Meteorito de Chelyabinsk ajudará a criar sistema antiasteroide
Corpo celeste levou moradores a pensar sobre o possível início de uma guerra nuclear
© REUTERS/Anton Melnikov
Tech Entrevista
Há quase 5 anos, a cidade russa de Chelyabinsk, que fica perto dos montes Urais que dividem a Europa da Ásia, foi alvo de um fenômeno natural excepcional. A Sputnik Brasil viajou para a região para ver com os seus próprios olhos e mostrar aos leitores o maior pedaço achado desse corpo celeste e descobrir mais sobre o ocorrido.
Sabe-se que, além de planetas, asteroides e cometas, o Sol é orbitado por inúmeros meteoritos que, ao entrar na atmosfera do nosso planeta, se destroem e criam um rastro iluminado que se chama bólide e que causou o pasmo dos habitantes da cidade na manhã de 15 de fevereiro de 2013.
A Sputnik Brasil visitou uma das maiores universidades e centros de pesquisa da região, a cátedra de Teoria Física da Universidade Estatal de Chelyabinsk, e falou com Sergei Zamozdra, astrofísico e ex-participante da expedição que se ocupou de encontrar os pedaços do corpo celeste no lago de Chebarkul.
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O cientista contou-nos que o meteorito de Chelyabinsk foi, literalmente, recolhido por toda a região, com milhares de pedaços pequeninos e grandes, dado que o peso total dos achados se somou em cerca de uma tonelada. Além disso, a maior parte do corpo celeste, que levou os habitantes da área a pensar sobre o possível início de uma guerra nuclear, é o quarto maior meteorito rochoso que alguma vez atingiu a Terra.
Veja a entrevista concedida à Sputnik News Brasil.
Será que algumas pesquisas ainda se estão levando a cabo, sendo que o meteorito se alastrou por um território tão vasto?
Pouco a pouco, claro, pois [os restos do meteorito] constituem material para ser investigado. Já que foram encontrados tantos fragmentos, o meteorito "voou" por todo o mundo, para diferentes laboratórios. Primeiro, foram enriquecidas as coleções de colecionadores privados, bem como as coleções cientificas. Segundo, realizam-se pesquisas, por exemplo, sobre a dureza dos pedaços. É uma das questões mais importantes — qual é a dureza dos meteoritos, por disso depender quantos fragmentos produziriam, que território abrangeriam, pois caso seja muito duro, o corpo celeste não se destruiria, chocaria contra a Terra e criaria uma cratera enorme. […] Claro que isso seria muito mais perigoso, pois ele [um tal meteorito] pode destruir um grande edifício e matar pessoas.
Ou seja, os habitantes de Chelyabinsk, de fato, tiveram sorte?
Sim, nesse sentido ele foi muito propenso a se rachar, provavelmente tinha gelo, algumas pedras rachadas, pois isso não houve grandes danos. Porém, a onda de choque causou prejuízos, por exemplo, caiu um antigo muro em uma das fábricas, foram quebradas centenas de janelas e algumas pessoas ficaram ensurdecidas por algum tempo.
Por mais cínico que pareça, se pode dizer, verdadeiramente, que tais casos são uma espécie de prenda para os cientistas, pois estes ganham uma oportunidade inédita de fazer novas descobertas. Por exemplo, sublinha Zamozdra, tais corpos celestes ajudam a encontrar novas ligas de metais. No caso do meteorito de Chelyabinsk, esperava-se encontrar uma liga de ferro e níquel em proporção de 50/50.
"É uma liga muito rara, sua peculiaridade consiste em que ela preserva os dados sobre o campo magnético por muito tempo. Ainda dentro de um Sistema Solar muito jovem, quando se formavam os asteroides, o campo magnético ficou gravado lá que nem em um disco rígido. Contudo, não conseguimos encontrar essa liga no nosso meteorito", conta o cientista, adiantando que em tais casos também se tenta achar combinações orgânicas, pois os meteoritos alegadamente teriam capacidade de transportar esporos de bactérias e até vegetais de outros planetas.
Entretanto, não são apenas os cientistas que mostraram interesse pelo fenômeno natural. Após a queda, na região se deu uma verdadeira "febre do meteorito", quando centenas de pessoas se entregaram ao calor da busca científica e se lançaram à "caça ao desconhecido" em florestas logo após a neve se derreter.
Nos tempos modernos, cheios de tensões políticas e ameaças, todo o mundo, inclusive a Rússia, se dedica ao desenvolvimento de potentes sistemas de defesa antimíssil e antiaérea. Mas será que existe uma razão e oportunidade para criar um complexo análogo de defesa antimeteorito?
Sim, há. É preciso apenas que as pessoas parem [de gastar], ou pelo menos gastem menos com armamentos e guerras, e destinem uma parte, pelo menos uns 5-10 por cento, ao desenvolvimento de tal sistema. Mas para isso se deve, primeiro, convencer as autoridades que isso é importante, que há uma ameaça pendente e, segundo, provar que já existem métodos. Teoricamente, os meios já foram produzidos, pois, "podemos lançar um míssil, fazer explodir uma bomba"… Já há mísseis, já há bombas, apenas falta fazê-lo. Por exemplo, foi escrito este livro [apresentando o manual "Conceito de mísseis do sistema de defesa antiasteroide da Terra"], pois temos na nossa região o Centro Estatal de Mísseis do Acadêmico Makeev, lá se produzem os mísseis estratégicos e ele tem todo o conhecimento para produzir mísseis que tenham capacidade para atingir asteroides.
De acordo com o cientista, tudo "se resume às mentes, as pessoas devem guerrear menos e fazer mais para o bem comum". Por enquanto, há certas dificuldades na previsão de tais quedas, especialmente caso um meteorito seja pequeno. No caso do meteorito de Chelyabinsk, seu comprimento era de cerca de 20 metros na entrada na atmosfera terrestre e, além disso, ele se movia do lado do Sol. Segundo frisa Zamozdra, o corpo celeste, nessas condições, é quase impossível de ser detectado.
"Caso ele tivesse voado do lado oposto, poderia ter sido detectado com 12 horas de antecedência por algum telescópio, o Hubble, por exemplo, ou por algum outro telescópio potente. Mas quando voa do lado do Sol, tudo fica encandeado, não há nada a fazer. Por isso, claro, é preciso colocar telescópios no espaço, para que estes vigiem todo o céu desde pontos especiais, onde não fiquem cegados pelo Sol", explica o pesquisador russo.
A propósito, houve algum tipo de cooperação com a NASA no processo de buscas e investigações?
Houve, sim, na nossa universidade há um professor, Nikolai Gorkavy, que também é funcionário da NASA. Ele fez a análise da poeira que ficou após a queda do meteorito de Chelyabinsk e provou que essa poeira voou em torno de toda a Terra, criou um cinturão em torno do nosso planeta. Ao longo de 3 meses, o satélite Suomi tem vigiado esse círculo. […] Além disso, o professor descobriu fibras entre as partículas, uma espécie de fios de vidro. Essa também foi uma descoberta sem precedentes no mundo.
Se entendi bem, você também participou da expedição de buscas. Sabe-se que levou bastante tempo para encontrar o maior pedaço do meteorito dentro da cratera. Por que aconteceu isso?
Quanto ao maior fragmento, se conhecia onde ele caiu, mas não o conseguiram tirar logo daí. Ele caiu no lago de Chebarkul e criou uma cratera de oito metros de diâmetro. O problema é que o lago é muito antigo e tem uma grossa camada de lodo. Há 10 metros de água e outros 10 metros de lodo, por isso os mergulhadores não conseguiam detectar nada por muito tempo. Foi preciso criar uma grande escavação, de 30 metros, mas não foi logo, foi depois de 6 meses, no outono [o meteorito caiu em fevereiro].
De fato, cria-se uma impressão que a região dos Urais tem uma certa "sorte" no que se trata de quedas dos corpos celestes, podemos relembrar o meteorito Kunashak de 1949 ou o evento de Tunguska de 1908. O cientista frisa que ao longo do último século houve cerca de 5 fenômenos dessa espécie que ocorreram nas áreas próximas a Chelyabinsk.
Porém, na verdade isso tudo é apenas uma ilusão, pois meteoritos, segundo os cientistas, caem por todo o território terrestre em proporções mais ou menos equilibradas. A coisa é que causam repercussão apenas nas zonas densamente povoadas, dado que a maior parte do planeta está coberto por oceanos e desertos, por exemplo. Além disso, se detectam com mais frequência nos territórios onde há "redes de bólides", inúmeras câmeras que vigiam o céu 24 horas por dia, explica Zamozdra.
"Trata-se da Europa, particularmente, onde há a rede de bólides mais densa do mundo. Há também nos EUA, na Austrália. Aqui, na Rússia, tal rede apenas começa a ser construída pelos nossos colegas da Universidade Federal dos Urais", revelou.
O cientista também relembrou o chamado "tunguska brasileiro", ou seja, um fenômeno natural que ocorreu na Amazônia em 1930 e foi muito parecido ao incidente análogo na Rússia. Na época, os habitantes locais ficaram tão assustados com a explosão e o incêndio consequente que o consideraram como um prenúncio do Armageddon, alguns até começaram tomando veneno com o pânico. O mistério comum em ambos os casos foi a ausência de pedaços achados.
Por que tanto em Tunguska como no Amazonas não conseguiram encontrar quaisquer rastros da queda?
Tal efeito se cria quando cai um corpo muito friável, mais provavelmente foi o núcleo de um cometa ou, de fato, uma parte do núcleo. É gelo sujo constituído por dióxido de carbono e água misturados com grãos de areia. À altura de cerca de 10 km, ele simplesmente explode e a Terra é alcançada apenas por ar quente, bem como por um relâmpago forte que incendeia a vegetação. Passados vários minutos, chega uma onda de choque de ar quente. Parece que no Brasil ocorreu a mesma coisa. […] Os meteoritos sempre caíram. Por exemplo, há a famosa Cratera do Arizona [Cratera de Barringer] nos EUA, lá também tem muitos mitos sobre esse meteorito.
Entre as pessoas comuns às vezes dá para ouvir teorias que não houve nenhum meteorito, mas sim testes de uma nova arma, por exemplo, estadunidense. Eu própria já ouvi falar sobre isso. Como você poderia comentar tais suposições bem extravagantes?
São teorias que não têm nada a ver com ciência. Primeiro, foi encontrado um grande número de lascas, fragmentos, e pedrinhas mesmo. Caso contrário, teríamos encontrado pedaços de ferro, equipamentos eletrônicos, aqui há apenas material natural. Segundo, se tivesse ocorrido uma explosão nuclear, teríamos detectado altos níveis de radiação. […] No lago estava tudo limpinho. […] Ou seja, descartamos uma hipótese nuclear. Contudo, os armamentos convencionais não teriam produzido tal efeito, pois a potência da explosão [do meteorito de Chelyabinsk] foi equivalente a 30 bombas de Hiroshima. Estes são os principais argumentos.