu, ACM avisou o que agora, com 19 anos de atraso, parece ocorrer: “As coisas morais nunca foram o forte do senhor Temer. Se abrir um inquérito no Porto de Santos, ele ficará péssimo”.

Pois se como nos melhores filmes de organização criminosa nenhum conflito pode ser resolvido sem o dedo do todo-poderoso, assim foi com a briga de Grecco e os Rodrigues. Nem mesmo uma questão interna da Rodrimar escapou ao martelo de Temer. A contenda precisou de autorização para seguir adiante. A frase de Temer na ocasião, dita por um velho observador do cenário santista e conhecedor de todos os movimentos dos protagonistas ali, e que obviamente prefere não se identificar, é definitiva para entender o quanto Temer mandou e ainda manda em Santos. “Podem brigar, desde que não respingue em mim”, disse aos acionistas da Rodrimar, de acordo com fonte ouvida pela reportagem.

Sinal verde dado por Temer, a briga começou. A profecia de ACM não se cumpriu no primeiro momento. O inquérito se abriu. Mas logo depois foi arquivado. Por fim, um habeas corpus impetrado por Marcio Thomaz Bastos em favor do seu paciente Antônio Celso Grecco em instância superior parou o andamento. Diversas fontes contam que de tudo um pouco aconteceu na disputa em instâncias inferiores. Compra de peritos, dinheiro grande rolando, é parte do relato. Tudo aconteceu em investigações relativas ao Porto de Santos nos anos 90 e nos seguintes até desembocarmos aqui, antevéspera da terceira denúncia de um presidente da república.

Segundo uma fonte ouvida pela reportagem, um perito envolvido em processos ligados ao Porto de Santos nos anos 90 custava cerca de cinquenta mil dólares para favorecer sempre o mesmo lado. E a escala ia subindo.

O inquérito que podia deixar Temer “péssimo” segundo ACM previa, detalha a prática das fraudes de abuso na admnistração da sociedade, fraude contábil e manipulação das demonstrações financeiras da empresa. A maquiagem contábil era feita inflando o patrimônio com valores que eram sonegados ao Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM). Tal imposto é uma contribuição parafiscal (contribuições compulsórias, determinadas por lei, que são arrecadadas não pelo poder público mas diretamente por entidade beneficiária) que incide sobre a entrada no porto de descarga de mercadoria importada e movimenta valor milionário. Apenas para se ter uma ideia do montante, a base de cálculo é o valor do frete e possui alíquotas variadas: 25% na navegação de longo curso, 10% na navegação de cabotagem e 40% na navegação fluvial e de lagos.

O processo fala ainda em adulteração das demonstrações financeiras da empresa no ano de 2001. As fraudes em recolhimento de impostos, as irregularidades nos contratos de concessão, o desvio de cargas não nacionalizadas na condição de fiel depositária, as dividas junto à Codesp – Companhia Docas do Estado de São Paulo, assim como a influência de políticos envolvidos em corrupção no Porto de Santos, estão descritas em outros tantos processos que envolveram o tema nos anos 90 sem jamais terem ido adiante.

Outro lado:

A Rodrimar, através de sua assessoria de imprensa, enviou a resposta abaixo aos questionamentos da reportagem:

“O inquérito citado pela reportagem da Agência Sportlight deve ser lido com a ressalva de que tratava-se, na ocasião, de um processo de disputa societária como tantos que acontecem no Brasil e em todo o mundo. As autoridades investigaram e concluíram que as acusações eram inverídicas, tanto que o inquérito foi arquivado. Não houve qualquer fraude financeira ou maquiagem contábil. Os balanços da Rodrimar S/A são auditados e os resultados estão disponíveis. Todo o processo também foi aprovado pelas assembleias de acionistas, da qual participaram os acionistas minoritários autores dessas acusações caluniosas, e pelo Conselho de Administração”.

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