Jucá: 'Governo é prisioneiro de discurso eleitoral que terá de largar'
Para ex-senador, se governo não cortar essa âncora, não terá base no Congresso
© Pedro França/Agência Senado
Política Entrevista
DANIEL CARVALHO E BRUNO BOGHOSSIAN - BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Líder de governo dos últimos quatro presidentes da República, o ex-senador Romero Jucá, 64, diz que Jair Bolsonaro (PSL) é prisioneiro do próprio discurso eleitoral que rejeitava a articulação com partidos.
"É uma âncora puxando o governo para baixo. Ou eles cortam a âncora ou não vão ter base partidária", diz, em entrevista à Folha de S.Paulo.
Aos 64 anos, o presidente nacional do MDB está sem mandato pela primeira vez desde 1995. E sem bigode. Sua marca na política nas últimas quatro décadas desapareceu. Derrotado na eleição, mudou o visual para rejuvenescer e abriu uma consultoria para atender grandes empresas.
Jucá afirma que o novo governo cria percalços para a aprovação da reforma da Previdência e critica a proposta de Paulo Guedes (Economia) de desvinculação do Orçamento. "O governo não pode abrir [outra] frente de guerra."
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Como está a vida fora do poder?
Estou montando a reestruturação do MDB para desdobrar a necessidade de se ajustar aos novos tempos.
E sua nova empresa de consultoria?
É uma consultoria de inteligência governamental e planejamento. Não vou trabalhar para governos. São associações, entidades, grandes empresas. Eu me especializei em resolver problemas. Considero muito importante as empresas fazerem um planejamento estratégico.
Num governo que a cada dia tem um susto diferente, como trabalhar esse planejamento?
Estou muito preocupado. O governo Michel Temer entregou o país com dados econômicos estabilizados, uma indicação de crescimento de 2,5% para este ano e uma expectativa de que as medidas pudessem se aprofundar. O que vemos são percalços que vão criando sinais de alerta. O governo Bolsonaro está gastando tempo de lua de mel.
O governo consegue aprovar seus projetos sem fórmulas tradicionais, como distribuição de cargos?
É importante para quem vem de fora para o governo ter algumas premissas. Ter só boa intenção não resolve. O diferencial é a capacidade de tornar realidade a intenção. O governo fez uma campanha de boas intenções.
Parou por aí?
Não. Demorou para apresentar a reforma da Previdência, criou percalços e perdeu capital político. É um alerta. Não quer dizer que vá ser pior, mas que tem que corrigir o rumo. O segredo é ter humildade de corrigir o rumo.
A articulação política é um problema?
A articulação política está embrionária. O governo é prisioneiro de um discurso eleitoral que vai ter que largar. É uma âncora puxando o governo para baixo na articulação. Essa âncora está amarrada no pé do governo. Ou eles cortam a âncora, ou não vão ter base partidária.
Tem quem corte?
O toque político tem que ser do presidente. Nenhum ministro dá o tom do governo. É o presidente que tem que dizer: precisamos ter uma base parlamentar. Não é possível governar com estabilidade sem um entendimento com partidos e líderes partidários.
Sem troca de cargos?
Tem que discutir a agenda. O governo ainda não teve uma conversa com os presidentes dos partidos. A âncora da campanha é: não vamos falar com partidos e líderes, não vamos ter negociação. A âncora começou a ser cortada pelo pior pedaço, que é dizer que vai dar cargo e vai dar verba.
Assim como Temer, Bolsonaro é criticado pela comunicação do governo.
A comunicação do governo não está boa, mas comunicação não é só postar em rede social. É criar fatos positivos. O governo, infelizmente, faz isso ao contrário. A reforma da Previdência é uma guerra de comunicação.
O que mudou desde o governo Temer na tentativa de votar a Previdência?
A matéria está madura. Quem está propondo a reforma saiu batizado pelas urnas, com legitimidade. Vai depender da construção da base e da comunicação.
Isso está numa estaca perto de zero.
Está, mas podem ajustar. Paulo Guedes tem experiência técnica, não política. Ele está cometendo um erro na questão de desvinculação de Orçamento. O governo não pode abrir [outra] frente de guerra. Terá as bancadas de saúde e educação contra.
O sr. acredita na aprovação da reforma?
Não tenho os dados do governo, mas acho que está longe de ter a firmeza de colocar para votar.
Idas e vindas são problemas para o governo?
É natural. Não podemos condenar o governo porque é inexperiente. Temos que ajudar.
Como avalia a participação dos militares no governo?
Dos grupos do governo, os militares são o mais estruturado, o mais consciente de limitações e dos caminhos que têm que ser trilhados.
Qual a diferença entre a relação Mourão-Bolsonaro e a relação Temer-Dilma?
Temer era um político experiente, não falava muito. É o estilo dele. Mourão está sendo instado a falar, ajuda o governo se o governo souber receber bem as palavras dele. Não vejo Mourão como um problema, mas como um aliado que está sendo mal-utilizado.
Como vê os desentendimentos públicos que existem no governo?
É a inexperiência de novo. Eles acham que ainda estão em petit comité e não estão. Cada palavra do presidente ou de um ministro tem um peso muito grande.
Como avalia a relação do presidente com a imprensa?
É o estilo de cada um. A imprensa fustiga. Eu sou vítima quase todo dia, mas nem por isso deixo de entender o papel da imprensa. Homem público tem que prestar contas, estar preparado para injustiças.
O sr. acha que o presidente foi injustiçado?
Não estou dizendo isso. A imprensa fustiga, pode ter injustiça ou não, cada caso é um caso.
O sr. já disse que a Lava Jato é responsável pela criminalização da política. Ainda acredita nisso?
A Lava Jato ajudou a melhorar a política, mas mirou acabar com a política. Acabar com a política não deu certo em algumas tentativas porque no lugar entra a aventura e a aventura não está preparada para governar.
O governo Bolsonaro é uma aventura?
Não sei. Vamos saber mais na frente. Torço para dar certo. Será muito ruim para o Brasil se der errado.
Como interpreta a derrota de Renan Calheiros na disputa pela presidência do Senado?
Foi uma derrota anunciada. Falei para ele que iria perder. Renan não ganharia nunca. Aquela eleição era o terceiro turno entre a velha e a nova política. Renan representava a velha política. Se Simone Tebet tivesse sido a candidata, seria hoje presidente do Senado.
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