Cientistas decifraram pensamentos de pessoas totalmente paralisadas
A chamada "síndrome do encarceramento" é a fase final da evolução de certas doenças neurodegenerativas
© REUTERS/Lucas Jackson
Tech Surpreendente
Neurocientistas suíços criaram um novo neurochip que permite literalmente ler a mente das pessoas completamente paralisadas após acidentes de carro ou uma doença grave, diz um artigo publicado na revista PLOS Biology.
"Este resultado surpreendente desmente a minha própria teoria de que pessoas completamente paralisadas com a 'síndrome do encarceramento' realmente não são, por princípio, capazes de comunicar com o mundo exterior. Nossos experimentos mostraram que todos os quatro voluntários puderam responder a perguntas pessoais que nós fizemos usando apenas o poder do pensamento. Se pudermos repetir os mesmos resultados, poderemos devolver o dom da fala a pessoas que sofrem de disfunção dos neurônios motores", diz Niels Bierbaumer da Universidade de Tubingen (Alemanha).
Dentro de si mesmo
A chamada "síndrome do encarceramento" é a fase final da evolução de certas doenças neurodegenerativas, tais como a esclerose lateral amiotrófica (ELA), ou "doença de Stephen Hawking", bem como o resultado de uma variedade de lesões cerebrais, intoxicações ou overdose de drogas. Durante seu desenvolvimento, a pessoa parece perder o contato com o mundo exterior e deixa de controlar seus músculos, incluindo respiratórios, devido a danos nos neurônios motores no cérebro e na medula espinhal.
Em geral, os sintomas da "síndrome do encarceramento" lembram o que acontece com o corpo e o cérebro de pessoas em coma e estado vegetativo, razão pela qual muitos neurocientistas, incluindo Bierbaumer, acreditavam que pessoas paralisadas não eram capazes de ter atividade mental, definir tarefas e resolvê-las.
Experimentando com quatro voluntários nos últimos estágios de ELA, Birbaumer e seus colegas procuravam entender se era possível estabelecer contato com eles usando os chamados neurochips e interfaces "cérebro-computador" — sistemas que recebem diretamente os sinais do cérebro e os convertem em uma linguagem compreensível para o computador.Os cientistas usaram dois aparelhos — um tomógrafo de ressonância magnética, para observar o trabalho de diferentes partes do córtex e das camadas profundas do cérebro, e um espetroscópio infravermelho. Este instrumento científico relativamente novo permite monitorar o nível de atividade de certos grupos de células nervosas pela quantidade de oxigênio que eles consomem.
Luz no fim do túnel
Como explicam os cientistas, o corpo humano é em geral transparente para a irradiação térmica com comprimentos de onda de 700-900 nanômetros, contudo a hemoglobina, o transportador principal de oxigênio no nosso sangue, a absorve. Assim, quanto mais oxigênio consome uma célula e o recebe das células vermelhas, tanto mais escura ela será para esse dispositivo.
Alguns anos atrás, um outro grupo de cientistas descobriu, observando o funcionamento do cérebro de pessoas saudáveis, que respondendo a perguntas simples a concentração de hemoglobina varia de forma previsível: quando você responde "sim", a sua quota no cérebro aumenta, quando "não" — ela continua igual ou diminui. Seguindo esta ideia, os cientistas criaram um programa que traduziu estes sinais em respostas de "sim" e "não".
A verificação do funcionamento desse sistema simples superou todas as expectativas dos cientistas — quatro pessoas paralisadas, que participaram do experimento com o consentimento de seus tutores, identificaram em geral corretamente suas esposas ou maridos e parentes e responderam a perguntas sobre sua vida pessoal, e um dos homens até mesmo proibiu sua filha de se casar com seu namorado Mario.
O que mais surpreendeu os cientistas foi que os participantes dos experimentos estavam geralmente satisfeitos com o fato de eles continuarem sua existência, embora a vida de alguns deles tivesse de ser mantida com a ajuda de sistemas de ventilação mecânica dos pulmões.
A prova de que mesmo as pessoas nesse estado "encarcerado" continuam querendo viver e comunicar com seus semelhantes, de acordo com Bierbaumer, vai acelerar a investigação nesta área e levar ao desenvolvimento de sintetizadores de fala e dispositivos que irão ajudar esses pacientes a se moverem de forma independente. (SputnikBrasil)